Antes de Fernando Vendrell começar a trabalhar em “A Travessia”, a nova série da RTP, os seus filhos, tal como muitos outros portugueses, pensavam que Gago Coutinho e Sacadura Cabral não eram mais do que nomes de ruas em Lisboa. Na obra que estreia esta segunda-feira, 27 de janeiro, pelas 21 horas, o cineasta mergulha na história dos dois pioneiros dos ares.
Há mais de 100 anos, Sacadura Cabral e Gago Coutinho revolucionaram a tecnologia de navegação aérea ao realizarem a primeira ligação do Atlântico Sul entre 30 de março e 17 de junho de 1922, ligando Lisboa ao Rio de Janeiro. A produção vai focar-se precisamente nesse feito épico, com Gonçalo Waddington e Miguel Damião no papel dos dois aviadores.
A narrativa “vai acompanhar os pioneiros da aviação na sua corrida destemida para atravessar o Atlântico Sul que, movidos por um forte espírito de aventura, desafiaram os limites do esforço humano ao navegar por céus desconhecidos”, lê-se na sinopse. “Os seus feitos e inovações científicas de navegação astronómica revelaram o caminho para outros planetas do universo.”
O projeto estava na mente de Fernando Vendrell há mais de 20 anos. O cineasta de 62 anos sempre se sentiu fascinado pelo processo de ligação entre o homem e a máquina e a ideia de que a ciência pode transformar o futuro. O processo de criação ficou marcado pelas mudanças constantes à narrativa.
“Durante o processo de obtenção de financiamento descobri um piloto que estava esquecido, o Sarmento de Beires. As datas dele chocavam com as do Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Tive de mudar a narrativa para o incluir”, conta à NiT. Foi assim que a série deixou de ser uma eulogia sobre a travessia do Atlântico Sul e passou a ser uma “homenagem ao espírito pioneiro”, que também vai abordar a rivalidade que existia entre a Marinha e o Exército.
Depois, o realizador decidiu acrescentar outras personagens que foram esquecidas pela História, como os jornalistas de 20 anos que acompanharam o feito dos aviadores. Para adicionar mais complexidade à produção, também criou Tibita Andrade, interpretada por Júlia Palha. “É uma mulher provocadora, mimada, muito livre e sem limites”, descreve.
Ao contrário de muitos realizadores, Vendrell não tinha nenhum ator pensado para os papéis e todos tiveram de passar por castings. “Através das audições pretendo suprir alguns aspetos psicológicos e fisionómicos ligados às personagens”, reflete. A própria personalidade dos atores é um aspeto que lhe interessa para poder “completar a parte criativa” e para ter a certeza de que são a escolha adequada.
Houve, porém, uma exceção. “Quando escrevi a primeira cena da série, que decorre em 1917, imaginei o Francisco Froes a interpretar o Sarmento, porque o tinha visto recentemente e fez-me lembrar dele”, comenta. Mesmo assim, o ator teve de fazer um casting como os restantes colegas.
A criação da obra também ficou marcada pelos percalços. Inicialmente, a ideia do realizador era que tivesse estreado em 2022, para celebrar o centenário da travessia do Atlântico Sul. “Não foi possível devido à falta de financiamento necessário e à pandemia”, lamenta.
Apesar das dificuldades, Fernando sente-se orgulho do resultado final, visto que “A Travessia” tem vários “aspetos pioneiros” em Portugal e compara as gravações às da Disney. Em estúdio, foram criados fundos realistas e imponentes graças à tecnologia da chamada tela verde. “É uma série que tem novidades tecnológicas, mas os melhores efeitos especiais são os próprios atores, que foram espetaculares”, garante. As filmagens, que duraram cerca de sete semanas, também passaram por um navio, por Lisboa e Margem Sul.
Foram construídas réplicas de aviões emblemáticos, como o Cavaleiro Negro, usado na tentativa de ligação Amadora-Madeira a 18 de outubro de 1920, por Brito Pais e Sarmento Beires — e que “ficou perdido ao largo da ilha” — e aeronaves feita para o centenário de 2022.
O desastre do Cavaleiro Negro foi apenas uma de várias histórias que Fernando encontrou durante a pesquisa. Infelizmente, muitas delas tiveram de ficar de fora da série porque não era possível “contar tudo em apenas seis episódios”. “Sinto-me como um escritor de um livro que foi adaptado. Não pude contar metade das histórias que gostaria”, brinca.
Esta ausência de momentos épicos da história de Portugal não fez com que Fernando se sentisse menos entusiasmado com o resultado final e descreve “A Travessia” como uma “série de aventura científica com recortes históricos” — e compara-a à personagem de banda-desenhada Corto Maltese, criada por Hugo Pratt. “Também é uma viagem espiritual e poética. O espírito dos atuais pioneiros, que estão a tentar fazer viagens interplanetárias, não está desassociado do Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que também fizeram grandes viagens para que o mundo ficasse mais próximo do ser humano.”
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