Foi uma coincidência terrível. No mesmo dia, 27 de fevereiro, em que a Fox anunciou o regresso da icónica série dos anos 90, “Beverly Hills, 90210”, Luke Perry foi hospitalizado depois de sofrer um AVC. Após vários dias sob observação, o ator norte-americano morreu esta segunda-feira, 4 de março. Tinha 52 anos.
No projeto interpretava Dylan McKay, um bad boy atribulado e instável que era um dos protagonistas da história — a personagem tornou Luke Perry um ídolo e um sex symbol para todas as adolescentes dos anos 90.
A série estreou em 1990 e, um ano mais tarde, Luke Perry — que era natural de Mansfield, no Ohio, e que na verdade se chamava Coy Luther Perry III — visitava um centro comercial em Seattle para uma sessão de autógrafos com os fãs. Uma multidão de miúdas adolescentes estava tão entusiasmada que o ator teve de ser levado pela segurança, escondido num cesto da roupa suja, quando elas se precipitaram contra a barricada que o protegia.
Nesse mesmo ano, 21 pessoas ficaram feridas depois de mais de oito mil fãs correrem em direção ao palco para verem Luke Perry numa apresentação pública.
A realidade é que, apesar da enorme popularidade de Perry, a participação do ator nascido em 1966 na produção sobre adolescentes nem devia durar muito tempo. Originalmente, Dylan McKay só ia aparecer no primeiro par de episódios porque fazia parte de uma história muito específica dentro do guião.
A Fox estava relutante em fazer de Luke Perry um ator regular em “Beverly Hills, 90210” e teve de ser o showrunner, Aaron Spelling, a insistir até conseguir que Dylan se tornasse uma personagem vital do enredo.
O mais curioso é que Luke Perry nem sequer era para interpretar Dylan McKay. O ator fez o casting para a personagem Steve Sanders mas perdeu o papel para Ian Ziering. Só depois é que o chamaram para fazer de Dylan, um papel à partida muito mais secundário.
O telefilme “The Unauthorized Beverly Hills, 90210 Story”, de 2015, mostra os bastidores de como se formou esta série de culto. Luke Perry fez centenas de castings (foi rejeitado 216 vezes, segundo ele) até conseguir o primeiro anúncio publicitário da sua carreira, que depois fez com que chegasse às audições desta série. Antes, tinha um emprego na construção civil e trabalhava com asfalto.
Cresceu na zona rural de Fredericktown, numa escola onde tinha aulas para fazer partos de vacas e conduzir tratores. O pai era um operário na indústria do aço e a mãe uma dona de casa. O casal divorciou-se quando Luke tinha apenas seis anos.
Dylan McKay passou grande parte da série a disputar com o melhor amigo Brandon (Jason Priestley) o interesse de Kelly Taylor (Jennie Garth). E apesar de no final da série vermos Kelly a tentar reanimar a relação com Dylan, na vida real Luke Perry sempre disse que Brandon era a escolha certa. “O meu tipo era muitas coisas, mas não era estável”, disse numa entrevista a Bill Simmons.
O ator abandonou a série em 1995. Decidiu que queria sair porque tinha muitas propostas para fazer cinema. Alguns dos filmes que estão no seu currículo são “8 Seconds”, “Buffy, Caçadora de Vampiros” e “O 5.º Elemento”. Ironicamente, deixou de ter grandes papéis a partir daí. E também foi por isso que voltou três anos depois para “Beverly Hills, 90210”, onde ficou até 2000, quando a história chegou ao fim.
Desde então, nunca mais quis fazer parte de nada ligado àquele universo. Aliás, recusou-se a entrar no spinoff “902010”, que foi transmitido no canal The CW entre 2008 e 2013. E não gostava de responder a perguntas sobre a série dos anos 90 nas entrevistas que ia dando.
Quando estreou em 2015 o filme “The Unauthorized Beverly Hills, 90210 Story”, os jornalistas perguntaram ao ator num encontro da Television Critics Association o que ele pensava daquela produção. “Não penso sobre isso”, respondeu, comparando de seguida a série ao terceiro ano de escolaridade. “Vocês andaram no terceiro ano. O que é que o terceiro ano vos interessa agora? Exato. Simplesmente isso já não é relevante para o que estou a fazer agora.”
Atualmente, era mais conhecido pelo papel de pai de Archie na série “Riverdale”, que estreou em 2016. No dia em que a Fox anunciou o regresso de “Beverly Hills, 90210”, praticamente todo o elenco original estava confirmado. Perry era dos poucos que ainda não tinha assinado o contrato para participar no reboot. Mesmo que quisesse, não poderia fazê-lo devido à ligação a “Riverdale”.
O último papel em que vamos vê-lo — tirando alguns episódios de “Riverdale” — faz parte de “Once Upon a Time in Hollywood”, o filme de Quentin Tarantino que estreia a 8 de agosto em Portugal. Ainda não se conhecem detalhes sobre esta personagem chamada Scott Lancer.
Ninguém o conhecia assim tão bem
As zangas nos bastidores de “Beverly Hills, 9021” são públicas e amplamente noticiadas há muito. Luke Perry nunca era um dos protagonistas mas também não tentava integrar-se.
“O Luke era temperamental e difícil de descrever. Nunca falava muito. Não era afável. Parecia ter sempre um palito na boca, o boné a tapar-lhe a cara. Ele tinha aquele toque de James Dean, sabem?”
Foi assim que Jennie Garth o descreveu em “Deep Thoughts From a Hollywood Blonde”, biografia que editou em 2014.
A atriz só partilhou outra história com Luke Perry, que uma vez a atropelou com um jet ski. “Só para ficarmos descansados, levaram-me para o hospital com o Luke a pairar sobre mim de forma nervosa. Antes que eu conseguisse sequer despir-me e colocar uma daquelas batas que nos deixam o rabo à mostra, o Luke deixou escapar: “Atropelei-te com um jet ski. Desculpa.”
Apesar de as personagens de ambos terem namorado na série, os atores nunca colocaram essa hipótese na vida real, apesar de terem continuado amigos. Em 2012, quando os dois estavam solteiros, a atriz disse à revista “Us Weekly”: “Somos amigos muito chegados. Gosto tanto dele, namorar seria estranho.”
Aliás, da vida amorosa de Luke Perry muito pouco era público. Foi casado durante dez anos (até 2003) com Minnie Sharp, que trabalhava na indústria de móveis. Com ela teve dois filhos, Jack (nascido em 1997) e Sophie (nascida em 2000). Sabe-se que namorou também com a atriz Yasmin Bleeth (“Marés Vivas”) mas, neste momento, não tinha nenhuma relação conhecida.

Luke Perry, à direita, interpretava Dylan.
Nem ele suportava Shannen Doherty
Shannen Doherty era a atriz mais difícil de todo o grupo de adolescentes. Chegava sempre atrasada, discutia com toda a gente (especialmente com Jennie Garth) e foi despedida no final da quarta temporada porque cortou o cabelo sem avisar ninguém, deixando de fazer sentido as sequências que já tinham gravado da personagem até ali. Luke Perry era pacífico (ou quase catatónico) nos bastidores mas já nem ele aguentava a colega.
As coisas estavam a ficar tão más que Luke Perry pediu aos guionistas que diminuíssem o romance entre as personagens de Brenda e Dylan para que ele não tivesse de ter tantas cenas com Doherty, revelou o documentário “E! True Hollywood Story”, do canal E!, dedicado à série.
Ainda assim, depois de deixarem o projeto, os dois mantiveram o contacto ao longo dos anos. Quando foi diagnosticado um cancro da mama a Shannen Doherty, em 2015, Luke Perry foi um dos primeiros a manifestar-se.
“Ela passou por muito. Não está muito bem neste momento mas às vezes o contributo dela é menosprezado. […] Ensinou-me muito, fico feliz por ter sido o meu par. Era ótima naquilo que fazia quando contracenava comigo”, disse em entrevista à revista “People”.
Depois do internamento de Perry, a atriz esteve numa gala solidária em Los Angeles no sábado, 2 de março, e emocionou-se ao falar do antigo colega a um repórter do programa “Entertainment Tonight”.
“Não consigo falar disso aqui porque vou literalmente começar a chorar mas adoro-o e ele sabe que o adoro. Estou em contacto”, garantiu Shannen Doherty. Depois, os olhos começaram a encher-se de água: “É o Luke. E ele é o meu Dylan.”