Foi uma das primeiras grandes apostas da SIC para a plataforma de streaming Opto. Falamos da série “O Clube”, que conta uma história passada no mundo da noite e das acompanhantes de luxo. A primeira temporada terminou a 5 de fevereiro, e a segunda começou no dia 26 do mesmo mês. Agora, já se prepara a terceira temporada, que estreia a 9 de outubro. Entretanto, para antecipar esta estreia, a SIC vai exibir em canal aberto as primeiras temporadas. A NiT conduziu esta entrevista entre a primeira e segunda temporada.
Apesar de a estação de televisão de Paço de Arcos não revelar os números de subscritores, garante que a Opto tem tido mais sucesso do que o esperado e que “O Clube” tem sido uma das produções mais vistas do catálogo.
A segunda temporada é uma continuação direta da primeira, que deixou várias linhas narrativas por concluir. A NiT entrevistou o autor da produção, o guionista João Lacerda Matos, sobre o que podemos esperar.
Vai haver novas personagens e novos ângulos por explorar dentro desta realidade. E o argumentista explicou como a pesquisa feita sobre o Elefante Branco, e as conversas que teve com acompanhantes de luxo da vida real, foi fulcral para o desenvolvimento de “O Clube”. A série junta no elenco nomes como Vera Kolodzig, Margarida Vila-Nova, José Raposo, Luana Piovani, Sara Matos, Filipa Areosa, Vítor Norte e Sharam Diniz, entre outros. Leia a entrevista.
A ideia para criar esta série era algo que já tinha há bastante tempo ou foi a SIC que propôs quando estava a preparar a Opto?
A ideia, quando comecei a falar com a SIC, era fazer uma série que tivesse pelo menos um tema fraturante para marcar a diferença. E surgiu a ideia de fazer alguma coisa na noite — à volta de um clube noturno, muito inspirado naquilo que era a tradição do Elefante Branco. Mas, obviamente, fazendo um grande upgrade, porque o Elefante Branco tradicional já não existe. Existe outro, mas tem outra dinâmica. E foi assim que nasceu, a partir de uma proposta direta da direção de programas.
Em 2019 foi lançado um livro com as memórias do antigo porteiro do Elefante Branco. Também foi a partir daí que construiu a história para “O Clube”?
O livro foi uma das fontes de pesquisa, sim. O grande problema do livro é que é uma entrevista muito longa, mas datada, porque centra-se muito nos anos 80. Portanto, havia uma dificuldade grande que é: o mundo dos anos 80 em Portugal já não tem nada a ver com 2019 e 2020, a altura em que a história começa. Havia muito do tom daquilo que era a relação entre o porteiro e o dono, isso sim, esse tom era importante. Houve também algumas reportagens, da SIC, do “Expresso” e do “Público”, não só sobre clubes noturnos mas também sobre acompanhantes de luxo, tráfico de mulheres, etc., que foram trazendo dados mais reais sobre as histórias que se queriam tratar. E depois houve também o trabalho de campo, a visita ao atual Elefante Branco e a conversa com as atuais acompanhantes de luxo que lá trabalham. Acho que foi o ponto de viragem de todo o processo, acabou por trazer a confirmação de que o que se estava a escrever e a preparar tinha uma base sustentada de realidade. Aliás, a realidade que encontrámos lá era até muito mais fascinante do que nos tínhamos atrevido.
O quão real é a história de “O Clube”? Há histórias específicas ou traços de personalidade inspirados diretamente em pessoas reais?
Eu não diria histórias específicas, mas o tom, especialmente do ponto de vista das mulheres e da força que elas têm n’O Clube, vêm muito de conversas que tivemos nessa incursão ao terreno. Tive o prazer de ir com a realizadora e algum do elenco. As histórias são múltiplas, algumas cruzam-se com as que contamos, não há nenhuma que seja diretamente inspirada. Há uma que vai beber um bocadinho ao caso Paula, que aliás foi lançado pela SIC nos anos 90 — a ideia de uma acompanhante de luxo que teve um contacto com jogadores da Seleção Nacional. Essa é talvez a história mais perto da Michelle e do Salvador, aquela situação de uma prostituta que sofre um abuso sexual de uma figura pública. Depois tentam abafar o caso, e no final desta temporada vemos que ela decide ir em frente com a acusação. A ficção tem sempre de fazer sentido, mesmo que às vezes a realidade não faça, mas é bom quando a ficção que construímos é em cima de dados que são perto da realidade. Houve uma coisa que me disse uma das mulheres que trabalham na noite: que era bom fazer uma história sobre as acompanhantes de luxo e não fazer o costume, que é tratá-las com paternalismo. Perceber-se que aquilo é de facto uma atividade profissional e que não é necessário estarmos sempre a desculpar essa atividade. O que é preciso é contar o outro lado, da solidariedade, da competição, das dificuldades, mas também de que algumas mulheres fizeram a vida toda com esta atividade.
Estas mulheres que falaram convosco estavam predispostas a contar as suas histórias para a série?
Eu acho que estão sempre dispostas a falar desde que se mantenha a privacidade, que é uma das coisas que se trata muito n'”O Clube” e é algo que tem muito a ver com o porteiro, a personagem do Viana, esta ideia de que neste género de clubes, quando existiam — hoje se calhar existem menos, mas ainda existem — trabalha-se muito a privacidade. Quando se tem acesso, sabe-se que está seguro.
Houve algum lado específico desta realidade que o tenha surpreendido mais quando falou com estas mulheres?
Era algo que eu já intuía, e que se calhar se vai notar mais na segunda temporada, mas é a forma como estas mulheres, por causa da profissão que têm, olham para os homens. Há sempre um misto entre o acreditar no príncipe encantado, naquele homem que vem e vai fazer a diferença, que lhes vai mudar a vida; e, por outro lado, a desconfiança total de que pode haver amor entre um homem e uma mulher. Para mim isso foi o mais marcante. E vai ser muito explorado numa ou duas linhas de história na segunda temporada.
Em termos gerais, o que podemos esperar da segunda temporada?
Sem dúvida nenhuma, todas as pontas que ficaram soltas na primeira temporada vão ter agora a sua resolução — não necessariamente da forma que esperaríamos que tivessem. Está guardada para os últimos episódios uma grande surpresa, que vai começar a ser percebido a meio, e que vai trazer um outro enquadramento a toda esta história. Mas sem dúvida nenhuma que vamos ter uma segunda temporada que vai aprofundar ainda mais a história das duas irmãs, da Andreia e da Jéssica, que agora trocaram de lugar. Vamos ver um universo que vem das reportagens e da pesquisa feita do tráfico de mulheres, que é o universo das mulheres que são vendidas, e o que é que lhes acontece. E depois vamos ter, por outro lado, algumas surpresas ao ver o outro lado de algumas personagens. Por exemplo, vimos uma Vera muito centrada no negócio, sempre numa batalha, e agora vamos ver um bocadinho o outro lado. Tal como costumam ser as segundas temporadas destas histórias que ficam a meio, vai ser para grandes resoluções e também para o lançamento de outras histórias. Vai haver algumas personagens novas.
O que podemos saber sobre estas personagens novas?
Vão baralhar um bocadinho as relações de força dentro do Clube. E vão trazer outras histórias — uma delas vai ser essencial na resolução de uma destas linhas narrativas. São personagens fortes e trazem um lado de algum desnorte, alguma loucura neste ambiente. Lá está, a vida dupla e o facto de ser um mundo à parte também permite excessos e a segunda temporada vai ter isso.
A SIC já adiantou que vai haver uma nova personagem interpretada por Matilde Reymão. Vai ser uma das novas mulheres d’O Clube?
Vai ser uma das mulheres d’O Clube e vai jogar muito naquilo que estava a dizer, da loucura e do excesso. Vai valer a pena.
E as outras personagens também estarão diretamente envolvidas na realidade das acompanhantes de luxo ou vão ser um pouco ao lado?
Pelo menos dentro de cada linha de história vai haver uma nova personagem. Como na da Jéssica, da Andreia e da investigação do inspetor Paixão… Uma das coisas que acho mais interessantes no papel da PJ nesta história, o que se tentou fazer foi algo muito perto da realidade, esta ideia de que, perante alguns destes cenários, a impotência é a palavra de ordem na ação da polícia. Porque a polícia move-se com requisitos que a tornam muitas vezes ineficaz em relação ao crime organizado. E isso vai ser uma área interessante, como é que o inspetor Paixão vai dar a volta à lentidão com que tem feito… e, aliás, ele agora sente-se responsável pelo destino da Jéssica. De alguma maneira, ele poderia ter evitado o que aconteceu. E há muitas personagens novas que vão acrescentar nessa linha. Depois, a linha da Maria vai ter uma personagem nova, que vai ajudar a perceber um bocadinho o outro lado destas mulheres. Elas também têm vidas e outras histórias. Em quase todos os episódios vai haver esse lado da surpresa e do gancho.
Como a segunda temporada está prestes a estrear, logo a seguir da primeira terminar, é óbvio que tudo começou a ser feito ao mesmo tempo. Já há planos para continuar a série depois disto, ou ainda não?
Há uma enorme vontade, e sei que também existe essa vontade por parte da SIC, mas vamos ver o que é que acontece. Como se viu, a série foi bem recebida, e até pela combinação de uma história mais fraturante e uma realização mais corajosa e aguerrida que trouxe um bocadinho de diferença àquilo que se costuma fazer nas séries. É importante porque enriquece o panorama. Acho que no catálogo da Opto também se notou a apetência dos subscritores. E isso dá força para pensar que há mais histórias deste universo para contar. Quem sabe.
A realização tem essa estética diferente, e também sente isso na escrita? Como é para a Opto, e não para a SIC, foi possível arriscar mais, ter mais liberdade no desenvolvimento do guião?
Desde o início que me pediram exatamente isso: que arriscasse, que não tivesse medo de fazer uma série com os requisitos certos. Lembro-me de que não devia ter medo de poder criar uma personagem e ela desaparecer a meio da história, ou ser morta, que foi o caso do Vasco. Mas acho que a vantagem da Opto é que permite ter uma abordagem diferente da tradicional — mas elas são complementares. Aliás, vemos isso em vários serviços de streaming, onde há vários tipos de séries. Acho que essa é a verdadeira mais-valia: as pessoas podem escolher a que horas é que veem, quantos episódios veem de seguida. E agora com as temporadas completas podem fazer binge-watching, mas a experiência de escrever não muda muito. Neste caso específico acho é que houve uma grande união entre mim e a realizadora e a sua equipa, e isso nota-se não só na forma como a história está contada, mas como as personagens são apresentadas. Tem a ver com a forma como se filma, os adereços, o guarda-roupa, a fotografia. E isso dá uma força grande, principalmente às atrizes, de arriscarem porque também têm confiança de que está a ser feito esse trabalho. Algumas das atrizes estão mais habituadas a trabalhar em formatos de televisão de longa-duração, que é um registo muito diferente, e acho que isso foi compensador. Acho que uma das coisas de que mais gosto n'”O Clube” é que, no início, quando saíram as primeiras imagens, percebeu-se: vai ter cenas ousadas de sexo. E depois, quando vemos a história, as cenas são ousadas, de facto. Se calhar ainda não se tinha filmado assim para televisão em Portugal. Mas elas fazem sentido. Não estão lá só para ser ousadas nem para dar o efeito. E não estão a mais: estão no tempero certo. Todas as personagens têm a sua história e depois têm esses momentos, que fazem parte da sua atividade e profissão.