Um simples e aparentemente inocente emoji de dinamite. O pequeno e importante detalhe foi ignorado pelos detetives de “Adolescência” mas viria a perceber-se que poderia ser uma das chaves do caso. Por detrás da imagem está todo um significado secundário, uma espécie de linguagem secreta usada pelos adolescentes.
Ao longo da minissérie do momento, revelam-se significados de emojis e expressões confusas que deixaram muitos pais na dúvida. A dinamite é código para incel, também ela outra palavra misteriosa.
Trata-se de uma abreviação de “involuntary celibate”, uma expressão que, em português, pode ser traduzida para celibato involuntário e refere-se a uma comunidade sobretudo composta por homens, que são incapazes de estabelecer relações românticas ou sexuais com mulheres, apesar de terem o desejo de o fazer.
O termo surgiu nos anos 90, quando Alana, uma mulher canadiana, criou um fórum online chamado Involuntary Celibacy Project, para discutir solidão e dificuldades em relacionamentos. Com o tempo, a designação foi apropriada por comunidades masculinas na Internet, onde muitos passaram a expressar ressentimento e frustração, frequentemente culpando as mulheres e a sociedade pelo seu insucesso amoroso.
A partir da década de 2010, o termo ganhou notoriedade devido a casos de violência associados a indivíduos que se identificavam como incels. Foi um destes episódios que chamou a atenção de Stephen Graham e que o levou a criar “Adolescência”, onde também interpreta o pai do protagonista.
“Li um artigo onde uma rapariga foi esfaqueada até à morte por um rapaz. Depois, uns meses mais tarde, vi nas notícias uma situação semelhante numa parte completamente diferente do Reino Unido. Isso magoou-me imenso e comecei a perguntar o porquê de isto estar a acontecer”, contou em entrevista à “Sky News”.
Outra expressão que está bastante presente ao longo dos quatro episódios da série é “nonce” que, ao contrário de “incel”, não tem uma origem conhecida. Sabe-se, porém, que é uma gíria britânica para se referir a um agressor sexual, especialmente a alguém que comete crimes sexuais contra menores, ou seja, um sinónimo de pedófilo.
Desde a estreia a 13 de março, também têm surgido várias publicações de pais preocupados com este uso de emojis e esta aparente linguagem secreta. O que para os adultos é uma imagem totalmente banal, para a geração mais nova — especialmente adolescentes — tem um significado completamente diferente.
Até os corações coloridos guardam dezenas de significados distintos. “O que inicialmente pode parecer uma conversa entre amigos porque trocam emojis esconde um significado escondido que, muitas vezes, os adultos têm dificuldade em interpretar”, conta a psicóloga Catarina Lucas à NiT. Apesar de “Adolescência” ser uma série britânica, este fenómeno também acontece cada vez mais em Portugal, embora possa ainda não ter “este nível de gravidade”.
Infelizmente, não há muito que os adultos possam fazer para impedirem que os miúdos sejam vítimas de bullying. E iniciar uma conversa sobre este tópico também é difícil. O que podem fazer é criar uma “via de comunicação aberta” desde os primeiro anos, para que vejam nos progenitores “um porto seguro com quem podem falar quando estão com problemas”. “Mesmo que não digam logo o que se passa, percebem que os pais estão lá para falar.”
Ficarem atentos aos conteúdos que consomem e os grupos em que estão no WhatsApp — uma rede social que é cada vez “mais perigosa — são outros conselhos da psicóloga.
Igualmente difícil é perceber se os filhos estão realmente a ser vítimas de bullying, especialmente no mundo digital onde não há agressões físicas. No entanto, há alguns fatores aos quais os adultos podem — e devem — estar atentos. “As rejeições no momento de irem para a escola ou em estarem com outras pessoas, dores de cabeça, de barriga ou mudanças nas rotinas, como irem para o quarto mais cedo ou deixarem de sair com amigos” são alguns dos principais sinais de alerta.
Para Catarina Lucas, séries como a da Netflix são importantes graças à forma como levam este tópico a um público maior e diversificado, numa altura em que o bullying já não ocorre apenas na adolescência. “Já sei de casos de miúdos de nove ou dez anos que sofrem bullying”, lamenta.
Os números têm aumentado nos últimos anos e os especialistas estão cada vez mais preocupados, especialmente porque “é um tema muito difícil de controlar”. “Muitas vezes parecem coisas subtis, como um emoji e uma mensagem que podemos pensar que são desvalorizáveis e que a agressão física tem mais peso, mas neste momento o bullying emocional pode ter sequelas maiores e a série alerta-nos para isso.”