Hasan Minhaj começou a dar nas vistas no “The Daily Show”, escolhido a dedo por Jon Stewart. A condizer com a longa tradição do programa, que revelou inúmeros talentos ao longo dos anos — de John Oliver, que tem agora o seu programa na HBO, a Steven Colbert, que sucedeu a David Letterman no “Late Night Show”—, o próprio Minhaj rompeu a barreira do talk show e procurou uma carreira a solo.
Conquistou o seu próprio programa na Netflix, o “The Patriot Act”, e lançou vários especiais de stand-up. Descendente de imigrantes indianos, muçulmano assumido, usou quase sempre esse facto biográfico como tema dos seus monólogos. Num dos seus especiais, “The King’s Jester”, de 2022, Minhaj relatava uma de muitas histórias pessoais que habitualmente usava para refletir sobre a intolerância e a discriminação na sociedade norte-americana.
No seu último especial, “The King’s Jester”, Minhaj recorda um episódio dramático. Ao receber uma série de envelopes, cartas alegadamente enviadas por fãs, um pó branco caiu de um deles. O comediante estava ao lado da filha bebé, ainda no carrinho, e o pó terá caído sobre ela.
“Vamos a correr para as urgências. O momento em que vejo a bebé, a rasgarem-lhe as roupas e a levarem-na… Ficámos horas na sala de espera, sem falar”, recorda. Quando a filha regressou, ao colo de uma agente da polícia, tudo ficou esclarecido. “Tem muita sorte senhor Minhaj. Não era antrax. Mas trabalho neste departamento há tempo suficiente para perceber que esta merda não surge do nada. Por isso tenho que lhe perguntar: quem é que tem andado a irritar?” “Toda a gente”, terá respondido Minhaj.
Já em casa, recebe um ultimato da mulher. “Dizes o que queres em palco, mas nós é que temos que lidar com as consequências. Estou-me a cagar se a revista ‘Time’ acha que és um influencer. Se voltas a colocar os meus filhos em perigo outra vez, deixo-te nesse segundo.”
Um ano depois, o comediante de 37 anos sentou-se para conversar com a “The New Yorker”, e admitiu que o relato não passou de pura ficção. A filha nunca esteve exposta ao suposto pó, nem sequer fpoi hospitalizada. Terá, de facto, recebido uma carta com pó e brincado com a mulher: “E se isto fosse antrax?”.
Noutra história, contada no mesmo especial, o comediante revela que um agente do FBI à paisana alegou ser um recém-convertido ao Islão, para se infiltrar na mesquita que a sua família frequentava. O alegado agente terá tentado puxar o tema da conversa do terrorismo e da jihad. Minhaj recorda que fez, como é habitual, uma piada: disse que estava só à espera da sua licença de piloto. Segundo o comediante, a polícia apareceu pouco tempo depois para o deter. Também esse relato é, afinal, falso.
Minhaj justifica-se nas páginas da “The New Yorker”, mas as desculpas dadas pouco mais fizeram do que enfurecer os fãs e a restante comunidade de comediantes. “Todas as minhas histórias partem de uma pequena verdade. A minha comédia é 70 por cento de verdade emocional e 30 por cento de hipérbole, exageros, ficção”, comenta.
“A conclusão compensa sempre a premissa ficcionalizada”, remata Minhaj, que tem sido um de três nomes falados como potencias substitutos de Trevor Noah no comando do “The Daily Show”.
“Não penso que esteja a manipular a audiência. As pessoas vêm para viver aquela montanha-russa emocional. Para os que dizem ‘isso é demasiado irreal para ser verdade’, sinceramente não quero saber, porque, sim, o objetivo é precisamente esse”, confessa.
Defende-se com o facto de cada história “tem um fundo de verdade”, embora nunca tenham realmente acontecido. “Acho que, em último caso, o que estou a fazer é tentar dar relevo a estas histórias que acontecem. Servem para conduzir à conclusão a que pretendo chegar”, conta. A revelação deu origem a uma enorme controvérsia e Minhaj foi forçado a justificar-se.
“Todas as histórias que conto nos meus stand-up são coisas que me aconteceram. Sim, não me deixaram ir ao baile de finalistas devido à minha etnia. Sim, recebi uma carta em casa com um pó branco que, por pouco, não magoou a minha filha. Sim, fiz uma cirurgia para podermos engravidar. Sim, gozei com o Jared Kushner na cara dele”, revelou em comunicado. “Uso as ferramentas da comédia — a hipérbole, a mudança de nomes, de locais, a compressão de linhas temporais — para contar boas histórias. Isso é inerente a esta forma de arte. Não irias à Mansão Assombrada perguntar: ‘porque é que me estão a mentir?’. O objetivo é a diversão. Passa-se o mesmo com o stand-up.”
Quem veio em defesa de Minhaj foi Whoopi Goldberg. “Isso é o que os comediantes fazem. É o que nós fazemos. Contamos histórias, mas embelezamo-las.”