Maria João Abreu morreu esta quinta-feira, 13 de maio, vítima de um aneurisma. A atriz, de 57 anos, sentiu-se mal no passado dia 30 de abril, numa sessão de gravações e terá mesmo chegado a desmaiar. Já no hospital, foi diagnosticado um aneurisma cerebral. A notícia da morte chegou ao início da tarde desta quinta-feira, mas a atriz será sempre recordada com carinho por todos os colegas, amigos e pelo público.
Em 1998, não havia mil e um canais, reality shows, YouTube. A família sentava-se no sofá depois do jantar e via o que estivesse a dar nos quatro canais generalistas. Nesse ano, uma série captou a atenção de mais telespectadores do que qualquer outra. Entre as personagens sobressaiu uma mulher de pronúncia nortenha, língua afiada e voz doce que trauteava um “Ó troilaré, ó troilará”.
A atriz tinha 33 anos e assumia finalmente um papel de destaque na televisão, onde nos anos anteriores havia saltitado de comédia em comédia, de “Nico d’Obra” ao “Big Show SIC”, de “Os Malucos do Riso” a “Camilo e Filho”. Duas décadas depois, não há quem não a reconheça e tornou-se uma das figuras mais queridas da televisão e do teatro.
Há mais de vinte anos, numa televisão sem uma avalanche de conteúdos, os programas de prime time tinham a capacidade de criar momentos e personagens transversais que todos reconheciam. Foi o caso de Lucinda, a empregada da família Melo que colocou meio País a cantar “Ó troilaré, ó troilará, vieste p’ra mim, vieste p’ra cá”.
Esse foi, aliás, o nome do espetáculo de revista que criou com o então marido José Raposo — viveram juntos durante 23 anos e divorciaram-se em 2008 —, com quem fundou, nessa altura, a produtora Toca dos Raposos. A revista era também uma das suas paixões. Foi no Teatro Maria Matos que se lançou no palco, ainda nos anos 80. Durante quase três décadas, apesar de se ter tornado numa das atrizes mais requisitada da televisão, nunca deixou o teatro ou a revista.
Protagonizou “Sonho de uma Noite de Verão”, em 2019, no Tivoli, mas cinco anos antes ainda tentava fazer rir a plateia em “Portugal à Gargalhada”, um espetáculo que revisitou a revista à portuguesa.
Apesar das muitas alegrias, o teatro deu também alguns dissabores. Revelou-o em entrevista em 2019, na qual afirmou ter sido vítima de abusos. “Sofri de bullying no teatro, ao ponto de ir parar ao hospital. Foi grave, muito grave. Tive muitos pesadelos”, explicou sobre a situação que acabou por levá-la ao hospital com um ataque de ansiedade.
Foram poucos, porém, os trabalhos que deram tanto nas vistas quanto a série de 1998 que contava a história de um médico viúvo que comandava uma família numerosa. Três filhos — protagonizados por Sara Norte, Francisco Garcia e Karina Queiroz — e o pai e avô Zé (Henrique Mendes). Lucinda era o quinto elemento, quase sempre presente.
O sucesso foi de tal forma grande que “Médico de Família” — uma história comovente que foi adaptada de uma série espanhola com o mesmo nome — teve direito a três temporadas, mais de 100 episódios espalhados por dois anos de emissão e um elenco que foi crescendo e que contou com nomes como Ricardo Carriço, Rita Blanco e São José Lapa.
Na casa sem mãe, Lucinda era, de certa forma, a figura maternal da casa. Um reforço familiar que espelhava a forte ligação de Maria João Abreu com a família. Disse-o em 2013, no “Quem é Que Tu Pensas Que És”, da RTP.
“A família é o grande pilar da minha vida.” Uma família de origens humildes que “tudo o que tem foi à custa do trabalho.” Como muitos portugueses oriundos de outras zonas do país, os pais chegaram à capital para trabalhar. O pai vindo de Braga, a mãe de Torres Novas.
“A vida não foi fácil no início. A minha mãe e o meu pai trabalharam imenso para nos dar educação e conforto. Aprendi com a minha mãe esses princípios de lutar, lutar, lutar e nunca desistir.”
Acabou por encontrar o sucesso como atriz, apesar da infância dura. “Lembro-me de estarmos à procura de tostões nas gavetas para irmos comprar um quilo de arroz para o jantar. Tinha sete, oito anos”, recordou na entrevista a Daniel Oliveira.
“A minha mãe é uma força da natureza. Trabalhava muito. Eu ia arranjando as coisas. Aos oito anos fiz o meu primeiro arroz de tomate. Sempre fui uma criança muito madura. Não sabia brincar. Tinha pânico de falhar e tinha uma grande necessidade de sentir amor”, explicava a atriz que tem, ela própria, dois filhos.
Em novembro de 2020, uma má notícia. Morria o pai, com 78 anos, de Covid-19. Nas redes sociais, deixou uma mensagem: “Pai, sempre disseste que a vida era uma fantasia e não podia ser levada a sério. Mas a tua partida deixa um vazio enorme no meu coração. Sempre foste distinguido pela tua bondade e generosidade. E assim perdurará a tua memória. Amo-te muito.”