Eric J. Schartz, norte-americano de Boston, hoteleiro. Sophia Piñeiro, argentina de Buenos Aires, apresentadora de TV. Cinzia Caiazzo, italiana de Florença, viticultora. Norberto Serpa, cidadão do mundo, recém-chegado de uma volta ao mesmo à vela. Catheryn Castle, editora e scubadiver, americana do Arizona. Bruno da Rosa, picoense cantautor. Pedro Cotovio, artesão continental e piloto de girocóptero. Miriam, aka Misuzy, artista musical, ascendência cabo-verdiana. Victor Rui Dores, professor, cronista, ator, poeta, o graciosense que a ilha azul adotou.
O que têm em comum os improváveis protagonistas desta galeria? São todos faialenses de adoção, novos ilhéus, membros proeminentes de uma das ilhas mais cosmopolitas do mundo, rostos da segunda temporada de “Mal-Amanhados”.
Cinco dias épicos a rodar na terra dos aventureiros, conhecida pela sua histórica marina internacional e pelo Vulcão dos Capelinhos, mas com tanto, muito mais que tanto, para oferecer. Num território de 15 mil habitantes, é a ilha açoriana com maior percentagem de cidadãos oriundos de outras partidas do mundo – são já quase um milhar.
Pergaminho fiel à História do primeiro consulado norte-americano, da Colónia Alemã, dos hidroaviões a amararem na baía da Horta, dos cabos telegráficos submarinos que se cruzavam aqui, juntando dois continentes e sobretudo ingleses, italianos, alemães, americanos, num verdadeiro e singular promontório de espiões e esplendores em cafés cosmopolitas, as praias do Norte, Almoxarife e Porto Pim, a grande e recatada freguesia dos Cedros, os saraus na Sociedade Amor da Pátria ou os claustros de uma religiosidade que sempre andou de braço dado com a abertura de espírito.
Depois das aventuras em São Miguel e São Jorge, inesquecíveis (óbvio) mas marcadas por atribulações climatéricas, a ilha capitaneada pela encantadora cidade da Horta recebeu-nos de céu aberto e calor de ananases, como diria Eça de Queiroz.

Uma hora mágica em Porto Pim; as pazes feitas com a Espalamaca (local onde nos surripiaram uma mala de drone com todas as baterias e o dito cujo, novo em folha, quando filmámos a temporada 1); o vale quase suíço de Flamengos – onde povoadores oriundos da antiga Flandres ergueram casas e vida, o mais longe possível do sempiterno mar e da então omnipresente ameaça de piratas e corsários; o Morro de Castelo Branco a desafiar a gravidade; a Caldeira espampanante de assombro e sossego; o Monte Carneiro e as vistas de estalo para os vizinhos do “triângulo”, Pico e São Jorge (com a Graciosa à espreita); a micaelense
Maria João Gouveia a dançar espontaneamente com crianças do público e uma onda de celofane em plena tarde do Festival Maravilha; um copo (ou quatro) no pátio interior do Oceanic com a enfermeira Helena Sequeira e a sua paixão pela terra e por este nosso açoriano sonho de mostrar mais de nós aos outros; o gigantesco Pico a abençoar cada investida do guião desde o outro lado do Canal; e sobretudo a história de amor de Cathryn e Gui.
Ele, filho e neto de faialenses, capitão de super-iates, radicado no Havai dos 20 aos 40 anos — onde diz sempre se ter sentido amparado pelos primos do Pacífico, local onde sangue ilhéu de madeirenses e açorianos ainda corre abundante. Ela, editora livreira e scubadiver do Hall of Fame (yap, existe).
Conheceram-se jovens, no iate de um bilionário onde trabalharam durante 3 semanas. Ele a navegar, ela a preparar refeições. Houve conexão, mas nada rolou. Seguiram cada um os seus caminhos, literalmente um pouco por todo o mundo. Tiveram cada um o seu casamento que acabou.
Certo dia, 25 anos depois de coincidirem nesse trabalho remoto ao serviço de um nababo qualquer, Guilherme escreveu um e-mail a Catheryn: “Remember me?”. Ela, um quarto de século depois, recordava-se, sim, e de que maneira. Estão juntos há 11 anos. Escolheram o Faial para viver há dois. Têm 61, ambos. São lindos. Não exagero nem um pouco. L-i-n-d-o-s.
No nosso último dia na ilha, antes de apanharmos o ferry de armas e bagagens para seguir aventura rumo à 4.ª escala da rodagem, estávamos convidados para almoçar em casa deles.
Fomos recebidos por ambos, claro, e ainda por um estudante de Biologia Marinha do Oregon, ao qual dão guarida; os dois empreiteiros nativos que se encontram em pleno processo de renovação do lar de Catheryn e Gui; uma alemã radicada há 20 anos na Horta (Anette), um sul-africano capitão de super-iates (Graham); um casal luso-francês em pleno processo de paixão à primeira vista por este “centro do mundo”, como todos lhe chamam (e cujo nome não retive devido às 4 margaritas confecionadas pelo próprio Lord Satanás, que Cathryn me serviu com volúpia).
Sentados nesta mesa comunitária com vista para o mar, abarrotados de álcool e comida mexicana, brindámos às pequenas ONU’s sinceras e espontâneas – como esta. A celebração do outro de gargalhada franca e coronitas no ar, a descoberta do local, onde venhas de onde vieres, sabes que é onde encontraste a felicidade. O poder do riso e da comida, a sedução da maresia, línguas universais todas.
Em tempos tão conturbados de extremismo e periclitante dança entre os poderes que a todos nos tutelam, a generosidade dos anfitriões lembrou-nos de Bourdain e Bukowsky, de Nemésio e de Arriaga, de Petri e Tabuchi – no fundo, de tudo o que importa. Long live, Catheryn & Gui, e viva o Faial — que sempre reencontra, reclama e revive o seu histórico ADN.
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