Mimicat é autora de “Ai Coração”, a música que concorreu e ganhou o Festival da Canção, a cantora participou no concurso da RTP1 depois de se ter candidatado por livre submissão. Curiosamente, o segundo tema da lista dos mais vistos na plataforma de vídeo — “A Festa”, de Edmundo Inácio — também chegou ao Festival da Canção por esta mesma via e ficou em segundo lugar. Ambas as canções arrecadaram 66 pontos — mas “Ai Coração” foi a favorita do público, a quem coube fazer o desempate.
Marisa Mena, artista natural de Coimbra com 33 anos, apresenta-se com o nome artístico Mimicat. Conta com dois álbuns no currículo,“For You” (2014) e “Back in Town” (2017), e no ano passado esteve a preparar mais um disco. Foi entre as sessões de estúdio que, meio por acaso ou por aquilo que parece um golpe do destino, se candidatou ao Festival da Canção com uma música que estava na gaveta há vários anos e que esteve para ir para outros artistas.
A NiT falou com Mimicat ao telefone a meados de fevereiro — ou seja, um mês antes da final que a consagrou a representante portuguesa que irá à próxima Eurovisão. Na altura, a cantora abordou o fenómeno que estava a gerar-se em torno de “Ai Coração”. Leia a entrevista.
“Ai Coração liderou as visualizações no YouTube das músicas que concorreram ao Festival da Canção este ano. Certamente que tem recebido inúmeras reações, tanto do público português como do internacional, que acompanha a Eurovisão. Como é que tem sido para si?
Agora já está um pouco mais calmo. Ao início foi avassalador. Quando as reações começaram a aparecer e vi os comentários das pessoas, recebia imensas mensagens, montes de gente a vir falar-me sobre a música… Não estava muito habituada a ter essa atenção quando lançava alguma coisa, então foi overwhelming.
Não estava à espera?
De todo. Aliás, nem sequer tinha noção de que o Festival da Canção tinha esta massa gigante de seguidores e que a Eurovisão era uma cena. Até porque são mesmo fanáticos. É uma grupeta que se junta e sabem tudo sobre as canções todas, sabem os anos, o sistema de votos, os países, e que canções é que os outros países levam… E sabem o que é preciso cá para depois vencer lá. É surreal. Eu nem tinha noção de que isso era uma coisa. Não estava nada à espera disto, da reação calorosa. Nem sequer sabia que havia tanta gente a ir ver as canções lá. Eles avisaram-nos, a malta do festival disse-nos logo, mas não acreditei [risos]. Não tenho uma base de fãs muito grande, sou uma artista de nicho, e isto foi a primeira vez que a malta se manifestou mais em massa. E foi incrível. A reação não poderia ter sido melhor. A minha missão ao fazer aquela música está cumprida. Se não for mais longe, já fico muito feliz com aquilo que aconteceu até agora.
Qual é a história desta canção? Foi feita a pensar no festival?
Fiz esta canção para aí há 10 anos, sentada no chão de uma casa, mega aborrecida, à espera de uma pessoa. Comecei a olhar para o teto, a casa estava vazia e saiu-me tudo ali em cinco minutos, exceto a bridge… E nunca fiz nada com ela porque achava que não era para mim. Quando a fiz, o primeiro nome que tinha na cabeça era a Ana Bacalhau. Depois a Gisela João. Depois achei que ia dar a alguma fadista qualquer, que não era para mim, mas nunca dei…
Ficou sempre guardada, na gaveta?
Sempre, até há uns quatro anos, quando comecei a cantar em português. Tentei dar-lhe uma hipótese. Pensei: se calhar agora já começa a fazer sentido. Porque não sabia como é que a havia de fazer minha. Não sabia como é que a tornaria numa canção da Mimicat. E há quatro anos comecei a tentar. Fiz uma demo com o Twins, que foi com quem acabei de a produzir agora. Foi uma demo de que eu não gostava nada mas foi a que mandei para o festival [risos]. Este ano, recebi um mail a dizer que estava a acabar o prazo das submissões, e pensei “que se lixe, vou mandar”. Mas esqueci-me que tinha mandado! Porque estava a acabar o disco e não estava com a cabeça naquilo.
Por isso, depois, foi uma surpresa?
Sim, quando me ligaram nem estava bem a ver quem é que era. Fiquei “uau!”, fiquei um bocado em choque, mas foi um choque bom [risos]. Esperei este tempo todo…
Se calhar estava destinado.
Sim, na minha cabeça sempre fez sentido para o festival. Só que achava que não era eu que a ia cantar! Houve uma altura em que convidei a Luísa Sobral, a Ana Bacalhau e ia falar com a Capicua. Mas para isso precisava de ter uma demo da música. Só que como não gostava da que tinha, não lhes mandei nada, disse que já não ia fazer a canção, “esqueçam” [risos]. Ia guardar para outro projeto qualquer. E pensei em enviar para o festival, mas não disse nada a ninguém! Nem ao produtor, ninguém. Nem o meu marido sabia. E agora acabei-a quando me disseram que ia para o festival. Tive um mês para acabar a canção e mudámos ali os arranjos.
Mas a dificuldade que encontrou era descobrir a forma certa para apresentar esta canção, era isso? Com os arranjos certos?
Sim, porque a música em si punhas nas mãos da Ana Bacalhau ou de uma fadista… Isto era um fado corridinho, uma espécie de marcha meio fado, um faduncho. Só que eu não faço faduncho, então não queria. Mas ao mesmo tempo queria fazer uma homenagem às grandes vozes do festival e trazer aquela vibe do festival de antigamente, sem perder a cena frenética que a canção tinha. Mas também queria que fosse um bocado old school, porque é aquilo que tenho feito. Tinha que ser um mix destas coisas todas, tinha de ser Mimicat. Esse era o grande desafio — e lá conseguimos, acho eu. Eu dizia que as pessoas tinham que acabar cansadas quando ouvissem a música [risos]. Foi um processo criativo super interessante. Foi a primeira música em que fiquei feliz a 100 por cento depois de ela estar acabada. Nunca me tinha acontecido.
Agora está em preparações e ensaios. Como está a correr? Suponho que esteja expectante.
Estava a correr muito bem até agora [risos]. Estava a fazer imenso exercício, a treinar a resistência cardiorrespiratória que tenho de ter para cantar e dançar ao mesmo tempo… Estou super ansiosa para poder apresentar a música ao vivo. Vou trabalhar com duas bailarinas em palco e elas são incríveis. Temos uma boa coreografia. Estou muito curiosa para ver como vai ser a reação das pessoas e estava super entusiasmada com os ensaios, que agora tive de interromper. Mas nos próximos dias já consigo retomar e temos os ensaios gerais na RTP, portanto vamos esperar que corra tudo bem.
Está com expetativas ou nem por isso?
Acho que é impossível não ter expetativas com o falatório que anda para aí, mas estou a tentar controlá-las. Isto também é a semifinal, passam seis pessoas… Se me perguntares se eu acho se passo, sim. Espero que as pessoas votem. Mas estou com expetativas, essencialmente de ver a reação das pessoas à atuação.
Como é que olha para esta edição do festival? Há uma grande diversidade, sente que é particularmente desafiante?
Claramente. Já houve anos em que era menos desafiante [risos], se calhar devia ter ido… Não, mas isso é bom, porque dá mais pica. Costumo dizer que a qualidade dos colegas, se fores inteligente, ajuda a elevar-te. No meu caso é isso que sinto. Acho que o facto de os colegas serem todos tão bons ajuda-me a querer fazer um bom trabalho, porque sei que a fasquia vai estar alta e acho que toda a gente vai querer fazer uma boa apresentação e a maior parte das pessoas vai fazer uma atuação incrível, de certeza. Isso só me deixa com mais vontade de fazer um bom trabalho.
Tem canções favoritas de outros músicos que queira revelar?
Sim, tenho. Sou quase obcecada pela Cláudia Pascoal [risos]. Não por ela, mas pelas músicas dela. Adoro a miúda, acho que é incrível. E adoro a música dela, o videoclip também está incrível. Gosto muito da do Ivandro. A do Edmundo também, e estou muito curiosa para saber como é que ele a vai apresentar. São as minhas favoritas.
Estava a dizer há pouco que não tinha noção de que havia esta quantidade tão grande de pessoas que vivem o Festival da Canção e a Eurovisão tão intensamente. Como é que tem sido a sua relação com estes concursos ao longo dos anos?
Sou uma nódoa com concursos. Não vejo televisão quase nenhuma. Então normalmente vejo depois as atuações. Não sou uma fãzérrima… Cresci com o festival, com grandes nomes como a Dulce Pontes, a Sara Tavares, a Anabela… Sempre foi um marco importante até à altura em que o festival “morreu”, devia ter eu uns 13 ou 14 anos e aí deixou de ter importância. Agora, com a história do Salvador e esta equipa que está com o festival, eles reavivaram-no. E desde aí tenho estado mais atenta. Sempre quis muito participar. Mesmo na altura em que o festival não valia nada. Mas nunca me esforcei, nunca submeti nada, nunca tentei. Por isso estou super feliz por poder participar agora, ainda por cima quando volta a ser um marco importante na música e no entretenimento em Portugal. E tem ajudado muita gente a construir a sua carreira. A Maro, o Salvador… A maior parte das pessoas que ganharam tem tido uma rampa de lançamento. Estou muito feliz por participar.
Também estava a comentar há pouco sobre os fãs que já sabiam o que era preciso para depois chegar à Eurovisão. Na sua perspetiva, olhando para a sua canção, diria que é um tema que tem as características certas para vingar neste tipo de contexto?
Acho, acho. Não sou muito de falsas modéstias. Acho que se conseguir fazer aquilo para o qual me tenho preparado vai ser uma boa performance. Naquilo que depender de mim vou fazer o melhor que posso. Mas o resultado obviamente que não está nas minhas mãos. Agora, se eu visse de fora alguém a cantar esta canção, concerteza que iria votar nessa pessoa para nos representar.
Já disse que vai apresentar esta canção com duas bailarinas em palco. Essa idealização da atuação começou logo quando soube que iria participar no festival?
Comecei logo a pensar nela. Sabia que queria ter bailarinos. Tenho sorte de ter uma amiga que é uma incrível coreógrafa e fui logo falar com ela — e na primeira vez que reunimos debatemos logo montes de ideias e qual é que seria a inspiração… Ouvimos a música e fomos percebendo que se poderia fazer assim ou assado. Da primeira vez que estivemos juntas criámos, basicamente, a coreografia toda. Quando fizemos o primeiro ensaio só nós as duas, criámos tudo comigo enquanto peça central. E a partir do que eu conseguia fazer é que se desenvolveu o resto. E é muito teatral. Então foi fácil, falamos a mesma linguagem. Gostamos do mesmo género de música, ela já coreografou montes de canções minhas, foi muito fácil. Isso começou a acontecer logo no início de janeiro, foi quando fizemos o primeiro ensaio e desde aí temos vindo a trabalhar.
Está a equacionar fazer um vídeo para a “Ai Coração”?
Honestamente, não sei. Já pensei sobre isso e continuo sem saber. O Salvador e a Maro, os Black Mamba, na verdade ninguém fez… Porque acho que as pessoas vão ver a atuação. Até agora viram o lyric video, e depois vão ver a atuação. Portanto, na verdade não sei se vou ter necessidade de mais um vídeo com o mesmo tipo de som. Se calhar faz sentido fazer vídeos com versões acústicas da canção, por exemplo… Faz-me mais sentido do que fazer um videoclip.
Estava a explicar que fez esta canção enquanto esperava por uma pessoa. É uma canção muito pessoal para si, nesse sentido?
Não [risos]. Esta canção é sobre aquela dualidade de sentimentos que se sente quando uma pessoa… E pode não ser só uma coisa de amor. Às vezes uma pessoa fica tão ansiosa que não sabe bem como lidar com aquilo que está a sentir e ficas empolgado mas ao mesmo tempo tens medo e ao mesmo tempo já estás farto da situação… Este mix de emoções e o facto de a pessoa não saber lidar com isso na verdade não é muito pessoal porque não tem a ver com nenhuma história pessoal, mas depois é… Porque eu também sou assim. Sou uma pessoa um bocadinho ansiosa, às vezes também não sei muito bem lidar com isso. Não é propriamente para pensar numa situação específica minha, mas acabou por refletir um bocadinho a minha personalidade e acho que montes de gente se está a identificar com a canção por causa disso. Em algum momento da vida ficamos ali sem saber como havemos de digerir o que estamos a sentir… É sobre isso.