A última década tem reforçado cada vez mais a tendência para a indústria de Hollywood tentar aproveitar as produções de sucesso através de spinoffs, remakes, reboots ou sequelas. Na melhor das hipóteses, são desnecessárias do ponto de vista artístico, mas podem render grandes fortunas se bem concretizadas. Muitas vezes não o são. Ainda assim, o fenómeno é real e também terá sido o que levou a que houvesse latente quase uma exigência para que “Friends” regressasse de alguma forma.
A icónica comédia da NBC estreou em 1994 e terminou dez temporadas depois, em 2004. Bateu recordes atrás de recordes, mas não se tornou de todo uma série obsoleta. Na era do streaming, foi uma das séries mais vistas de sempre na Netflix — e também foi descoberta por gerações que, pela idade, não podiam ter acompanhado a sitcom durante os anos em que esteve no ar.
Produzida e distribuída originalmente pela Warner Bros. — que pertence à mesma corporação que a HBO — terá sido isso que levou a que os direitos de transmissão de “Friends” fossem adquiridos nos últimos anos por esta plataforma de streaming. E foi assim que se começou a pensar num possível regresso de “Friends”. O resultado não foi, ao contrário de outros casos, um filme ou um episódio especial da história. Apostou-se antes num formato inusitado de “Friends: The Reunion”.
Estreou mundialmente a 27 de maio — um ano depois do previsto, já que o objetivo inicial era que o especial coincidisse com o lançamento da HBO Max nos EUA (plataforma da empresa que também chega a Portugal ainda este ano). A pandemia obrigou ao adiamento das gravações, mas a reunião de uma hora e 39 minutos já está disponível para todos os fãs.
Quando olhámos para a lista bizarra de convidados que iam participar em “Friends: The Reunion” — com figuras sem qualquer ligação com a série, que iam desde Justin Bieber a David Beckham, passando por Lady Gaga ou Malala Yousafzai — tememos o pior. Mas o realizador e produtor Ben Winston concebeu um especial multifacetado que, no geral, funcionou muito bem.
A reunião conjuga uma série de momentos e registos bem entrosados que tornam este especial televisivo em algo que consegue acrescentar algum valor — não só aos fãs de “Friends”, como a toda a indústria da televisão, tendo em conta a montagem do programa.
David Schwimmer, Matt LeBlanc, Jennifer Aniston, Lisa Kudrow, Courteney Cox e Matthew Perry reuniram-se todos apenas pela segunda vez desde que a série terminou — e depararam-se com a recriação dos décors, ao detalhe, no estúdio Stage 44, em Burbank, na Califórnia, onde tudo aconteceu. É um momento de pura nostalgia que nos leva a percorrer várias histórias e curiosidades contadas pelos atores — e que também leva os fãs a entender a dinâmica e química natural do grupo, que foram “família” pelo menos durante dez anos.
É naquele décor, do apartamento de Monica, que os atores vão fazer uma série de atividades. Houve uma recriação de um quiz, mas desta vez centrado na série; houve uma leitura de guião de cenas icónicas de diversos episódios; e houve espaço para participações especiais (e relâmpago) de outras pessoas que participaram na comédia, desde Tom Selleck a Thomas Lennon, passando por Larry Hankin.
Além disso, houve uma conversa moderada por James Corden, em frente da icónica fonte do genérico, com uma plateia de fãs a assistir — que talvez tenha retirado algum do intimismo do momento, embora “Friends” tenha sido sempre gravada com público. Ao mesmo tempo, percebe-se a conveniência de existir uma multidão a assistir, já que entre ela estavam outras figuras que foram participando aqui e ali, de forma muito breve, como Elliott Gould e Christina Pickles, ou os criadores da série, David Crane, Marta Kauffman e Kevin Bright.
Estes três produtores também aparecem a dar entrevistas em diversos segmentos sobre a criação de “Friends”, explicando os desafios que tiveram na altura, como foi difícil escolher os seis atores e como a série se tornou rapidamente um enorme fenómeno de popularidade. Há aqui também um registo meio documental, com muitas imagens de arquivo, que tornam este especial em algo composto e enriquecedor.
Ao longo deste especial são recordadas várias histórias — algumas das quais já conhecidas — que vão desde o momento em que Matt LeBlanc apareceu com o nariz todo ferido para a sua última audição, até ao incómodo que era para David Schwimmer trabalhar com Marcel, o macaco. A maior revelação terá mesmo sido que David Schwimmer e Jennifer Aniston tinham uma “paixão” um pelo outro, nunca consumada, até porque na vida real tiveram em diversas relações durante a série e acabou por nunca acontecer nada — e há aqui um óbvio paralelismo com as personagens de Rachel e Ross em “Friends”.
Logicamente, este especial — para o qual os atores devem ter sido pagos, segundo a “Variety”, com um cheque equivalente a mais de dois milhões de euros, cada um — foi muito bem controlado, tendo em conta os temas referidos. Foi uma celebração de “Friends” e nunca se falou de assuntos mais incómodos, como os problemas de Matthew Perry com o álcool e as drogas (algo que já vinha das gravações da série), de como David Schwimmer reuniu os colegas nas últimas temporadas para juntos exigirem um pagamento mais elevado, ou, por exemplo, do processo judicial de assédio sexual que uma argumentista interpôs após a conclusão da série. Nem se fala das escolhas criativas que poderiam ter sido melhor feitas — ou o que mudariam se pudessem fazer a comédia novamente. O spinoff “Joey” também não foi mencionado. O registo era claramente outro: de nostalgia e glorificação pura, que servisse os principais rostos da série e os fãs incondicionais.
A maioria dos convidados acabou por participar em segmentos com alguma lógica, embora tenha havido aparições completamente desnecessárias — como a parte em que Lady Gaga canta com Lisa Kudrow ou quando Justin Bieber aparece vestido de batata numa espécie de desfile de moda com alguns dos figurinos mais icónicos de “Friends”. Cindy Crawford e Cara Delevingne também participam. Por alguma razão, Kit Harington, estrela de “A Guerra dos Tronos”, também aparece a dizer que se sente como Monica. É caso para dizer que houve cameos bastante forçados que não acrescentaram nada.
Embora estas escolhas duvidosas, “Friends: The Reunion” é claramente um especial bem produzido, que cumpre os seus objetivos e que deixou ainda clara a mensagem de que não faz sentido regressar com a história de “Friends”, tendo em conta os anos que passaram e os finais felizes a que cada personagem teve direito. Mais vale não remexer naquilo que foi bem feito e, se é para recuperar e celebrar o passado, talvez uma reunião destas seja uma opção muito melhor do que um qualquer spinoff, remake, reboot ou sequela que só iria arruinar a magia original.