Os “Morangos com Açúcar” celebram 15 anos esta quinta-feira, 30 de agosto. Que idade tinha quando entrou para a série?
Tinha 23, acho eu, ou 22 anos.
Era dos mais velhos do elenco ou estava na média de idades?
Dentro do meu núcleo, do pessoal mais novo, era dos mais velhos, embora aparentasse ser dos mais novos, pela estatura [risos].
Como é que entrou para a série?
Foi por um casting geral, em que nem sequer sabia que era para os “Morangos com Açúcar”. Passado uns meses recebi um convite para participar na novela — já tinha havido a primeira temporada —, mas era uma personagem que era para fazer parte da série durante pouco tempo. Entrei em abril, ia ser durante as férias da Páscoa até ao final do terceiro período. Estávamos mais ou menos com um mês e meio de atraso, das gravações para a transmissão, portanto aquilo que estava a fazer ainda nem sequer estava a ser mostrado na televisão, mas estava a correr muito bem. As pessoas até ficaram confusas, nas primeiras vezes que entrei como personagem, pensavam mesmo que eu era assim. Claro que depois saía do set e mudava [risos]. Apesar de ser um pouco tímido, não tinha nada a ver com a personagem. Mas foi logo um impacto muito forte. Em vez de ficar dois meses, fiquei mais de dois anos.
De que é que gostava mais no Crómio?
Gostava muito das peculiaridades dele, e dava-me margem de manobra para brincar muito. Tinha uma liberdade para improvisar que se calhar não vi em mais nenhuma personagem ou em mais nenhum ator. Foi espetacular. Houve muitas características que nasceram do Crómio que não estavam escritas, vieram com takes que eles deixavam continuar. Por exemplo, o copinho de leite. O Crómio bebia sempre copinhos de leite e foi um pormenor que surgiu de uma improvisação. Eu pedi um copo de leite, veio um e a partir daí a personagem ganhou a característica de se embebedar com copos de leite [risos].
Já que muito da personagem era improvisada, o que pensa que aconteceu ao Crómio?
Acho que o Crómio, como foi para um acampamento hippie, acabou por se tornar um xamã [risos]. E tem uma seita.
Como foi essa altura para si? Começou a tornar-se conhecido.
Já tinha amigos que tinham vivido e passado por esse mediatismo, mas claro que uma pessoa também nunca sabe o que esperar. Todo o impacto que a série veio a ter… não foi fácil lidar com esse mediatismo.
As pessoas abordavam-no na rua constantemente? Isso foi negativo?
Depende da forma como as pessoas te abordam. Sou uma pessoa tímida, e se alguém tem uma abordagem um bocadinho mais agressiva, deixa-me ainda mais tímido e protejo-me e não tenho muita facilidade em ser espontâneo. Acabava por perceber que as pessoas estavam a olhar para mim, então controlava um bocado as minhas ações, o que eu não gostava. Qualquer pessoa gosta de fazer e ser aquilo que é, onde quer que seja.
E isso foi a parte mais difícil do mediatismo?
Foi a parte mais difícil, porque me privei de frequentar espaços públicos. Quase não ia a shoppings, deixei de ir a jogos de futebol, que eu adorava, não ia a concertos, alterou um bocado a minha forma de estar. Mas também teve coisas boas. Não estava um segundo sem falar, tinha sempre alguém com quem falar, alguém vinha sempre ter comigo e de vez em quando isso até era bom. Havia gente muito simpática, diziam o quanto tinham gostado da personagem. Até pais a dizerem-me: “Olha, o meu filho que era um outsider foi integrado na turma dele, tudo por causa do Crómio”. E agradecerem-me por isso. Também tive essas coisas que não têm preço.
Quando as câmaras se desligavam, quem eram os seus melhores amigos nos “Morangos com Açúcar”?
Dava-me muito bem com aquele trio que se criou, o Diogo Valsassina e o Francisco Adam, que faleceu e foi uma coisa muito dura para nós. Na segunda série também me dava muito bem com o Raúl Abrantes, que fazia de João. Tinha uma relação próxima com quase toda a gente, mas estas como eram as pessoas com quem gravava mais naturalmente criei… com a Marta Faial, Mariana Monteiro, Diana Chaves, Jéssica Athayde, Joana Duarte. Era um grupo muito unido, na verdade, e isso sentia-se.
Poucos anos depois dos “Morangos com Açúcar”, foi para Nova Iorque estudar.
Penso que acabei os “Morangos” quase em 2007, depois fiz outra novela, a “Fascínios”. E em 2008 fui para os Estados Unidos e estive lá seis anos, a estudar numa das melhores escolas de representação de Nova Iorque. Era uma vontade enorme que tinha de trabalhar aquele método e foi sem dúvida uma mais-valia. Não foi nada fácil viver em Nova Iorque, estar lá a depender única e exclusivamente de mim próprio, raramente vinha a Portugal, mas o sonho era muito forte e sem dúvida que valeu a pena.
Teve de trabalhar lá, fora da área da representação, para financiar os estudos?
Nos dois primeiros anos não trabalhei, fiz só uma coisinha ou outra. A maior parte do tempo, como era uma escola full-time, dediquei-me mesmo à escola. Quando acabei o curso tive de me fazer à vida. Foi mesmo aquele caso típico de ator sonhador que trabalha enquanto ator e estuda representação e trabalha nos restaurantes também para conseguir equilibrar as contas. Trabalhei em sete. Alguns deles eram restaurantes escandinavos em que não sabia sequer o que estava a servir e havia termos que no início nem percebia, nem conseguia sequer pegar em dois pratos ao mesmo tempo. Inventei um currículo para conseguir trabalhar lá. E os gajos na primeira semana só não me despediram porque tiveram pena de mim [risos]. Foi uma experiência brutal e com o tempo acabei por perceber da arte de servir. Hoje, se for preciso pego em pratos a escaldar, dois em cada mão. Alguma coisa ficou.
Em Nova Iorque chegou a trabalhar na Broadway.
Foi uma experiência brutal, um sonho. Eram raras as pessoas que conseguiam ter exclusivamente a carreira de ator. Tinha amigos que tinham dois ou três trabalhos e chegavam a fazer peças importantíssimas com grande destaque, só que ninguém está garantido lá, é mesmo três mil cães a um osso. O mercado é muito competitivo e tudo é muito mais exigente.
Voltou a Portugal e começou logo a fazer teatro.
Sim, foi até essa a razão principal para voltar, tinha esse projeto e também estava com umas saudades enormes da minha família. Ainda não sabia se ia ficar cá definitivamente, mas a vontade era grande. Esse projeto foi uma peça de teatro que fiz no Teatro Carlos Alberto, no Porto, durante uns três ou quatro meses.
Depois começou a fazer teatro para escolas?
Em 2015 é que comecei a trabalhar para o Teatro Educa, uma companhia com quem trabalhei durante três anos. Acabou em junho. Nunca me tinha imaginado a representar para jovens, porque é um público muito difícil: íamos a escolas, auditórios municipais, e fazíamos teatro em todo o lado, de norte a sul do País. Saía muitas vezes de casa às cinco da manhã para ir para qualquer lado.
E as pessoas continuaram a reconhecê-lo, certo?
Havia miúdos que ainda não eram nascidos quando os “Morangos” estavam no ar, e vinham ter comigo quando eu entrava na escola, porque tinham visto a repetição no Panda Biggs. “Ah, mas eu adoro os Morangos, o Crómio, estás diferente” E eu: “pois, pá, as pessoas envelhecem”. Foi mesmo engraçado. Eu vou estar num lar de idosos e ainda me vão estar a reconhecer como Crómio, acho que sim.
O novo projeto, feito com a sua namorada, Marine Antunes, tem a ver com falar com miúdos como o Crómio, outsiders que não se sentem integrados na escola, não é?
Chama-se Se Podes Sonhar, Podes Concretizar. É uma palestra motivacional em que falamos sobre a nossa história. A Marine tem um projeto há cinco anos que se chama Cancro com Humor. Ela foi doente oncológica quando tinha 13 anos e transformou isso numa experiência positiva, escreveu dois livros. Aprendi muito a ver as palestras dela e depois da experiência que tive com os jovens no teatro percebi que havia alguma coisa importante que podíamos partilhar que era a nossa experiência. As circunstâncias não definem o nosso caminho. Fazemos mesmo o paralelismo com o Crómio, facilita muito as pessoas ainda se lembrarem dele. Há uma empatia rápida comigo por causa da personagem.
Na parte de ser mais outsider, também era como o Crómio na escola? Difícil de ter amigos?
Nem por isso, nessa parte não. Sempre fui muito acarinhado até pelas escolas onde tive.
E a sua namorada, que tem menos sete anos, já o conhecia da televisão?
Exato, ela via os “Morangos com Açúcar” e o pai dela só a deixava ver quando o Crómio estivesse na televisão. Depois perdia a piada. “Não está o Crómio, quero ver o wrestling”, dizia ele [risos]. Mas quando me conheceu eu não fazia a mínima ideia de que ela sabia quem eu era. Não deu a mínima cana, mesmo. Tinha acabado de vir dos Estados Unidos, estava meio desnorteado, e ela: “Eh pá, parece um cãozinho abandonado. Deixa-me tratar dele”.
E como foi conhecer o pai da Marine?
Tive que dar no duro, porque os pais da Marine são do campo e têm a sua horta. Também estive de lá a cavar para ganhar o respeito do Sr. Gonçalo. Este homem sabe pôr mãos ao trabalho, não é só televisãozinha, mãozinhas de prata. Tive de mostrar que também sabia plantar umas batatinhas.
Com este novo projeto, está a colocar a carreira de ator em pausa?
Não, uma das razões para este projeto é que posso controlar muito melhor o meu tempo, porque com o Teatro Educa não tinha tempo nenhum para trabalhar fora. Trabalhava todos os dias e fora de Lisboa, era muito difícil de conciliar com outros trabalhos. Agora vai-me permitir fazer ainda mais trabalhos como ator, que antes tinha de recusar.