Televisão

Nuno Lopes: “Criámos uma série para o mundo, é um investimento gigante da Netflix”

O ator é um dos protagonistas de “White Lines”, a nova produção de Álex Pina, o criador de “La Casa de Papel”.
O ator fala em inglês e espanhol na série.

Foi já no outono do ano passado que falámos ao telefone com Nuno Lopes. O ator não estava propriamente do outro lado do mundo, estava na ilha de Maiorca, em Espanha, para as gravações da muito esperada “White Lines”, a nova produção da Netflix do criador de “La Casa de Papel”, Álex Pina, onde o ator português desempenha um papel importante.

As gravações arrancaram sensivelmente há um ano, em maio de 2019, e duraram cerca de seis meses. Na altura em que falámos com Nuno Lopes, a maior parte dos episódios (de um total de dez) estava gravada, mas havia ainda várias cenas de exteriores para filmar.

A história passa-se em Ibiza, a ilha espanhola famosa pelas discotecas e cultura noturna, mas com a quantidade de residentes e turistas no local, a maior parte das gravações tiveram de acontecer noutros sítios. Para as cenas interiores, foram usados espaços em Madrid. Grande parte dos exteriores foram feitos em Maiorca.

À NiT, Nuno Lopes conta que teve de ter aulas diárias de inglês e espanhol para interpretar a sua personagem, que foi sair à noite em Ibiza para descobrir qual é o ambiente, e que o seu trabalho enquanto DJ foi útil para se preparar para este papel. “White Lines” estreia a 15 de maio na plataforma de streaming e já é possível ver o trailer. Até lá, leia a entrevista da NiT com Nuno Lopes, que pode ser valiosa para descobrir mais sobre este projeto. 

O que é que o atraiu inicialmente para esta série?
Bom, o que inicialmente me atraiu logo à partida, quando fiz as self-tapes [auto-gravações para casting], foi a personagem, que me pareceu muito interessante. As cenas que fiz eram muito bem escritas. Apesar de que, quando fazes uma self-tape para um projeto internacional, a hipótese de ficares são mínimas, porque há muita gente a concorrer. Mas logo que recebi os primeiros textos senti vontade de fazer esta personagem, eram cenas muito interessantes, muitas delas ficaram na série e notava-se a escrita do Álex Pina, que eu conheço bem e da qual gosto.

O que pode contar sobre a sua personagem?
Chama-se Boxer, é um tipo com 40 e tal anos, que é basicamente chefe de segurança de uma família que tem muitas discotecas em Ibiza. A série fala de uma família inglesa, de um DJ britânico que vai viver para Ibiza nos anos 90, e que abandona a irmã, com quem ele tinha uma relação muito especial. Deixa de falar com ela. E 20 anos depois descobre-se que ele foi morto e que está enterrado nas terras da família para a qual ele trabalha, e dos clubes nos quais ele tocava. E a história é sobre a irmã, que vem para Ibiza para tentar descobrir o que é que se passou, quem é que o matou, porque passaram 20 anos e a polícia não vai investigar. E a minha personagem trabalha para essa família, é uma espécie de solucionador de problemas [risos].

Em que sentido?
Além de ser chefe de segurança das discotecas e da família, sempre que há um problema é ele que o soluciona. A série, apesar de ter este lado negro e partir de um mistério quase policial, na verdade é uma comédia negra, eu diria trágico-cómica. Porque passa-se tudo neste conflito entre esta bibliotecária que viveu toda a sua vida em Manchester e que de repente chega a Ibiza e é confrontada com o mundo da noite, crimes, discotecas, da liberdade mas também das drogas, e tudo mais. A minha personagem representa um bocadinho o oposto do que ela viveu até aí. É uma espécie de cara de Ibiza no sentido em que é um tipo… Apesar de ser um chefe de segurança é um tipo super divertido, brincalhão até, e que resolve tudo com um sorriso nos lábios e uma piada. Sendo que tem um lado negro. Quando é preciso é um tipo muito violento e pode ser muito desagradável [risos].

Podemos considerar que é um papel secundário, mesmo sendo relevante para a história?
Sim, só há uma protagonista absoluta, que é ela, não é? Na verdade é um bocadinho como quase todas as séries do Álex Pina. Há normalmente um protagonista, mas na verdade há um conjunto de protagonistas associados, de personagens secundárias grandes, e eu sou um desses. A série é sobre a relação dela com mais quatro ou cinco pessoas que têm o mesmo tamanho de papel e eu sou uma dessas pessoas.

O facto de passar música enquanto DJ, na vida real, também fez com que se interessasse por este enredo? Ou são mundos bastante opostos?
Eu tento sempre separar muito as coisas, o meu trabalho de DJ e o meu trabalho como ator. O meu trabalho de DJ é um hobbie que se tornou numa segunda profissão, mas é o sítio onde descanso de ser ator [risos]. Mas, na verdade, é engraçado, e sempre que conto aos meus amigos mais íntimos o que é que estou a fazer, eles perguntam-me: então és tu o DJ? E na verdade o Boxer, que eu interpreto, não é um segurança nada normal. Apesar de ter um lado violento e tudo mais, é um tipo intelectual, que gosta de poesia, de cinema independente e odeia música techno e eletrónica. Nesse aspeto é até muito diferente de mim [risos], porque eu gosto muito. Ou seja, isso não teve influência nenhuma na escolha do papel. O que teve influência foi que eu conheço, pelo facto de ser DJ — apesar de não o ser em Ibiza —, conheço já bastante bem o mundo da noite, dos seguranças, dos DJ. E isso ajuda-me em termos de preparação para o papel. Houve um lado que não tive de preparar. Sou DJ desde 2004 ou 2005, já passei muitos anos em discotecas e sei muito bem de que é que se fala, de que é que as pessoas conversam e que tipo de ambiente existem numa discoteca. Portanto, esse lado era-me muito familiar e ajudou-me muito na construção da personagem, isso sim. Se bem que ele depois não tem nada a ver com o meu trabalho de DJ.

O Nuno já conhecia, em particular, a noite de Ibiza?
Não, nem por isso, conheci antes da série. Estive uns dias em Ibiza, para tentar perceber como é que era, e conheci só nessa altura. 

Foram sair à noite como forma de preparação?
Sim, eu fui [risos]. E fui perceber como é que eram as coisas, se era muito diferente, mas não é. É o mundo normal da noite, só que tem mais dinheiro. É como a diferença de fazeres um filme independente ou fazeres uma produção gigante — é a única diferença.

Como tem sido trabalhar com o Álex Pina?
O Álex trabalha longe da rodagem. Eu encontrei-me com ele umas três ou quatro vezes, porque tivemos uma leitura em conjunto com todo o elenco, antes de começarmos a filmar os cinco primeiros episódios. Depois houve ensaios, no qual o Álex esteve presente, e eu tive uma reunião com ele só para falar da minha personagem, sobre quais eram as visões deles, quais eram as minhas ideias. Além de todo o processo anterior de várias self-tapes. Inclusive fiz um casting com o próprio Álex presente. Já o conhecia daí, mas houve depois o tal processo de ensaios antes de filmarmos. Assim que se começa a rodar, o Álex desaparece e vai escrever. Desde que começámos a filmar, há quase cinco meses, ele já apareceu no máximo três vezes na rodagem. O Álex gosta de escrever e de depois deixar o processo criativo para nós, e vai acompanhando o material que é feito. E depois está na parte da edição, onde tem uma palavra preponderante.

Para si, trabalhar nesta produção é muito diferente pelo facto de esta ser uma série da Netflix, por ter potencial para chegar a tantas pessoas?
É sempre diferente quando te dizem: olha, isto que vais estar a filmar hoje vai estar no mundo inteiro e qualquer pessoa em qualquer parte do mundo pode ver. Excetuando a China e a Coreia do Norte, para aí [risos]. Como é óbvio, há um acréscimo de responsabilidade e também tens uma noção gigante do poder da Netflix, da maneira como chega às pessoas, da maneira democrática que é ver televisão com a Netflix — tu é que escolhes o que vês — e nesse sentido é uma das plataformas mais importantes. Mas ao mesmo tempo é o orgulho de fazer parte do processo. Acho que a Netflix ajudou muito a desenvolver um tipo de televisão, de casting inclusive. Eu falava noutro dia com um dos atores aqui, que dizia que há dez ou 15 anos esta personagem seria feita provavelmente por um ator inglês que soubesse falar espanhol. Nunca seria feito por um espanhol, muito menos por um português [risos] que vem falar espanhol e inglês numa série. E essa é uma das grandes vitórias da Netflix, abriu muito o mercado a séries e atores de todo o mundo sem qualquer tipo de preconceito ou fronteiras. E qualquer personagem pode ser de qualquer raça, género ou país. E isso é não só de parabenizar, mas sinto-me muito orgulhoso por fazer parte desse processo.

Deu espaço para que houvesse uma aposta nas produções locais de vários países e, neste caso, há o precedente de “La Casa de Papel”.
Sim, “La Casa de Papel” é o exemplo perfeito. Não era da Netflix, a Netflix é que aposta na “La Casa de Papel” para a continuar a vender para o mundo inteiro. É justamente disso que eu falo. A Netflix tem um papel primordial na maneira como faz chegar a outras fronteiras e continentes trabalhos que, noutra circunstância, ficariam pelo próprio país. E “La Casa de Papel” ficaria por Espanha, ou eventualmente pelos países de língua espanhola, mas nunca chegaria aos EUA, a Inglaterra, França, Itália ou ao Brasil, muitos dos sítios onde é o conteúdo mais visto de sempre da Netflix.

Estava a dizer que a personagem fala espanhol e inglês. Foi preciso fazer algum tipo de preparação por causa disso? Ou não foi necessário?
Sim, sim, foi necessário [risos]. Eu tenho trabalhado muito no estrangeiro, mas sobretudo em França. E é apenas o meu segundo trabalho em inglês, e o meu primeiro em espanhol. Portanto, tenho diariamente aulas de espanhol e de inglês para me ajudarem a pronunciar e, sobretudo, a decorar o texto, que tenho particulares dificuldades em decorar textos em estrangeiro.

Nuno Lopes vai contracenar bastante com a protagonista.

Tem sido esse o maior desafio ao longo da série?
São vários. Esse é um deles, obviamente, e o facto de… 50 por cento da equipa é espanhola, e 50 por cento da equipa é inglesa. Eu sou português e não pertenço nem a um mundo nem a outro. E essa parte às vezes é complicada porque sentes-te sozinho [risos], esse lado é difícil, mas ao mesmo tempo tenho sido muito bem recebido tanto pelo lado inglês como pelo espanhol. Mas há várias coisas que são difíceis, não só a adaptação às duas línguas, há outra dificuldade que é boa, um desafio para mim, que é uma adaptação à própria escrita do Álex. É muito diferente do tipo de coisas que eu costumo fazer, porque o Álex tem uma escrita muito direta e é muito engraçada. Noutro dia falava disso com um colega espanhol, dizia que é quase uma escrita shakespereana, no sentido em que as personagens dizem tudo o que estão a sentir. Quase não há um filtro entre um texto interior e o texto exterior, tudo o que eles sentem dizem uns aos outros. Isso é divertido, sobretudo quando se trata de uma série que é um mistério. E normalmente nos meus trabalhos há muito pouco texto e é quase tudo passado no subconsciente das personagens, e raramente é dito. E na escrita do Álex é muito exposto e tem sido um desafio, é uma maneira diferente de escrever, da qual eu sou fã. 

Há alguma coisa que faça sempre para o ajudar a entrar em personagem no início de um dia de gravações?
Normalmente há sempre duas ou três músicas que escuto, dependente da cena que tenho de fazer.

Não é eletrónica?
Não, neste caso não [risos]. Escuto coisas de jazz, de rock. A única coisa que faço é isso, e faço ginásio que é uma coisa que odeio fazer, mas tem de ser para esta personagem. Mas quase que já chego preparado às filmagens, porque acordo, faço ginásio, trabalho o meu inglês e o meu espanhol, quando chego ao sítio para rodar já vou com muito trabalho de casa feito. Quase não tenho tempo para respirar. Mas na verdade estou a fazer o que gosto [risos].

Tem sido fácil recriar o ambiente de Ibiza em Madrid e em Maiorca?
Tem, porque normalmente estamos sempre em discotecas e temos muita figuração local, que podia estar em Ibiza. E em Maiorca muita da figuração vem mesmo de Ibiza. E isso ajuda a recriar os ambientes de festa, porque na realidade não é bem uma recriação de um ambiente, é mesmo uma festa [risos]. Anteontem estive numa cena em que tínhamos 350 figurantes à volta de uma piscina numa festa. Quando tens esse número de pessoas, é uma festa, na verdade. Por isso não tem sido nada difícil. Temos filmado em sítios lindos da ilha de Maiorca ou exteriores de Ibiza e uma das vantagens de fazer uma grande produção é que de repente tens acesso a locais que nunca terias numa produção normal. Temos filmado em sítios absolutamente maravilhosos. Sentes que estamos a criar uma série para o mundo e com uma dimensão global, na própria produção sente-se isso, há um empenho e um investimento gigante da Netflix na série. E não há qualquer tipo de problema monetário em dar-nos tudo o que precisamos para fazermos um bom trabalho.

Depois desta experiência, gostava de fazer mais coisas em espanhol?
A minha personagem fala sobretudo inglês, eu diria que a série é 70 por cento em inglês e 30 em espanhol, talvez até menos. Mas eu estou muito em contacto com a protagonista da série, e como ela é inglesa a minha personagem fala sempre com ela em inglês. Eu não tenho uma pretensão internacional. Eu gosto de trabalhar em projetos que me interessem. E se estiverem em Portugal e forem em português, é mais fácil [risos]. Se forem desafios e noutra língua que não a minha língua materna, claro que sim, o que me interessa é o que estamos a fazer e até que ponto eu gostaria de ver aquilo enquanto espectador, tendo também em conta o meu crescimento pessoal.

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