Feito o teste do algodão, chegámos finalmente à conclusão de que “Hell’s Kitchen” é tudo menos um programa sobre comida. Sim, passa-se numa cozinha; sim, os concorrentes são cozinheiros; mas tudo isso é ruído de fundo. E se estamos então perante um concurso, uma competição, o episódio deste domingo, 12 de abril, levanta uma outra dúvida: porque é que Dona Ana ainda não foi expulsa?
É uma sugestão arriscada: afinal, a concorrente de 54 anos tornou-se na concorrente fofinha da edição e ai de quem ouse irritar os fãs. Mas recordemos as palavras de Ljubomir Stanisic, no momento da expulsão, segundos antes de decidir salvar a concorrente: “A Dona Ana sabe pouco, muito pouco.”
Teria bastado isso para carimbar o passaporte da simpática concorrente da Mealhada, mas quem acabou mesmo expulso foi Rafael, um rapaz “com muito para aprender”. E é neste momento que “Hell’s Kitchen” volta a tornar-se extremamente confuso.
Há uma semana, estava pessoalmente convicto de que, com mais ou menos gritos, poderia ver e aprender alguma coisa sobre comida — esse erro, assumo-o, foi meu. Já com as expectativas niveladas e mentalizado de que teria pela frente um concurso em formato de reality show, eis que percebo finalmente que tudo isto é também uma mentira: não há mérito ou justiça. Apenas simpatias e “boa televisão”.
É fácil de perceber o porquê da resiliência da Dona Ana. É, de longe, a concorrente mais velha. A underdog, subestimada por todos. Ao contrário dos outros colegas, muitos com passagens por restaurantes conhecidos e cozinhas profissionais, ela trabalha num simples refeitório.
Esta é uma história que já foi contada milhões de vezes. Porquê? Porque toda a gente sabe que o coração mole dos espectadores vai torcer pelo elo mais fraco. Acontece que, para que a Dona Ana permaneça, outros concorrentes com mais conhecimento, experiência e potencial terão que ficar pelo caminho. A meritocracia implode sobre o peso de fazer boa televisão: e todos sabemos que nada bate uma história lamechas.
Não deixa de ser irónico que Stanisic justifique a decisão de salvar a concorrente com a “humildade” e precisamente o facto de Ana Cristina não “ver isto como televisão”. Errado, chef.
Em boa verdade, não fosse isto um concurso com traços de “Big Brother” entre tachos e panelas, a cozinheira da Mealhada seria uma fantástica concorrente de um respeitável concurso de culinária. A amadora que agarra numa rude, peluda e gordurosa orelha de porco e a transforma num prato aparentemente delicioso. A cozinheira combativa que não precisa de atirar talheres pelo ar ou gritar com os colegas.
Não é a Dona Ana que não é suficientemente boa para “Hell’s Kitchen”. “Hell’s Kitchen” é que não é suficientemente bom para a Dona Ana. Arranjem lá um programa sobre boa comida, diminuam-lhe o volume, façam 1001 receitas de orelha de porco e deixem-nos a nós, espectadores, salivar.