Uma das melhores aberturas de sempre de um programa de televisão e, sem sombra de dúvida, a melhor de uma final do Festival da Canção da RTP aconteceu este sábado, 11 de março. Todos esperávamos a clássica entrada em palco dos apresentadores, quando recebemos uma informação dramática: os Jesus Quisto invadiram a RTP. Na verdade, foi antes um “takeover” — que “é a mesma cena, mas mais moderno”. Com o apoio de Serenella Andrade e a conivência de Tânia Ribas de Oliveira, a banda fictícia da série ‘Pôr do Sol’, conseguiu mesmo subir a palco.
“Vocês excluíram-nos do Festival, mas nós recusamos aceitar isso porque somos jovens!“, atirou o líder do grupo para os apresentadores Filomena Cautela, Vasco Palmeirim e Inês Lopes Gonçalves. “Não somos nós que mandámos, quem manda aqui é a Lenka”, explicou Vasco Palmeirim.
A eterna assistente do programa “Preço Certo” surgiu envolta num espectro de luz e com música angelical — nunca vi a Lenka ao vivo, mas acredito piamente que é isto que acontece cada vez que entra numa sala. Ainda assim, a banda conseguiu resistir ao “hipnotismo do reflexo da montra final”.
Já em palco, Jesus Quisto apresentaram o tema “For Win the Festivals”, acompanhados do Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras, violonistas, cantores de Gospel, tudo isto enquanto o led wall lançava “digital pombs from ass”. Os Jesus Quisto não ganharam o festival, mas ganharam o meu coração.
Breve parêntesis apenas para sublinhar o talento imenso de Filomena, Inês e Vasco. Este trio imbatível de comunicadores — juntamente com Nuno Galopim, nos bastidores — é, em grande parte, responsável por sacudir o estigma de um formato antes considerado piroso. Tornaram o Festival da Canção da RTP num programa apelativo para todos os targets, divertido e com muito boa onda. O tema “Ajude”, um cover de “Hey Jude” dos Beatles, com letra dos três, é prova disso mesmo: “remember, se houve um empate, o vencedor é o seu escolhido”. Parecia que estavam a adivinhar…
Num desfecho emocionante, em que o vitorioso da noite se decidiu até ao último segundo, Mimicat — que estava empatada com Edmundo Inácio — acabou ser a favorita do público. A cantora de “Ai Coração” foi a escolhida para representar Portugal na edição deste ano do Festival Eurovisão da Canção, em Liverpool.
Há que dizer que “A Festa” de Edmundo Inácio é também uma belíssima música, potenciada por uma interpretação muito encenada a lembrar um dos meus artistas favoritos, Stromae. Era, sem dúvida, uma fortíssima candidata à vitória. A sorte pendeu para a artista independente de 33 anos de idade que compôs o tema vencedor há 10 anos.
Antes de subir novamente ao palco para interpretar “Ai Coração”, Mimicat, com a pintura borrada em lágrimas de prata dedicou a canção a todos os underdogs que, como ela, esperaram anos por uma oportunidade. Mimicat — Marisa Mena — é uma artista dos pés à cabeça e merece todo este reconhecimento. Ainda bem para nós, resistiu às agruras de uma vida artística dura e tantas vezes solitária e nos deu uma oportunidade de celebrarmos com ela esta vitória dos underdogs.
“Ai Coração” é uma música divertida que podia fazer parte do próximo filme de animação da Disney e, apesar da letra fatalista se aproximar do fado, é tudo menos saudade — é desprendimento, é empoderamento. É, como diria La Féria, “ritmo e mão na anca”.
Mesmo que não ganhe em Liverpool, “Ai coração” já ganhou o seu lugar ao lado de outros clássicos do Festival da Canção. Aqueles — todos sabemos quais — que numa festa às três da manhã, quando o DJ os põe a tocar, toda a gente salta, dança e canta.
Parabéns Mimicat! Agora ruma a Liverpool com fé, senão em Deus, pelo menos em Jesus Quisto.