“Os políticos são todos iguais.” A frase tornou-se num lugar comum na maioria das discussões políticas, nas quais invariavelmente alguém argumenta que não seria difícil fazer melhor do que “os que lá estão”.
Ora, o britânico Channel 4 decidiu, literalmente, pagar para ver e desafiou 12 concorrentes a participarem num concurso que irá “eleger um primeiro-ministro alternativo”. “Make Me Prime Minister”, ou “Façam de Mim Primeiro-Ministro”, é o novo reality show que estreou a 27 de setembro e traz um conceito novo.
Esqueça tudo o que está farto de ver. Casamentos improvisados, namoros com agricultores, jovens a transbordar de hormonas fechados 24 horas numa casa. Nada disso tem lugar no novo concurso britânico.
O que se pede é muito simples: que os críticos saiam do sofá e experimentem os desafios de criar políticas, apresentá-las ao público, enfrentar a imprensa e, no fim, ser sujeito a um sufrágio onde o resultado nem sempre é justo. E o que é isso de justiça? É uma dura lição que cada um dos concorrentes enfrenta desde o primeiro minuto.
Como diria o nosso próprio primeiro-ministro, “vamo’lá ver uma coisa”: este programa é entretenimento puro, não há dúvidas disso; mas coloca em cima da mesa questões que raramente são debatidas neste tipo de programas. Chamemos-lhe uma oportunidade educativa — o que é um elogio que raramente pode ser visto a rondar os reality shows despejados em catadupa na televisão portuguesa.
As diferenças começam logo pelos apresentadores. A dupla é formada por Alastair Campbell, jornalista e estratega político que foi “o rottweiler de Tony Blair” durante o seu comando do Partido Trabalhista; e por Sayeeda Warsi, advogada e antiga vice-presidente do Partido Conservador e ministra no governo de David Cameron.
É entre eles que surgem os comentários mais preciosos de humor, sempre com a ocasional alfinetada aos políticos britânicos. Além de saberem do que falam, ajudam o formato a fugir aos clichés deste tipo de programas — o que é, por si só, refrescante.
No lote de concorrentes há um pouco de tudo, de uma ex-presidiária a uma aluna de Oxford, de uma cabeleireira até uma “orgulhosa brexiteer” que é a fã número um de Margaret Thatcher. E tal como na vida real, o grupo é dividido em dois partidos.
Cada grupo tem, assim, que escolher um primeiro-ministro para o desafio de cada episódio. Se ganharem, ninguém é expulso. Se perderem, o líder tem duas opções: assumir a derrota, demitir-se e abandonar o programa; ou agarrar-se à cadeira, justificar-se e deixar a decisão para os apresentadores.
É aqui, então, que se afiam as facas e se esgrimem argumentos, tudo pela sobrevivência política. Mas antes, é preciso atacar a criação de novas políticas, de reformas, de enfrentar os desafios habituais.
A educação é o primeiro desafio lançado aos potenciais ministros, sendo que, em apenas um dia, teriam que apresentar uma medida reformista da educação, desenhar a sua aplicação e, por fim, como iria ser apresentada à imprensa e ao público.
“Vamos pôr as crianças primeiro”, justifica-se um perante o apresentador. “E alguém ousaria afirmar que quer colocar as crianças em último lugar?”, rebateu Alastair, que imediatamente repôs o silêncio na sala.
Se a escolha de dois nomes experientes da política foi certeira, a dose repete-se no momento de encenarem os eventos de apresentação à imprensa. Frente a frente com os candidatos a primeiro-ministro estão jornalistas e editores de alguns dos maiores jornais britânicos. E tudo é levado muito a sério.
O resultado, na verdade, não anda muito longe da realidade. Os partidos encenam apresentações originais e colocam os seus líderes entre as crianças, vestidos de robôs ou a dançar com grinaldas, para deleite dos jornalistas, que infernizam os assessores. “Claro que eles não querem uma boa foto. Querem é uma foto em que ele pareça ridículo”, adverte a velha raposa Alastair.
Dito e feito. No dia seguinte, os partidos são confrontados com as manchetes realistas, escritas pelos jornalistas. E nem as gafes e os comentários ouvidos à socapa escapam. O arraso é total.
Por fim, o teste de fogo, o debate público entre os dois líderes de cada partido, onde podem esgrimir argumentos e responder a questões do público. No final, a audiência vota e elege a proposta e o líder que mais gostariam de ver no comando.
O reality show que está presentemente no ar — e ainda indisponível em Portugal — ataca outros temas cruciais como a saúde ou, no episódio mais recente, uma série de crises nacionais, com protestos, por exemplo, sobre o aumento do custo de vida. Temas atuais, pertinentes e que podem e devem ter lugar num reality show, que não tem que ser, como o é tantas vezes, um exercício de entretenimento pouco educativo.
Embora os temas sejam abordados de forma superficial — e, como muitos críticos oportunamente apontam, se tenda a infantilizar e menorizar a política e o seu debate —, é Warsi quem acerta em cheio no grande mérito do reality show. “O que esta competição vai fazer é acender um debate sobre o que nós pretendemos dos nossos políticos.”
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