Televisão

Mafalda Creative: “Não gosto que me chamem influencer”

A NiT entrevistou a criadora de conteúdos que é youtuber há 10 anos, tem um espetáculo ao vivo e já lançou um livro.
Mafalda Creative tem 23 anos.

Mafalda Creative começou a gravar vídeos para o YouTube em 2013. Na altura, tinha 13 anos. Uma década depois, é uma das criadoras de conteúdos digitais mais populares em Portugal. O seu canal é seguido por mais de 500 mil pessoas, sobretudo jovens.

O seu projeto não existe apenas no YouTube e nas redes sociais. Mafalda Creative tem um espetáculo, “Rainha da Net Ao Vivo”, que estreou o ano passado e que combina comédia com alguma música — embora deixe o seu lado teatral para os vídeos, onde faz sketches inspirados na sua vida e família.

Depois de sessões esgotadas em Lisboa e no Porto, este ano Mafalda Creative ruma a Leiria, Beja, Santa Maria da Feira, Braga, Santarém e Albufeira, entre outras datas que entretanto serão anunciadas. A primeira performance, em Leiria, acontece já a 28 de janeiro. Mafalda Creative também tem um livro, “Uma Adolescente à Beira de Um Ataque de Nervos”. Leia a entrevista da NiT com a criadora de conteúdos.

Quando nasceu o espetáculo “Rainha da Net Ao Vivo”?
Se me tivesses perguntado há dois anos, nunca na vida diria que iria fazer um espetáculo ao vivo [risos]. Não era possível, porque… Faço vídeos há 10 anos, sabia o que era falar para uma câmara, mas estar mesmo a ver as pessoas reais era um bocado estranho para mim. Então estava confusa, não sabia bem o que andava a fazer. Ao mesmo tempo, sentia que precisava de me aproximar das pessoas que me seguiam. Claro que é bom ver os comentários e os nomes das pessoas lá, mas não é a mesma coisa do que ver as pessoas ao vivo. Para aí em 2021, comecei a pensar… o meu namorado também me ajudou porque ele é dos Átoa. E pensei: se tiver ajuda de alguém que perceba mesmo da parte burocrática e de produção, se calhar consigo. Eles e o meu manager ajudaram-me muito e em 2022 conseguimos fazer os primeiros espetáculos. Poderia ter demorado mais tempo, até foi rápido. Demorei três anos a escrever um livro, por isso isto para mim foi bom [risos].

Foi difícil transitar do ecrã para os palcos? A forma como se apresenta o conteúdo é muito diferente.
Sim, as pessoas nos espetáculos ficaram surpreendidas porque não fazia tanto teatro — porque nos meus vídeos faço sketches. Nos espetáculos são 50 minutos de stand-up e o resto é música e etc. Claro que no próprio stand-up tento fazer aquele acting para contar a história, mas não ponho perucas, como faço nos vídeos, em que me visto da avó, da mãe ou do pai. Aqui vimos essa possibilidade, mas eu estar a mudar de roupa e voltar, tendo em conta que estou a fazer de toda a gente, era um bocado estranho fazer essa interação comigo própria. Se fizesse uma coisa mais teatral ia ficar mais infantil, assim está mais próximo dos jovens adultos e os pais dos jovens também percebem tudo o que digo. Também se riem das histórias da minha infância e, quando falo da escola e das férias com a minha família, toda a gente se identifica. 

O seu projeto de entretenimento acaba por ter uma vertente de comédia, mas também de representação, e existem os vídeos em que fala para a câmara…
Sim, até foi fácil juntar tudo. No início achava que ia ser muito difícil. Como é que vou fazer isto?! O que estou eu a fazer da minha vida?! Mas, depois, correu tudo bem e as pessoas adoraram o espetáculo.

No meio disto tudo, como se descreve? Uma criativa que explora várias vertentes?
Sim, é isso. Quando me perguntam… Não gosto que me chamem influencer. Porque sinto que é muito limitador. Sinto que pensam naquelas pessoas que fazem muitos giveaways no Instagram e metem fotos de biquínis. Não me identifico, então, não gosto muito. De resto, podem chamar-me tudo o que quiserem. 

Estava a falar da relutância que tinha em passar para o palco, porque é muito diferente de gravar um vídeo em casa. Nas primeiras vezes, como se sentiu?
Antes do espetáculo fiquei muito nervosa, com diarreia, o stress, o “não sei se vou conseguir”… Depois, logo no primeiro espetáculo estava a minha família. A pressão é maior. Preferia fazer só para pessoas que não conhecia do que ter logo a minha avó na primeira fila a chorar. Eu tipo: “‘vó, eu sou a desonra da família ou não? Isto é um trabalho a sério para si?” Eu estava louca [risos]. Durante os primeiros cinco minutos senti o nervosismo de estar a olhar para a minha família na primeira fila. A partir daí, sinceramente não me lembro de nada. Só me lembro de as pessoas estarem a rir e, para mim, já é bom. Deixei-me ir, disse o que tinha a dizer e depois no final há sempre um meet and greet que é fixe para conhecer mesmo as pessoas. Fico lá até para aí às três da manhã a tirar fotos, a dar autógrafos, o que elas quiserem. E tive pais a dizerem [imita sotaque de pai de meia-idade]: “Isto foi inacreditável, não estava nada à espera. No outro dia fomos ao Lucas Netto e aquilo é uma palhaçada comparado consigo, isto foi fantástico” [risos]. Os pais gostaram, as crianças gostaram, os adolescentes gostaram, estava tudo a rir, é o que importa.

Gosta desse contacto direto com o público?
Gosto imenso. Principalmente porque sinto que tive tanto tempo a esconder o espetáculo que finalmente quando o apresentei queria mesmo saber a opinião sincera das pessoas que me conheciam dos vídeos.

Tem referências de várias áreas, do humor à representação, ou vem tudo muito da sua própria vida?
Pois, a inspiração… O meu pai pode contar como inspiração, não pode? É que são as pessoas que conheço, que conheci na escola, na faculdade, é um bocado o que vivo no dia a dia. Vou escrevendo sobre as coisas que me vão acontecendo. É fixe porque as pessoas dizem que se identificam, por isso sinto que não sou a única a que acontecem as coisas.

Este ano celebra o 10.º aniversário a fazer vídeos. Já lançou um livro e outros projetos em torna da sua marca pessoal. O que é que tem planeado para os próximos tempos?
O que me acontece, às vezes, é que quando consigo um objetivo penso logo no próximo. O que é que é para fazer a seguir? Sinceramente, acho que, como youtuber e criadora de conteúdos, só me falta mesmo pintar o cabelo [risos]. Não, estou a gozar. Mas não é? Eles pintam sempre todos, também tenho de pintar que ando há 10 anos com o mesmo cabelo. Mas uma coisa em que já pensei, obviamente, foi a transição para a rádio e para a televisão.

Gostava de ir por aí, por essa via mais tradicional?
É assim, já houve propostas, não vou mentir. Vou escolher a melhor, obviamente. Quero mesmo identificar-me, sentir que estou a trazer alguma coisa nova e não é só mais uma da Internet que foi para a televisão ou para a rádio. 

O que a motiva a experimentar esses meios? Suponho que não precise propriamente de o fazer.
Não sei, só a experimentar é que vou saber, não é? Acho que é trazer aquela transversalidade… Claro que muitos adolescentes e crianças me conhecem, mas se for para a televisão é aquela cena dos avós, “ela conseguiu, tem um emprego a sério!”. Acho que ainda há muito isso, do tradicional. Por exemplo, sei que era uma coisa importante para a minha família. E para mim também, apesar de, vou ser sincera, já não ver muita televisão. Talvez a Netflix conte? Mas sinto que podia trazer alguma coisa nova e levar aqueles jovens que eles querem que vejam televisão…

Começou muito nova a fazer vídeos e hoje é o seu trabalho. Ante disso, imaginava o queria fazer da vida?
Não me recordo bem do que é que queria, porque tinha 12 anos… Lembro-me de querer ser professora ou estilista, mas não ia ter futuro em nenhum dos dois. Mas lembro-me de que, quando comecei, pensei: será que um dia vai ser possível eu só fazer isto? Naquela altura ainda ninguém fazia só isto. Então pensei: se isto for o meu hobbie, depois tenho um emprego “a sério” e posso viver assim a minha vida. E, quando saí da faculdade, pensei: não, estou farta de estudar, quero é “só” fazer vídeos. E depois não foram só vídeos. Foi o livro, foi o espetáculo, o que é que vem a seguir? Alguém que me pare!

O que estudou?
Comunicação Social na Católica.

Que tem alguns pontos em comum com esta área.
Sim, mas sinto, sinceramente, que não há nada que tenha aprendido que use agora. Só as pessoas e professores que conheci. E claro que me dão histórias para os vídeos. Mas assim de matéria e técnicas… Aprendi tudo sozinha, na verdade.

Para alguém que cria os conteúdos com base nos seus episódios de vida, alguma vez sente que lhe falta material para criar histórias e que precisa de ir viver um bocado para recolher esse tipo de material?
Pois, acho que está a chegar a essa fase, já passaram 10 anos, estou naquela rotina há muito tempo e… estás a ver aquelas pessoas que fazem uma viagem de um mês a Bali? Se calhar devia fazer isso, não sei. Mas até agora tem resultado. Vamos ver como é que é daqui para a frente. Se me faltarem ideias tenho de ir à procura de inspiração.

Quando é que a sua família começou a levar a sério os vídeos, em vez de olhar para eles como um mero hobbie de uma adolescente?
Sinceramente, foi quando começou a dar dinheiro [risos]. As coisas são assim. Começaram a ver dinheiro a entrar e pensaram: calma, ela está a fazer umas fotozitas e uns vídeos e está a receber isto? “Continua, por favor, que traga dinheiro cá para casa, paga alguma coisa” [risos]. Isto foi o meu pai. Estou a gozar [risos]. Mas sim, obviamente que foi quando viram que não era só um hobbie. Porque, quando começa a dar dinheiro, temos de pensar: isto é só um hobbie? O que é que se está a passar? Posso viver disto? 

E hoje já percebem que é o seu trabalho?
Sim. Só que a minha rotina é um bocado diferente dos trabalhos normais, não é? Porque, basicamente, não tenho rotina. Um dia acordo e vou gravar uma coisa, depois edito um vídeo até às três da manhã, no outro dia vem-me uma coisa que tenho de treinar para o espetáculo, depois vem uma coisa de uma marca… E é muito irregular. Às vezes sinto que o meu pai, por exemplo, não percebe bem isso. Porque é que ela se deita às três da manhã, mas acorda às sete, e depois há outros dias em que acorda às 11 e deita-se às 4? Isso ainda é um bocado estranho para o meu pai. Porque não é um emprego normal, não é aquele das nove às seis… Aliás, aos fins de semana é quando até trabalho mais. Porque são os dias em que publico os vídeos, os dias dos espetáculos. 

Sente-se incompreendida ou até desvalorizada por algumas pessoas de gerações mais velhas? Não por causa do seu caso específico, falo do trabalho enquanto criadora de conteúdos digitais.
Quando comecei era muito mais desvalorizado. Em 2013, o que é que era isto? Agora, eu, pelo menos, estou bem. A minha família já me valoriza, sobretudo desde que comecei a fazer os espetáculos, mas das outras gerações não tenho bem ideia… Se calhar ainda falta algum tempo para toda a gente perceber o que é isto, mas estamos num bom caminho. Já estivemos pior. 

É possível, hoje em dia, construir-se uma carreira sustentável na criação de conteúdos.
Sim, é muito possível. Se tiveres a estratégia certa. E, às vezes, as pessoas querem fazer muita coisa muito depressa, mas a longo prazo acho que isso não resulta. Quando nos esgotamos, quando a nossa imagem se esgota… Quanto mais rápido cresces, maior é a queda. Portanto, vamos devagarinho, passo a passo, fazendo as nossas coisinhas. 

Suponho que algumas pessoas de vez em quando lhe peçam conselhos, para quem está a começar. O que é que costuma responder-lhes?
É aquele cliché: sê tu próprio. Se as pessoas gostarem da tua personalidade, vão gostar de ti. E é aquilo que estou a dizer: quem tenta assim muito rápido, quem tenta fingir alguma coisa, em algum vídeo vamos notar como é que a pessoa é. Então é serem fiéis a eles próprios, fazerem coisas originais porque às vezes as pessoas fazem conteúdos muito parecidos, e serem criativos. E às vezes é um bocado fácil perdermo-nos neste mundo. Quando começam a vir as marcas, o dinheiro, reconhecem-nos na rua… há pessoas que se perdem um bocado no caminho. Acho que, se tivermos aquele apoio e aquela base familiar… Sei lá, as minhas amigas conhecem-me desde os quatro anos. É importante às vezes irmos para o mundo real, onde tens a família e os amigos. Eles é que na verdade gostam mesmo de mim porque me conhecem mesmo. Apesar de sentir que os meus seguidores também me conhecem porque partilho muita coisa [risos].

Debate-se com isso? Sobre aquilo que deve partilhar ou não?
Uma vantagem é que, como faço todas as personagens, nunca tive de mostrar a minha família. Faço de pai, de avó, faço de toda a gente. Isso é fixe porque os meus pais também não gostavam muito que eu andasse a mostrar. De resto, como são sketches… Escrevo um guião e estou a ali a retratar, mas não ando a filmar o meu dia a dia, não faço a cena do daily vlog. Mas, mesmo assim, consigo mostrar a partir do sketch como é que é a minha vida. E as pessoas identificam-se e sentem que me conhecem. 

Suponho que a reconheçam frequentemente na rua, sobretudo os mais jovens. Já está habituada?
Não [risos], é um bocado estranho. Quando foi a pandemia, estivemos todos muito tempo em casa. Não tive noção, depois quando voltei, de que estava muito mais gente a reconhecer-me. Foi estranho. Se calhar as pessoas estão mais corajosas, já não têm tanta vergonha. Mas sinto que, antes da pandemia, era um bocado mas não era tanto. Se for agora a um centro comercial, sei que provavelmente me vão reconhecer… Normalmente arranjo-me para não ir acabadíssima. Mas ainda é estranho para mim quando alguém me reconhece. Fico: será que está a olhar para mim porque tenho um macaco gigante no nariz? Ou alguma coisa no dente? Depois vêm dizer que gostam dos meus vídeos e fico muito contente. Mas ao mesmo tempo tem uma coisa estranha: ela conhece-me, mas eu não sei nada sobre a pessoa. “Senhor de 50 anos que me está a falar na rua, vai-me raptar?” Não sei bem.

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