31 de outubro de 2012. Os funcionários de uma delegação do Banif, na Avenida da República, em Lisboa, são surpreendidos quando uma mulher tenta assaltar o banco. Não demora muito até se aperceberem de que a arma de fogo que a mulher carrega, tapada por um pano, é falsa. Perseguem-na e as autoridades são chamadas, capturando-a em flagrante delito.
Nos seus pertences encontram a tal pistola de plástico, uma cabeleira postiça, dois óculos de sol, um xaile e duas peças de roupa — tudo itens usados para se disfarçar e assaltar 11 bancos na região da Grande Lisboa, entre abril de 2011 e aquele outubro de 2012. O Banif da Avenida da República era o 12.º assalto.
Dulce Caroço, que ficou conhecida como a “viúva negra” por assaltar bancos sozinha e se vestir de negro, conseguiu roubar cerca de 16 mil euros. Só tirava o dinheiro da caixa. Tinha um salão de cabeleireiro e estética na Costa da Caparica e foi condenada em 2013 a uma pena de sete anos e meio de prisão.
Foi tido em conta o facto de ter “agido de forma premeditada” e de “os assaltos terem sido feitos de forma operacionalmente bem executada”, segundo disse a juíza responsável pelo caso, citada na altura pelo “Público”. Embora também tenha reconhecido que não colocou em perigo a integridade física de ninguém — e a arguida não tinha antecedentes criminais.
Foram as dívidas ao fisco e à segurança social (que levaram ao encerramento do cabeleireiro), o fim da relação com o marido, e as dificuldades em sustentar o filho, que terão levado a que esta mulher de 44 anos se visse numa situação tão desesperante que a fez virar-se para o crime. Supostamente, ter-se-á inspirado no caso de “El Solitario”, um assaltante espanhol que roubara várias delegações de bancos em Portugal alguns anos antes.
A argumentista e escritora Patrícia Müller leu as notícias sobre o crime em 2013, quando Dulce Caroço foi condenada. “O que me chamou mais a atenção foi o facto de a assaltante ter sido apanhada e depois ter levado uma pena enorme de prisão. Achei muito curioso”, conta à NiT.

“Depois, fiz-lhe uma espécie de stalking meio obsessivo, comecei a telefonar para a prisão — aliás, acharam que eu era uma jornalista —, fui atrás da advogada dela, que é muito querida e ficámos amigas, e depois finalmente, quando ela saiu em precária, veio almoçar comigo. Foi uma grande alegria. Foi uma intuição que depois teve o seu payoff, porque eu sabia que nós íamos ser amigas e fomos mesmo — ainda hoje.”
Dulce Caroço saiu da prisão cinco anos depois de ter sido condenada. Patrícia Müller queria muito contar a sua história num guião para uma série — e esse projeto concretizou-se durante este ano, depois da aprovação de Daniel Oliveira. “Vanda”, assim se chama a produção, está a terminar as gravações e vai ser uma série de oito episódios da Opto, a plataforma de streaming que a SIC lançou no ano passado.
“Foi engraçado, porque nada sequer me dizia que ela nos ia deixar contar a história dela… Ela é uma pessoa muito particular, muito forte, com um poder e uma luz muito curiosos. Tivemos uma empatia incrível, ela é maravilhosa.”
Patrícia Müller diz que, no início, Dulce Caroço estava reticente em deixar que a sua história fosse contada. “A Dulce estava um bocadinho tímida ao princípio. Ela não é uma mulher espalhafatosa nesse sentido. É uma mulher muito séria, muito digna, com uma espinha dorsal enorme. Estava um bocadinho desconfiada, vá. Mas depois fui falando com ela e expliquei-lhe que acima de tudo, sto é uma homenagem à Dulce, não é uma coisa para dizer mal dela ou para a criticar. O objetivo desta série não era fazer uma coisa crítica. Quanto muito, o que se critica é a sociedade e a forma como às vezes as pessoas são engolidas por situações que não dominam, que não conseguem explicar e acabam mal. Se nós quisermos, é mais uma tese social em que podemos ser engolidos pela sociedade do nada. É um bocado a ideia de que a vida é uma sequência de acontecimentos que muitas vezes nos foge do controlo. E no caso da Dulce, quando ela toma as rédeas da coisa, quando diz que ‘comigo não brincam’ — aliás, há uma frase que a Dulce diz muito e que se vai ver na série porque ela está sempre a dizer: ‘Vão-se foder’. E ‘vão-se foder’ é uma coisa genérica, geral, ela não está a falar com ninguém. E é aí que ela pega na pistola de plástico e vai assaltar.”
O tom podia ser melodramático, mas a abordagem foi tornar isto uma série relativamente leve de “heist” — ao estilo de “Ocean’s Eleven” ou até de “La Casa de Papel”, em que os crimes são romanceados e os criminosos são os anti-heróis por quem torcemos.
Patrícia Müller acredita que os espectadores se vão identificar com Vanda (o nome escolhido para interpretar a protagonista) e vão compreender as suas ações. “Acho que as pessoas vão compreender completamente porque é que esta mulher fez o que fez. Acho que é impossível de não compreender. Acho que qualquer pessoa, ainda por cima estamos a retratar a crise económica da altura, é impossível não simpatizar com esta mulher. Qualquer pessoa que tenha em algum momento da sua vida passado por uma dificuldade vai entender esta mulher. Principalmente pessoas que tenham filhos.”
Contudo, e para que não haja dúvidas, esta é uma história de ficção. Patrícia Müller assume que a vida de Dulce Caroço foi o “ponto de partida” para criar um enredo fictício, em que o contexto familiar é outro, em que a escala dos assaltos é bem maior (até porque o projeto é uma co-produção com produtores espanhóis e o objetivo é internacionalizar a série o máximo possível).
“Na verdade, ela assaltou bancos em Portugal e não roubou assim tanto dinheiro. Mas nós achámos que, para uma realidade mais internacional, de espectadores de ficção, seria mais interessante dar-lhe um cunho de maior escala de assaltos e, logo, de maior consequências. Para ser algo mais fantasioso e uma coisa muito mais heist, mais ‘Ocean’s Eleven’, deixam de ser uns assaltos em Portugal feitos por uma pessoa normal e passa a ser uma coisa de maior escala, com mais twists e mais coisas de heist, o que é muito engraçado. Eu nunca tinha trabalhado numa coisa assim. A Dulce foi um ponto de partida. Depois fomos por aí fora e correu bem.”

Patrícia Müller trabalhou com a guionista espanhola Carmen Jimenez e o realizador da série, produzida pela SPi, é Simão Cayatte. A atriz Gabriela Barros, de “Pôr do Sol” e da mais recente encenação portuguesa de “Chicago”, é a atriz principal. Tanto ela como Cayatte conheceram Dulce Caroço para prepararem a série. O elenco inclui ainda Joana de Verona e João Baptista, além de atores espanhóis.
Patrícia Müller diz que outro dos detalhes que considerou mais curiosos é que “as estatísticas mostram que o número de mulheres que cometem crimes deste género sozinhas é praticamente inexistente”.
“Pelo mundo, não é só em Portugal. As mulheres não assaltam bancos sozinhas. As mulheres, regra geral, assaltam bancos com homens, fazem parte de quadrilhas, ou têm problemas de droga, ou são obrigadas por homens. Em países menos desenvolvidos com questões sociais e financeiras muito graves… e a Dulce era de facto uma exceção. E então em Portugal imagine a quantidade de mulheres que tinham assaltado bancos sozinhas: nenhuma, praticamente [risos]. E com uma pistola de plástico, que é ainda a coisa mais surreal, porque à partida é uma contradição. Uma pessoa vai assaltar um banco e é um exercício de violência. Agora, uma mulher que nem sequer tem uma arma?”
Müller falou também com Carlos Poiares, professor e especialista em psicologia forense, que considerou imediatamente, segundo a argumentista, que Dulce Caroço não tinha características de psicopatia ou sociopatia. “É uma mulher normal com atitudes normais e que de repente assalta não sei quantos bancos e todas as atitudes dela são raras, quase de heroína social. Achei que era um caso raro, uma história que merecia ser contada.” Estreia no próximo ano? “Adorava, mas não faço ideia. Estou numa excitação.”