Romain Gavras mergulhou na obsessão dos problemáticos bairros franceses dos subúrbios em 2008, com um violento videoclipe para “Stress”, da dupla de música eletrónica Justice. Voltou a repetir a dose em 2012, já num cenário ainda mais elaborado, para o tema “No Church In The Wild”, de Kanye West.
O tema é transversal e aborda a rebeldia de uma juventude pobre e incompreendida, cheia de raiva contra a autoridade, a polícia, que é vista como o inimigo. É precisamente esse cenário que o realizador francês agarra novamente, naquela que é apenas a sua terceira longa-metragem, “Athena”.
O filme, que estreou na Netflix a 23 de setembro, conta com um argumento assinado por Gavras, em parceria com Elias Belkeddar e Ladj Ly. Em poucos dias, ascendeu ao top da plataforma e é um dos mais vistos em Portugal.
A hábil e estonteante câmara de Gavras leva-nos até à pequena comunidade de Athena, um bairro social igual a tantos outros que compõem os subúrbios das grandes metrópoles francesas. O clima é de guerra civil, provocada por uma morte trágica, que replica com fidelidade o ambiente tenso que se vive no país.
A erupção é provocada pelo vídeo de Idir, um jovem de 13 anos que é agredido até à morte por vários indivíduos com a farda da polícia. As autoridades não confirmam nem desmentem a autoria do crime e pedem calma. Ao seu lado têm Abdel (Dali Benssalah), irmão da vítima, oficial militar condecorado que cresceu e viveu no bairro de Athena. É sobre ele que recaem as esperanças de que a explosão de raiva atire a cidade para a beira de um conflito total.
Do outro lado está Karim (Sami Slimane), irmão de Abdel e Idir, o inconformado líder da revolta de Athena, que se transforma numa espécie de castelo medieval, num confronto com a polícia de choque. “Quando eles nos atacam, nós atacamos de volta. Quando eles matam, nós matamos”, avisa.
Os protestos alastram-se a várias cidades de França, onde as comunidades marginalizadas aproveitam a inspiração de Athena para marcar uma posição firme sobre a habitual brutalidade policial. Abdel, Karim e Moktar, o outro meio-irmão, são as faces mais visíveis do complexo ecossistema dos bairros problemáticos, onde famílias e jovens revoltados coabitam com a injustiça, a pobreza e a discriminação, num equilíbrio perigoso.
Karim e o seu exército querem apenas uma coisa: que a polícia entregue os nomes dos agentes culpados pela morte. Mas, como sempre, nem tudo tem uma resposta a preto e branco.
Gavras apoia-se no diretor de fotografia Matias Boucard para compor um filme visualmente magnífico — os longos takes sem cortes, com recurso a drones, são estonteantes. Tudo foi feito no terreno, sem recurso a efeitos enganadores.
“Não há quaisquer efeitos especiais no filme, tudo aconteceu realmente. O planeamento foi quase militar, preciso, para podermos criar o caos à frente da câmara”, revela à “CNN” o realizador. Filmado e pensado para ser visto em IMAX, por cá terá que ser apreciado nos ecrãs caseiros.
É um confronto sem tréguas que arranca nos primeiros minutos e se prolonga até ao final dos quase 100 minutos de filme. Uma espécie de “épico”, nas palavras de Gavras, que cita como inspiração “Apocalypse Now” de Coppola ou “Ran — Os Senhores da Guerra” de Akira Kurosawa.
Um apaixonado pela música, sobretudo pelo toque francês da eletrónica, Gavras recrutou Surkin. O DJ e produtor de 37 anos criou o complemento perfeito para a desvairada câmara do realizador. E tudo parecia quase perfeito, embora a crítica aponte para o argumento como a grande falha de “Athena”. Ainda assim, o filme parece não querer sair do top dos mais vistos.
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