Depois da antestreia na SIC, a série “PRAXX” estreou oficialmente na plataforma de streaming Opto esta sexta-feira, 9 de setembro. Trata-se de uma produção de ficção inspirada na trágica praxe universitária do Meco que culminou com a morte de seis jovens em 2013.
“Seis jovens universitários partem para São João da Cruz para celebrar a sua ascensão numa prestigiada associação académica. A diversão dá lugar ao terror quando os jovens morrem afogados em circunstâncias suspeitas. Marta, irmã de uma das vítimas, está convencida de que o acidente fatal foi resultado de uma praxe levada a cabo pelo líder da associação, e único sobrevivente, Gonçalo Vilar. A obsessão de Marta coloca-a no encalço da associação que quer a todo o custo impedi-la de chegar à verdade”, pode ler-se na sinopse oficial divulgada.
Madalena Almeida é a atriz que interpreta Marta. Aos 25 anos, tem-se destacado no teatro e em diversos projetos televisivos. Iniciou o seu percurso em novelas como “Santa Bárbara”, “Amor Maior”, “A Herdeira” ou “Alma e Coração”.
Depois esteve em destaque em séries como “Conta-me Como Foi”, “Até que a Vida nos Separe”, “A Rainha e A Bastarda” ou “Três Mulheres”. Mais recentemente, foi parte dos Jesus Quisto no fenómeno “Pôr do Sol”. Tem ainda uma participação importante em “Malviver”, o próximo filme do aclamado cineasta João Canijo, com estreia prevista para os próximos meses.
A NiT falou com Madalena Almeida sobre vários destes projetos e sobre a sua trajetória ascendente no mundo da representação. Leia a entrevista onde a atriz desvenda os seus planos para criar a própria companhia de teatro.
Quando lhe apresentaram a série, qual foi a sua primeira impressão? Suponho que já conhecesse minimamente a história.
Sim, quando nos apresentaram o texto, fiquei um bocadinho assustada por causa da dimensão da própria personagem, porque nunca tinha feito uma personagem tão distante de mim, principalmente em televisão, e que passa por tantas emoções e coisas tão diferentes. E quando li os guiões, fiquei a pensar: uau, isto vai ser um desafio grande.
Sobre o tema em si, atraía-a? Ao mesmo tempo considerava que era um grande desafio?
Achei curioso a história ser inspirada no caso do Meco. Porque, na verdade, já passou muito tempo e não existiu nenhum desenlace, mas quando li os guiões percebi que depois a história ganha contornos próprios. Ou seja: OK, é inspirada, é um tema forte e sensível, mas depois parece que as personagens ganham caminhos próprios e rapidamente passamos para a ficção. O intuito não é recriar nada do que aconteceu nem criar um laço com a realidade.
Estava a mencionar o desafio de interpretar esta personagem. Como é que descreveria a preparação para o papel?
Foi a primeira vez que senti que comecei um projeto em televisão verdadeiramente preparada, ou seja, à vontade com a minha personagem. Porque não costuma haver muito tempo para ensaiar. E, estando no teatro, estou habituada a uma preparação mais longa. Mas para esta série tivemos duas semanas intensivas de ensaios, de manhã à tarde, passávamos o dia todo juntos e foi possível experimentar uma série de coisas ao ponto de que, quando começámos a rodagem, sentia-me à vontade. Como se não fosse a primeira vez que estava a pegar nas cenas. Não bastou só lê-las, foi preciso conhecê-las, lê-las juntos, discuti-las. Foi possível improvisar muito, pensar no passado das personagens, criar coisas novas além do que estava escrito no guião. E isso foi muito bom porque senti que havia uma preparação sólida.
E diria que o principal desafio foi esse espetro vasto de emoções que a personagem acaba por atravessar?
Sim, há certas personagens que vemos em séries e filmes e que nos fazem dizer “adorava fazer isto”. Porque passam por coisas tão diferentes que nos alicia a possibilidade de as fazermos. É intenso e trabalhoso, mas foi a primeira vez que consegui em série criar um arco de personagem e explorar diferentes possibilidades. Havia uma grande abertura por parte da realização para experimentarmos e sugerirmos coisas. Nesse sentido foi uma montanha russa de emoções. A Marta é muito intensa, muito obstinada e para mim foi sair da zona de conforto e fiquei muito feliz por isso.
Já conhecia bem a história do caso do Meco? Teve de a revisitar?
Eu era bastante mais nova quando isto aconteceu. Não tinha grande noção do universo das praxes. E isso para mim foi o mais importante de conhecer. Porque, quando começámos este trabalho e ficou estabelecido que a ideia não era fazer de ninguém — e a minha personagem é completamente ficção —, quis deixar o caso do Meco de lado e focar-me no que está escrito. A nossa base é esta história que vamos contar, são estas personagens que têm estes passados e que sentem estas coisas. Quis desligar-me do caso. Porque, se não, começas a criar uma confusão na tua cabeça. Mas foi importante perceber um bocadinho melhor o universo das praxes no geral. Estudei na Escola Superior de Teatro e Cinema e a nossa praxe lá não tem nada a ver com as praxes das outras universidades [risos]. A minha personagem é anti-praxe e tem mesmo uma relação de… não quer, não vale a pena puxá-la para ali. Mas quis compreender um bocadinho o porquê de os alunos quererem fazer parte deste universo que acaba muitas vezes por juntar alunos que vêm de outras cidades e é uma oportunidade para fazerem amigos e se integrarem. Por outro lado, há situações que são muito extremas e que levam a esta ideia de “tenho que me humilhar” para conseguir fazer parte de um grupo. Isso é uma coisa de que não se fala hoje em dia. Há de facto praxes muito divertidas e que promovem que os alunos se juntem e se conheçam, mas também há praxes muito violentas. É uma coisa muito encerrada sobre si e não há um grande controlo por parte de ninguém. Nem das universidades, nem das autoridades, em certos casos. É uma coisa um bocado estranha, porque é que de repente existe uma diferença de poder tão grande e as pessoas se sujeitam a tanta coisa… Foi importante perceber essa dimensão.

Aproveitando para falar de “Pôr do Sol”, agora que a série acabou, como é que foi essa experiência para si? Sobretudo depois daqueles concertos dos Jesus Quisto no Teatro Maria Matos.
Foi muito bom. No “Pôr do Sol” já vínhamos de uma primeira temporada e é sempre giro agarrar nos textos e pensar: qual é a melhor forma de dizer estas coisas? Porque é um humor muito específico, muito facilmente deixa de ter graça… É um trabalho diferente. Pelo menos eu nunca tinha feito nada dentro deste género. E divertimo-nos bastante. Acho que a grande vantagem do “Pôr do Sol”, e o [Manuel] Pureza dizia isso numa entrevista, de facto sinto que toda a gente é mesmo feliz a fazer aquele projeto. E isso também promove um ambiente no trabalho que te permite confiar cada vez mais, estar à vontade e não querer que aquilo termine. E de facto o concerto foi quase uma extensão das personagens, porque já tínhamos acabado de rodar há algum tempo. Para mim foi tipo Beatles [risos]. Nunca tinha sentido nada assim. As pessoas estavam mesmo a vibrar. E eu pelo menos ainda não tinha tido bem essa noção, de que os Jesus Quisto significavam aquilo para tanta gente. Quando lá estávamos comentávamos isso, de que repente parece que a ficção tinha invadido a realidade. Para nós é muito surreal, eu nunca tinha tido uma experiência destas e foi mesmo muito divertido. De repente, sermos quase ícones e ver que as pessoas lidam com os Jesus Quisto como se eles fossem mesmo uma banda, é uma experiência muito diferente. Nunca estive num projeto com tanta adesão do público. E eu com medo que não ia aparecer ninguém [risos]. Temos sempre pouca esperança em relação ao público, achamos que não vão compreender… Acho que, desde que a história esteja boa e que as pessoas que a estão a contar acreditem nela, à partida podemos arriscar.
Falando do seu trabalho nos ecrãs, iniciou o seu percurso a fazer novelas. Ultimamente tem participado em mais séries e também em filmes. Tem sido uma evolução intencional? Como é que olha para o percurso que tem feito?
Acho que foi acontecendo naturalmente. Ou seja, a determinada altura surgiram muitas oportunidades em séries e cinema. Isso fez com que eu, de repente, ficasse mais tempo a trabalhar nesses formatos e um bocadinho mais afastada das novelas e da SIC e TVI. Mas não foi uma coisa de “vou parar”. Até porque já tinha algumas coisas em vista a longo prazo. Fiz uma participação no “Amor Amor”, que foi a última vez que trabalhei em novela. Logo a seguir já sabia que ia partir para o filme do João Canijo, que foram quatro meses. Sabia que ia estar distante. Muitas vezes é possível conciliar trabalhos. Normalmente faço novela e teatro, ou séries e teatro, e eu já sabia que durante aqueles quatro meses isso não seria possível. E quando estava no norte surgiu a possibilidade de fazer o “Pôr do Sol” e “A Rainha e a Bastarda”. Logo a seguir surgiu “As Três Mulheres”. As coisas foram-se contaminando. Fui fazendo umas curtas-metragens e de repente… não foi uma escolha. Mas tendo a possibilidade de fazer coisas novas, vou optar por isso. Mantendo sempre o teatro, que é uma coisa que para mim é muito importante. Mas sinto que não há uma espécie de plano. Se agora surgir uma novela ou fizer sentido para mim, voltarei a fazer sem nenhum problema. Acho que essa também é a vantagem de trabalhar como ator e gosto de estar em todos os formatos. As novelas têm determinadas características, as séries têm outras — normalmente permitem-te criar mais e trabalhar de uma forma mais livre as tuas personagens porque é uma coisa que está encerrada, não é? Quando começas a rodar já tens os episódios todos, consegues definir uma linha, estudar melhor o que vais fazer. A novela, por ter muitos episódios, faz com que tenhas de ter um trabalho de ir indo ao sabor da maré e não consegues, à partida, determinar grande coisa. Mas também acaba por ser um desafio, é quase um improviso constante.
Estava a mencionar o “Malviver”, filme do João Canijo que há-de estrear em breve. Como foi participar nesse projeto?
Foi uma experiência muito enriquecedora. Já andávamos a trabalhar neste filme há algum tempo, com ensaios. Entretanto, em março de 2020 começámos a ter ensaios todos os dias para rever o guião e tivemos de parar por causa da pandemia. Voltámos em junho e lá arrancámos com a rodagem em janeiro de 2021, sendo que em dezembro tínhamos ido para o norte para começar a ensaiar. Para mim foram quatro meses lá em cima. Viemos passar o Natal e a Passagem de Ano, mas nunca tinha estado neste registo de estar tanto tempo longe de casa só a fazer uma coisa. Não havia possibilidade de ir fazer dobragens nem teatro… Foi bom porque às vezes acaba por ser uma azáfama e nós, enquanto atores, temos que aproveitar as oportunidades que aparecem. E foi a primeira vez em que estive envolvida num trabalho tão extenso. Começou em 2019, passou para 2020, 2021… Isso permitiu olhar para as coisas com distância. De repente tens ensaios, paras, depois voltas… Também traz coisas boas porque faz com que saias daquele ambiente fechado e depois trazes novas ideias. Até porque o trabalho de revisão do argumento foi das coisas que mais me fizeram aprender na vida. O João dá uma grande liberdade e obriga os atores a estarem implicados. Não é só executar, tens de refletir muito sobre as coisas e tomar decisões. Isso fez-me crescer muito. No norte foi um ritmo completamente diferente. Nas novelas gravas 20 ou 30 cenas por dia, mas ali às vezes gravávamos apenas um ou dois planos por dia. Foi giro ter esse contraste gigante. Estou curiosa, quero que as pessoas vejam o filme.
Como disse há pouco, nunca dá para fazer exatamente um plano porque as oportunidades vão surgindo, mas qual é que diria que é a sua maior ambição para os próximos tempos? Ou as coisas que gostaria mesmo de concretizar.
Acho que os últimos tempos têm-me feito pensar que quero estar implicada na parte da criação. E temos sempre um complexo de que somos sempre muito jovens, não é? “Não estou preparada, não estou preparada”. E acho que na verdade é preciso é começar. Ninguém espera que os teus primeiros projetos sejam brilhantes. Claro que há génios e pessoas que são tão talentosas que já nasceram com essa vocação, mas quero muito ter a minha companhia de teatro e estar envolvida na parte da criação e encenação. Neste momento já não consigo desligar uma coisa da outra. Claro que existe um encenador que dirige ou estabelece um conceito, mas enquanto atriz tenho sempre o intuito de levar coisas, fazer propostas. E acho que isso também é um sinal de que se calhar posso começar a aventurar-me e ter a coragem de me lançar. Queria criar uma companhia com pessoas que me são próximas. Acho que todos os atores têm o desejo de experimentar o mercado internacional e fazer uma grande produção, e claro que isso existe. Mas não sinto que esteja a encaminhar a minha vida toda para isso, até porque fazemos o que é possível e agarramo-nos às oportunidades que aparecem. Mas também há muita coisa cá que está por fazer. Por exemplo, sinto que o “Pôr do Sol” mostrou um bocadinho isso às pessoas, que é possível fazer formatos diferentes, coisas que as pessoas não estão habituadas a ver e não é preciso ser só aquilo. Há muita coisa que pode ser feita e esses formatos podem chegar a Portugal. Gostava de fazer as minhas peças, os meus espetáculos.
Já começou a dar passos concretos nesse sentido? Ou é ainda mais uma ideia?
Agora ainda estamos no processo de pensar e estruturar uma companhia e perceber todas as burocracias. Mas, sim, já tenho alguns temas de que gostava de trabalhar. Resta perceber se arrancamos já com criações de raiz ou se fazemos um levantamento de textos à volta destes temas e a partir daí criamos qualquer coisa, nem que seja adaptando. Mas neste momento isso é o mais importante, perceber sobre o que é que se quer falar, porque também é importante as criações terem um objetivo: o que quero dizer com isto? E pode não ser a pólvora nem nada super profundo. Pode ser só: vou fazer uma telenovela que brinca com o universo das telenovelas. OK, isso também é querer dizer qualquer coisa às pessoas. É importante que as pessoas se riam. Temos sempre vergonha de fazer coisas que possam parecer descabidas ou que não são tão importantes como outras coisas que precisam de ser ditas e faladas. Tal como neste universo das praxes, em que acho importante alertar para a parte violenta, porque ela existe. Mas também é importante fazer as pessoas rir. E quanto mais oferta existir, mais o público se vai ligar cada vez mais ao mundo artístico e pode ser que daqui a uns tempos haja mais pessoas a ir ao teatro, a ver coisas que se produzem cá. Nesse sentido, a RTP tem tido um grande impacto em apostar em séries e é desejar que o público crie esse hábito de ver coisas portuguesas e que isso se expanda por todos os formatos. Seja cinema, séries ou espetáculos portugueses.
É um bom momento para se ser ator em Portugal, tendo em conta esse panorama?
Não [risos]. Sinto que, neste momento, ser ator em Portugal é uma coisa muitas vezes para privilegiados. Estamos numa zona meio que pantanosa. Quem já está cá dentro sente que tem de segurar as pontas todas, porque há um receio muito grande de perderes e não teres nada a que te agarrar e ficares: como é que agora oriento a minha vida? Não é uma coisa glamorosa. Trabalhar no meio artístico traz muitas coisas boas à nossa vida e muitas vezes faz-nos lidar com emoções e histórias que as pessoas nos seus empregos muitas vezes não lidam. Porque ser ator promove a coisa de trabalhar com o outro, e há vários empregos em que estás no teu canto, desempenhas a tua função e vais à tua vida. Não acredito que isso seja possível enquanto ator. É uma coisa que se faz em conjunto. E neste momento às vezes há uma confusão sobre qual é o lugar do ator. E sinto que é um mercado muito fechado para novas gerações. Há uma série de atores que estão nas escolas, ou que querem trabalhar e estão dispostos a aprender, e que não veem nem portas nem janelas abertas. Acho que está cada vez mais fechado. É pena porque temos visto no mercado internacional tantas pessoas novas a surgir e tão bons atores. Eu sou um bocadinho naba, mas lembro-me de na quarentena ver “A Guerra dos Tronos” super atrasada e ficar fascinada com a quantidade de atores novos que aparecem ali e que são verdadeiramente bons. Acho que isso existe em Portugal. É preciso investir e arriscar, sejam atores mais velhos ou mais novos. Há muita gente à procura de oportunidades e tem existido alguma confusão sobre o que é que um ator faz.
Que confusão é essa?
Não se encerra só sobre uma coisa, obviamente, e as pessoas são todas diferentes, mas acho que tem que acabar esta ideia de existir uma espécie de pró-forma, de que tens de preencher requisitos… Tens, de facto, mas acho que desses requisitos não pode fazer parte teres não sei quantos mil seguidores no Instagram, seres quase uma celebridade… Acho que isso não é uma função do ator. E por causa disso tem-se fechado os olhos a muitas pessoas talentosas que estão aí a tentar um lugar no meio e estão dispostas a trabalhar para isso. Talvez também venha daí a minha vontade de começar a criar coisas por mim e juntar pessoas diferentes. Existe uma confusão até de valores e é possível contornar isso, quero acreditar que há espaço para todos. Portanto, não sei se é uma boa altura para se ser ator em Portugal. Acho que estão a surgir coisas muito boas, que finalmente o mercado está a abrir e a existir coisas diferentes, com realizadores com vontade de fazer coisas novas. Mas o formato é um bocadinho pantanoso e estranho e é preciso ou ter uma grande sorte e entrares no circuito, como eu, em que um trabalho levou ao outro, porque se não fica muito difícil. Há muita coisa que se põe à frente, neste momento, do trabalho de ator. Acho que não é uma fase fácil, mas estão a surgir cada vez mais coisas novas.