Televisão

“Why We Hate”: a nova série de Spielberg quer explicar por que odiamos tanto

A NiT entrevistou uma das realizadoras do projeto da Discovery Channel, Geeta Gandbhir. Tem seis episódios.
O cineasta tem 72 anos.

Steven Spielberg tem uma das maiores e melhores carreiras na indústria mundial da televisão e do cinema. Realizou, produziu e escreveu os argumentos de inúmeros blockbusters — e trabalhou com as maiores estrelas de sempre de Hollywood.

Apesar de tudo aquilo que já fez e conquistou, havia um projeto que Steven Spielberg tinha há bastante tempo e que só agora conseguiu concretizar. “Why We Hate” é a série documental que vem preencher essa lacuna no currículo do americano de 72 anos.

Como o título indica, é uma produção que tenta explicar porque é que nós, humanos, odiamos e temos tanto ódio dentro de nós. A pesquisa começou há cerca de dez anos e foi há cinco que o Discovery Channel se juntou ao projeto. A série de seis episódios estreia finalmente este domingo, 13 de outubro, pelas 22 horas.

Steven Spielberg e Alex Gibney são produtores executivos, e os realizadores foram Sam Pollard e Geeta Gandbhir. Em “Why We Hate” fala-se de líderes que propagaram o ódio, desde Adolf Hitler, o chanceler nazi, a Pol Pot, o antigo líder do Camboja. Mas também se abordam casos individuais, como o do assassino em massa e supremacista branco Dylann Roof, que matou nove pessoas numa igreja quando tinha apenas 21 anos.

Além disso, reúne entrevistas com antigos extremistas de vários géneros, e inclui depoimentos de especialistas científicos, que ajudam a explicar melhor o que é o ódio, de onde vem, como funciona e qual é a melhor forma de lidarmos com ele. A NiT entrevistou a realizadora Geeta Gandbhir antes da estreia no Discovery Channel.

Inicialmente, o que é que a atraiu mais para este projeto?
O projeto nasceu de uma ideia de Steven Spielberg, que depois se juntou ao Alex Gibney, que é um realizador de documentários premiado e tem uma produtora aqui em Nova Iorque. Eu já tinha trabalhado para e com Gibney e ele também trouxe para o projeto o Sam Pollard, que é o meu mentor, um colega e amigo. Quando tens uma equipa destas, tu não dizes que não. E acho que o tema sempre foi relevante para o meu trabalho: faço muitos filmes sobre problemas de injustiça social. É importante para mim. E o ódio está muitas vezes na essência desses problemas. A ideia é que, se as pessoas entenderem qual é a raiz do ódio, se perceberem como funciona, então se calhar possamos fazer algo em relação a isso, talvez consigamos fazer algo que o combata.

Qual foi o maior desafio em produzir esta série?
Penso que tenha sido o facto de existirem tantas histórias e informação. Foi muito difícil de encaixar tudo em seis horas. Tu queres incluir tudo, tudo parece importante. E por causa disso, apesar de termos várias histórias com soluções, só temos um episódio dedicado especificamente à esperança.

Além dos especialistas, falaram com pessoas que sentem muito ódio nas suas vidas?
Sim, falámos com pessoas dos dois lados da história — pessoas que são sobreviventes de incidentes de destruição massiva ou que sofreram de bullying. E também falámos com pessoas que eram os perpetradores. Alguns deles são antigos extremistas e falámos com eles sobre como e porque é que fizeram aquilo que fizeram e, depois, como é que saíram dali. Também olhámos para líderes de movimentos de massas que usam o ódio como uma ferramenta para ganhar poder político. Muitos deles não estão vivos hoje em dia, mas também foi importante para percebermos como funcionam e porque é que fazem o que fazem.

Houve alguma entrevista que tenha sido mais impactante, que tenha sido uma surpresa?
Acho que temos esta capacidade tremenda de acreditar muito firmemente nas nossas ações e acreditar que elas estão certas e também temos uma capacidade incrível para mudar. O cérebro tem uma grande maleabilidade. Há uma jovem mulher com quem falhei. O nome dela é Megan Phelps-Roper e ela fazia parte da Igreja Baptista de Westboro que é quase vista como um culto, e eles sentem um grande ódio em relação à comunidade LGBT. Ela nasceu e foi criada ali e aquilo era a família dela. A mãe e todos os parentes faziam parte da organização e por isso era tudo aquilo que ela conhecia. Ainda assim, num certo ponto da sua vida, ela conseguiu perceber que aquilo estava errado. E conseguiu sair, deixando tudo para trás. Isso foi mesmo poderoso porque ela perdeu tudo.

E a série também é sobre essas mudanças, certo?
Sim. Há um episódio chamado “Ideologia” em que, além da Megan Phelps-Roper, temos dois antigos extremistas. Um deles era um jihadista, outro era neo-nazi. E ambos contaram-nos a sua história, como foram ensinados, porque se juntaram a estas organizações e, depois, como é que saíram. O que é mesmo interessante é que conseguem falar muito abertamente sobre o mal que eles sentem que causaram e como agora dedicaram as suas vidas a tentar compensar isso.

Não quiseram entrevistar um extremista que não tenha mudado, que ainda o seja?
Acho que há muitos extremistas num lugar de destaque em muitos países. Líderes que usam linguagem extrema, mas que se está a normalizar.

Geeta Gandbhir é uma realizadora de documentários.

E não quiseram contribuir para isso.
Sim. E temos exemplos de líderes que são extremistas, infelizmente. Por isso, precisávamos de os entrevistar? Tínhamos de entrevistar pessoas quando só tínhamos de olhar para os líderes à volta do mundo que, mais uma vez, ganharam poder dessa forma? Estamos a lidar com isso nos EUA. Fomos à Hungria e documentámos a eleição do partido Fidesz. E tanto quisemos ter indivíduos como esses grandes líderes, mas sem precisar de os entrevistar.

Além de ter a ideia para o projeto, qual foi o papel de Steven Spielberg nesta produção?
Eu e o Alex Gibney estávamos a trabalhar em Nova Iorque e o Spielberg em Los Angeles, por isso estávamos bastante longe. Mas Spielberg deu um grande apoio. Esta era a ideia dele, por isso havia coisas específicas que ele queria garantir que seriam abordadas por nós, como ter a consciência do que é, soluções ou esperança. E ele também queria incluir o conflito entre Israel e a Palestina. Apesar de não o vermos todos os dias, ele estava bastante envolvido. Ele viu tudo, reviu tudo, deu-nos feedback. Foi muito generoso, mas não estava lá todos os dias a olhar por cima do ombro para o que estávamos a fazer.

Qual foi a maior conclusão que resultou do vosso projeto?
Acho que houve imensas. A maior, penso eu, é que existe esperança. Uma das maiores especialistas que participa neste projeto diz-nos que temos na nossa natureza uma grande capacidade de ódio e para causar o mal, de nos tornarmos monstros, mas também temos a capacidade de nos segurarmos à nossa humanidade e de nunca o fazermos. Conseguimos controlar o nosso comportamos e existem formas de fazer melhor e recusar que o ódio determine as nossas ações.

Já que a série tem uma perspetiva bastante científica, qual foi a coisa que descobriram sobre o tema que a maior parte das pessoas desconhece?
Acho que uma das coisas que mais me surpreenderam é que temos cérebros que não mudaram muito desde a Idade da Pedra. Temos cérebros desenhados para viver com pequenos grupos de pessoas, umas 150 ou 200, e tudo o que está dentro desse grupo — como seria na altura — consideramos que é seguro e bom, e tudo o que está fora consideramos que é uma ameaça. Na altura, essa era uma medida de proteção e os nossos cérebros desenvolveram-se dessa forma por segurança. Porque alguém, ou um animal selvagem, podia magoar-nos, tirar a nossa comida, roubar os nossos recursos ou magoar as nossas crianças. E por isso é que somos muito tribais. Mantemo-nos no nosso grupo e ainda somos assim. Faz parte da nossa natureza. E apesar de vivermos numa sociedade global, ainda vemos muito coisas assim. Como no desporto. As organizações desportivas são das mais tribais hoje em dia. A política também. Pessoas que odeiam outra equipa simplesmente porque é outra equipa. Tu amas a tua equipa e odeias todos os que sejam de outra, e isso transcende raça, género, idade e religião. Tenho esperança que ao estarmos mais conscientes sobre isto possamos mudar o nosso comportamento na nossa comunidade. 

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