O título surge em jeito de mensagem enigmática: “Se acontecer alguma coisa, adoro-vos”. Foi algo de semelhante que Alana Koer, uma mãe de 41 anos, recebeu ao início da tarde de 14 de fevereiro de 2018.
“Não sei o que se passa, mas se alguma coisa me acontecer, amo-te incondicionalmente”, assinou o filho de 17 anos, que nesse preciso momento temia pela morte, barricado numa sala de aulas.
A curta-metragem de animação com cerca de 12 minutos, um sucesso por estes dias na Netflix, não avisa imediatamente ao que vem. Não usa qualquer diálogo — nem precisa — para, em poucos minutos, apertar o coração mais rígido.
Escrita por Will McCormack e Michael Govier, a curta aborda uma questão delicada e bastante atual. No centro da história de “Se Acontecer Alguma Coisa, Adoro-vos” está um casal numa dor profunda que, percebemos rapidamente, tem origem na morte da filha.
Em pouco mais de dez minutos, a obra produzida por Laura Dern, e animada por uma equipa totalmente feminina, mergulha no rescaldo do luto, de uma vida desfeita pela memória de uma tragédia.
A tragédia, embora nunca seja revelada explicitamente, é (mais) um tiroteio numa escola americana. E apesar de a história ali relatada não ser uma adaptação fiel de um caso verídico, adota traços recolhidos diretamente de testemunhos de pais que viram os seus filhos morrer nestes massacres a que, infelizmente, os Estados Unidos da América se habituaram.
McCormack e Govier entrevistaram e conheceram vários casais, de forma a captar de forma mais fiel os sentimentos de perda, dor e desconexão com a realidade que, inevitavelmente, os assaltaram depois do trauma de perder um filho. A curta foi também feita em colaboração com a organização não-governamental Everytown for Gun Safety, que luta por um maior controlo da venda e uso de armas no país.
Apesar de não fazer referência a um tiroteio específico, na curta a mãe recebe uma mensagem em tudo semelhante à que dezenas de pais americanos receberam a 14 de fevereiro. Em comum, tinham o facto de todos os seus filhos frequentarem a escola Marjory Stoneman Dogulas, em Parkland, na Flórida, palco de um dos piores massacres escolares da história do país.

Nesse dia, morreram 17 pessoas e outras 17 ficaram feridas. Entre as vítimas estavam 14 estudantes com idades entre os 14 e os 18 anos. Desde o massacre de Columbine — que em 1999 fez 13 vítimas mortais —, só dois ataques foram mais mortíferos: o de Sandy Hook, com 26 mortes, e o da Virginia Tech, com 32.
Muitas das crianças e jovens da escola perceberam imediatamente o que estava a acontecer e barricaram-se para se esconderem do atirador e colega de 19 anos, Nikolas Cruz. Enquanto esperavam, sem saber se teriam a sorte ou o azar de serem encontrados, enviavam mensagens aos familiares, em jeito de despedida.
“É tocante e milagroso o facto de a curta falar de forma tão bela de um tema sem necessitar de diálogo e, dessa forma, chegar a tanta gente”, confessou Laura Dern, a atriz britânica que serviu de produtora executiva.
Menos focada no crime, a curta-metragem prefere abordar o tema do luto, de como os que sobrevivem lidam com a memória trágica da perda de um filho — e de que forma é que ela afeta a relação e a vida de quem tenta ultrapassar o trauma.