“Uma original história sobre o amor e a justiça, marcada por desenfreadas lutas pelo poder, numa família tradicional cheia de segredos que vai cativar os espectadores.” É desta forma que a SIC descreve “Flor Sem Tempo”, a nova novela da estação, que estreou esta segunda-feira, 30 de janeiro.
Que vá cativar os espectadores, tudo bem — até acredito. Agora, dizer que é uma história original já é esticar um pouco a corda. Desde logo porque é uma telenovela e depois porque esta mesma história já existe. Chama-se “Succession”, vai para a quarta temporada e já ganhou oito Emmys, incluindo de Melhor Série Dramática.
O que provavelmente terá feito alguém questionar-se: “E se fizemos um ‘Succession’ à portuguesa, mas substituímos os aviões a jato por tratores?” “Não achas que as pessoas vão notar que é exatamente a mesma premissa?” “Não, as velhas não veem HBO.” E cá estamos.
Tal como na aclamada série norte-americana, em “Flor Sem Tempo” encontramos a figura central do poderoso Engenheiro Fernando (Rui Morrison), patriarca da família Torres, produtores de vinho e basicamente os “donos disto tudo” na terra onde vivem, Vila Santa.
O homem tem um dilema: quer largar a gestão da sua empresa e finalmente gozar a reforma, mas ainda não decidiu a quem passar o testemunho. Faz lembrar alguma coisa? Esperem que há mais (e nem se quer estou a falar do facto de, também nesta história, o patriarca ir parar ao hospital no final do primeiro episódio!).
Cada um dos herdeiros ambiciona ser o sucessor de Fernando mas, imagine-se só, o senhor não confia em ninguém. Na adega da quinta, à mesa, a filha Vitória (Cristina Homem de Mello); a neta Caetana (Joana Santos); e os dois genros do patriarca, Eduardo (Luís Esparteiro) e Luís (José Wallenstein); discutem qual deles será o melhor para assumir os comandos do grupo empresarial, numa série de auto elogios e críticas que não beneficiam ninguém.
Na verdade, Fernando confia apenas num dos seus herdeiros, o neto Vasco (Francisco Froes), que é bonzinho e não quer saber de nenhuma empresa para nada porque é o único esperto da família e prefere gastar a herança do avô em vida — nomeadamente a passear em veleiros. E é aqui que “Flor Sem Tempo” se transforma totalmente no “Succession” da tuga. É que, como sabemos, todas as novelas precisam de uma bonita história de amor, principalmente se juntar um menino rico e uma pobrezinha. E esta não foge à norma.
Catarina (Bárbara Branco) não só é pobrezinha como também é delinquente, como percebemos na primeira cena em que surge a sair da prisão. Os irmãos vão buscá-la à cadeia mas ficam sem gasóleo na carripana porque o seu pai Jorge (Albano Jerónimo) é um bebedolas e gasta tudo em pacotes de vinho de cozinha. Resultado: a situação da família está um caos, a casa está de pantanas e, como se não bastasse, a mãe desapareceu sem dar rasto. Mas não são só tragédias. Felizmente receberam uma ordem de despejo do senhorio e por isso tiveram mesmo de arrumar a casa. Há males que vêm por bem.
Decidida a encontrar a mãe, Leonor (Maria João Bastos), que desapareceu enquanto ela estava a cumprir pena, Catarina sugere ir à Quinta dos Torres, onde a progenitora trabalhava, no dia da festa de aniversário do senhor engenheiro. Enquanto a procura, dá de caras com Vasco, que a salva dos capangas do avô, que entretanto se aperceberam de que ela, apesar de estar em liberdade condicional, não se reabilitou na choldra e cometeu o crime de invasão de propriedade privada — que, como toda gente sabe, menos a Catarina, é punido com prisão até dois anos e multa até 50 dias.
Entretanto, na festa, os ricos continuam a beber champanhe, alheios às infrações de Catarina. Toda a família detém-se na expetativa de saber quem o senhor engenheiro irá anunciar como seu sucessor. Fernando, com uma postura e tom blasé — só lhe faltava a pêra para ficar igual ao Logan Roy —, inicia por fim o seu anúncio.
“Vitória, tens grande talento mas não é a ganhar dinheiro, é a gastá-lo.” Pumba, 1 a 0 para o Fernando, que não se fica por aí e basicamente vai destruir, de seguida, cada um dos seus herdeiros. “Mas então isso quer dizer que o pai ainda não decidiu?”, pergunta Vitória, com ar de espanto.
Nisto, enquanto todos já estavam a fazer contas à vida, entra de mota pela festa adentro o neto Ricardo (Jorge Corrula), o estarola da família, que aparentemente aprendeu a conduzir na PlayStation e por isso despista-se e cai com a mota para dentro da piscina. Como o menino Ricardo já deve ter feito coisas bem piores, toda a gente acha normal e a festa continua, até porque amanhã vem o senhor da piscina e quem tira caruma de pinheiro também tira uma BMW R 1220 GS.
Para evitar ter de apertar o pescoço a alguém, Fernando aproveita a deixa para dizer a todos que se vai recolher para os seus aposentos. Mas é interrompido pelo neto Sebastião (Diogo Amaral), que questiona: “Mas, avô, ainda não disse quem é que vai ficar à frente da empresa…” Fernando responde com frieza: “Nenhum de vocês está preparado, por isso… eu vou continuar à frente da empresa.” Eh pá, que grande surpresa, por esta é que eu não estava mesmo à espera. Depois de ter assistido aos dois primeiros episódios já percebi porque é que a novela se chama “Flor Sem Tempo” — claramente alguém ficou sem tempo para escrever uma ideia original.