Talvez David S. Goyer seja um nome que lhe diga pouco. No entanto, estamos a falar do homem que escreveu os filmes “Blade”, concebeu os planos para a trilogia “O Cavaleiro das Trevas” do Batman ao lado de Christopher Nolan e foi o responsável por séries como “FlashForward”, “Da Vinci’s Demons” e Krypton”. Nenhum desses projetos, porém, chega perto do nível de ambição que reservou para “Foundation”.
Adaptada dos lendários livros de ficção científica de Isaac Asimov, a série avança para a segunda temporada, que estreou esta sexta-feira, 14 de julho, na Apple TV. Goyer tem à sua frente um projeto monstruoso: foi aprovado com a pretensão de ter oito temporadas, cada uma com dez episódios de uma hora. Ou seja, 80 horas de televisão, produzidas ao longo dos anos. É a primeira vez que alguém consegue arrancar com uma ideia semelhante, já que outras empresas tentaram fazer uma adaptação da série de livros “Fundação” sem sucesso.
A tentativa mais palpável foi em 2014, quando a HBO comprou os direitos para ter Jonathan Nolan (irmão de Christopher Nolan e um dos criadores daquela que seria a série de “Westworld”), como principal responsável pelo projeto. Porém, a ideia acabou por não avançar.
Goyer, porém, não se deixou intimidar pelo volume de trabalho que teria pela frente nem pelo histórico de fracassos. Da mesma forma que o experiente guionista não ficou embasbacado quando os executivos da Apple lhe pediram para resumir “Foundation”. “É um jogo de xadrez que dura 1000 anos entre Hari Seldon [o protagonista] e o Império, e todas as personagens pelo meio são peões, só que alguns ao longo da saga vão tornar-se reis e rainhas”, respondeu aos responsáveis.
De resto, tanto o seu passado com os irmãos Nolan como a necessidade de explicar narrativas complexas intercruzam-se. Fã incondicional de banda desenhada, Goyer já tinha um currículo respeitável na indústria a trabalhar em produções à volta de super e anti-heróis quando foi convidado a planear a trilogia Batman de meados dos anos 2000. O cineasta escreveu o guião de “Batman – O Início” e pensou as histórias de “O Cavaleiro das Trevas” e “O Cavaleiro das Trevas Renasce”.
O sucesso destes filmes elevou Christopher Nolan a um nível estratosférico e coroou Goyer como um dos grandes contadores de histórias modernos. No entanto, se a total ausência de conhecimento de Nolan quanto ao universo da banda desenhada permitiu-lhe abordar esta trilogia de uma forma fresca, também o obrigou a tatear no escuro. Teve de ser Goyer a guiá-lo.
“O Chris nunca tinha lido livros de banda desenhada: não conhecia o seu universo. Por isso confiou em mim para saber o que era cânone, o que podia ser alterado ou não”, contou numa entrevista ao “The Guardian” em 2013. Para que se tenha noção, o realizador não sabia que o cinto utilitário era algo absolutamente vital no fato de Batman e que era sempre amarelo.
O guionista correu por todas as bandas desenhadas do Batman e anotou os temas e os elementos-chave que se mantiveram ao longo de 70 anos e sobreviveram às sucessivas reinvenções da personagem. “Identifiquei 10 coisas que colaram desde sempre, mandei-as ao Chris e disse-lhe ‘estes são os 10 mandamentos, se os respeitarmos, estaremos bem”, partilhou.
Como ordenar o caos de Asimov?
Não foi por falta de talento ou capacidade que no passado se falhou em adaptar “Fundação” a um formato visual. A sequência de livros é notoriamente difícil de seguir, já que se compõe de novelas e contos com saltos temporais abruptos ao longo de 1000 anos para a frente e para trás. Se essa falta de linearidade já é confusa só para quem lê, imagine-se para quem quer ordená-la numa série televisiva.
A premissa da história é esta: um matemático e psicólogo brilhante chamado Hari Seldon cria e desenvolve o campo da psicohistória. Permite que o futuro possa ser previsto — não individualmente, mas relativamente à humanidade no geral. Desta forma, Seldon descobre a verdade aterradora que o Império galático que existe há 12 mil anos vai cair.
Isso vai levar a que haja uma espécie de idade das trevas que prolongar-se-á durante 30 mil anos. Estes grandes acontecimentos são inevitáveis, mas o período pode ser bastante reduzido. Seldon acredita que os 30 mil anos podem tornar-se apenas mil se for criado um repositório do conhecimento humano que possa servir de fundação — “Foundation” — a uma futura nova civilização.
A propósito da primeira temporada, Goyer enumerou várias dificuldades em adaptar “Fundação” a uma série. Uma das principais é o facto das histórias “não serem particularmente emocionais, são livros sobre ideias e conceitos, muita da atenção ocorre passivamente, entre capítulos. Isso nunca iria funcionar em televisão”, afirmou ao “The Hollywood Reporter.
Querendo manter o espírito original, o argumentista teve de fazer grandes alterações. Embora a premissa e as personagens sejam as mesmas, muitos papéis foram completamente aprofundados para a série, para terem mais dimensão e relevância, passados, contextos e intenções. Além disso, várias personagens tiveram o género e etnia trocados relativamente ao livro.
Apesar de ter atingido sucesso suficiente para ser aprovada esta segunda temporada, a primeira foi marcada por algumas críticas. A maior delas todas foi o facto da história, mesmo com o esforço de adaptação, ser demasiado complexa para quem não conhecia os livros ou não acompanha ficção científica. O próprio guionista reconhece que o impacto inicial com este universo pode ser inacessível para muitos espectadores.
Para esta temporada, Goyer promete um tom mais ligeiro e divertido sem perder as questões filosóficas que caracterizam o trabalho de Asimov. “Já tratamos de toda a exposição, e agora que já conhecemos a história, Hari Seldon, a Fundação e explicámos o que é a dinastia genética, podemos acelerar e, francamente, divertir-nos bastante mais”, admitiu ao “CBR”. “Todas as grandes ideias continuam lá, mas quisemos mais romance, mais ação, mais novela no melhor sentido da palavra, e não ter o peso de explicar tanto contexto”, acrescenta.
Os acontecimentos da segunda temporada ocorrem 138 anos volvidos sobre a primeira. Com a Fundação já espalhada por oito planetas e a aumentar a sua influência, vai entrar em guerra com o Império. Sendo uma trama mais simples de seguir, as primeiras críticas já começaram a refletir isso, sendo até à data elogiosas. É “grande, bela e friamente fascinante”, afirma a revista “Empire”.
O seu elenco volta a contar com Jared Harris, Lee Pace, Lou Llobell, Laura Birn, Terrence Mann, Alfred Enoch ou Leah Harvey, entre outros.
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