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O ato heroico desta refugiada síria deu um filme. Agora as autoridades querem prendê-la

Sarah e a irmã salvaram a vida dos que seguiam no seu bote. Foram aos Jogos Olímpicos e agora estão a braços com a justiça grega.
Sarah tem hoje 28 anos

Sarah e Yusra Mardini eram nadadoras de competição na Síria. Quando a guerra rebentou, decidiram deixar para trás a família e o país onde nasceram em busca do sonho. Semanas mais tarde, deram por si num bote a abarrotar pelas costuras, a cruzar o mar em direção à Grécia.

Antes da chegada à costa, o motor avariou e ficaram à deriva. Antevia-se um fim trágico, como tantas vezes acontece com os refugiados que procuram em território europeu uma fuga à pobreza, à miséria e à guerra. Perante o desastre iminente, as duas jovens de 18 e 22 anos lançaram-se à água, agarraram nas cordas do barco e, com a sua destreza, nadaram até à costa. Salvaram a vida de todos os passageiros.

A viagem que devia ter durado cerca de 45 minutos tornou-se numa prova violenta de mais de três horas. Os seus atos heroicos valeram-lhes o aplauso do mundo — e a sua história deu mesmo origem a um filme da Netflix, “The Swimmers”, que chegou à plataforma em novembro de 2022.

O percurso não terminou por aqui. Esta terça-feira, 10 de janeiro, Sarah Mardini foi chamada pela justiça grega, que a investiga pela alegada prática de tráfico, espionagem e participação em organização criminosa. Tudo porque, perante o drama dos refugiados, decidiu dedicar parte do seu tempo a salvar outros refugiados em situações como a sua.

Em 2018, Sarah acabaria por ser detida em Lesbos, enquanto participava em ações de salvamento de refugiados. Passou três meses na prisão e o processo avança agora, podendo dar-se o caso de ser mesmo acusada e levada a julgamento.

As organizações humanitárias mostram-se chocadas pela decisão das autoridades gregas. A Amnistia Internacional apelida o caso de “farsa” e pede que as acusações sejam retiradas.

Mardini, que não se apresentou junto das autoridades, defende-se: afirma que apenas tentou salvar pessoas cujas vidas estavam em risco. “O que está aqui em causa são direitos humanos. Esse é o problema fundamental”, revelou Sean Binder, ativista irlandês que foi detido e faz parte do processo ao lado da jovem síria. “Precisamos que o juiz compreenda que temos que passar por todo este processo, para que não haja a mínima dúvida sobre o que fazem as pessoas que participam em busca e salvamento.”

A história das Mardini não terminou com a sua chegada atribulada à Grécia. Apesar de terem feito manchetes e de terem recebido dezenas de propostas de Hollywood para a adaptação a filme, inicialmente recusaram qualquer abordagem. Tudo por causa do seus sonho.

“Dissemos que não porque eu queria focar-me nos Jogos Olímpicos. Sonhava com isso desde os nove anos e queria aproveitar cada segundo”, revelou Yusra, a mais nova. As irmãs acabariam por conseguir chegar à Alemanha, o seu destino inicial, e aí concretizarem dois objetivos: treinarem e tornarem-se nadadoras profissionais; e conseguirem pedir a reunião da família, trazendo os membros que ficaram para trás para um novo país.

Em Berlim, Yusra deu nas vistas e acabaria por ser convidada para uma equipa pioneira que fez a estreia nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2018, uma equipa composta apenas por refugiados, deslocados dos seus países. Voltaria a repetir a experiência nos Jogos de Tóquio em 2021.

Sarah, contudo, seguiu um caminho diferente. Tornou-se na mais jovem embaixadora da boa-vontade das Nações Unidas e voltou para a Grécia, sempre com o objetivo de fazer tudo o que podia pelos refugiados.

Na mente, levava a dura viagem de Damasco a Berlim, uma epopeia de 25 dias. “Andámos a pé, de autocarro, de táxis, tudo o que conseguíamos para chegar ao destino”, recorda Yusra à “Time”. Mas o momento crucial aconteceu mesmo nas águas do mar Egeu.

“Tinha medo de morrer, mas senti que alguém tinha que diminuir o peso no barco”, conta sobre o momento em que decidiram lançar-se à água para permitir que o barco não afundasse e pudesse chegar ao destino.

Isso não significa que, após a chegada, a vida fosse mais fácil. Confessam que sofreram com o preconceito e discriminação para com os migrantes. “As pessoas tratavam-nos como se tivéssemos uma doença, como se não fôssemos humanos”, nota Sarah.

Sarah e Yusra escaparam da Síria em 2016

Essa luta levou a que a mais velha das irmãs voltasse a Lesbos, onde se juntou a uma organização que regularmente participava em ações de busca e salvamento de migrantes. Isso levou a que em 2018, Sarah e dois colegas acabassem por ser detidos, acusados de tráfico de migrantes.

Entretanto, a família teve um final feliz. Os restantes membros seguiram-lhes o caminho e, num barco, fizeram a mesma travessia rumo à Alemanha, desta vez sem percalços.

Depois dos Jogos Olímpicos de 2016, as Mardini decidiram concordar com o avanço da produção. A Netflix arrancou com a história e produziu “The Swimmers”, um relato inspirado nos acontecimentos reais da sua fuga da Síria.

“Um dos produtores disse-me que depois dos Jogos do Rio já não iriam estar interessados na história. E eu disse-lhe: ‘Tudo bem, eu estou aqui é para nadar’.” A verdade é que Yusra nadou, deu nas vistas e terminada a prova, viu a sua epopeia ser transformada em filme.

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