Duas das mais icónicas sagas de fantasia medieval voltaram no espaço de duas semanas. “House of the Dragon”, a prequela de “A Guerra dos Tronos”, chegou à HBO Max a 22 de agosto. “Os Anéis do Poder”, a prequela dos filmes de “O Senhor dos Anéis”, estreou na Amazon Prime Video a 2 de setembro. As comparações são inevitáveis — ainda que também possam ser injustas em vários aspetos.
O legado de J. R. R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, é enorme. É uma das referências maiores no campo da fantasia, tendo criado um rico universo que se expande através de múltiplos livros que se complementam. A sua influência em inúmeras sagas é incontornável. E George R. R. Martin é um dos muitos atores que se inspiraram na sua obra para escrever as suas histórias e criar os próprios mundos.
Entre 2001 e 2003, Peter Jackson adaptou a trilogia de “O Senhor dos Anéis” e deu uma maior dimensão ao universo. No total, os filmes foram nomeados para 30 Óscares e tornaram-se tremendos êxitos de bilheteira. Além de serem suficientemente fiéis aos livros, materializavam com pompa e circunstância um mundo enorme que os fãs só conheciam em papel. São três épicos de fantasia que marcaram o cinema no início do século XXI.
Quando os livros de “A Guerra dos Tronos” foram adaptados à televisão, em 2011, quase ninguém esperava que se tornasse numa das séries mais conceituadas (e vistas) de todo o planeta. Venceu prémios atrás de prémios, conquistou milhões de espectadores e representou até uma mudança no paradigma da indústria: a valorização da televisão face ao cinema. Oito temporadas depois, quando a produção terminou em 2019, não havia dúvidas: era o fenómeno de cultura pop da década.
Portanto, chegamos a 2022 com o seguinte panorama: “O Senhor dos Anéis” inspirou “A Guerra dos Tronos”, mas é inevitável que a série da HBO não tenha também marcado a nova prequela produzida pela Amazon. Ao longo dos anos, apesar das várias diferenças, os dois mundos influenciaram-se um ao outro. E, agora sim, podemos comparar “House of the Dragon” e “Os Anéis do Poder”.
Alegadamente, a nova série de “O Senhor dos Anéis” é a mais cara de sempre. Apesar de a Amazon não ter divulgado oficialmente os valores de produção, nunca nenhum outro projeto televisivo de ficção custou tanto por episódio. Como a NiT escreveu na crítica aos dois primeiros capítulos, o orçamento astronómico nota-se em todos os detalhes. Em “Os Anéis do Poder”, o mundo de Tolkien volta a ganhar vida através de cenários deslumbrantes, sejam as cidades dos elfos, o reino dos anões, ou as montanhas gélidas onde a protagonista Galadriel procura pelos orcs de Sauron.
Neste campo, “House of the Dragon” também não falha. A direção de fotografia, a caracterização, a montagem, os efeitos especiais, enfim, está tudo irrepreensível. A diferença é que a prequela de “A Guerra dos Tronos” tem uma estética mais obscura e áspera, enquanto “Os Anéis do Poder” apresenta um tom mais fantasioso e até inocente. Nem as ocasionais incursões pelos covis dos orcs e companhia conseguem ter a sujidade de “House of the Dragon”.
Esta é uma das grandes diferenças entre os dois projetos e é notória em diversos aspetos. Enquanto “House of the Dragon” foi feita como uma série para adultos, com elevadas doses de violência explícita e algum sexo (dois elementos explosivos fulcrais para o sucesso da série mãe), “Os Anéis do Poder” é uma produção de fantasia a pensar num público a partir dos 13 anos.
Talvez o objetivo fosse ser produzir uma série mais abrangente, que pudesse ser vista por toda a família, mas depois de “A Guerra dos Tronos”, que trouxe sentido de realidade — por mais dura que seja — à fantasia medieval, a abordagem de “Os Anéis do Poder” parece frouxa.
Os filmes de “O Hobbit”, por mais bem feitos que sejam, já apostavam nesta linguagem mais juvenil face à trilogia de Peter Jackson. Mas a série da HBO estabeleceu uma fasquia mais brutal que enfraquece a leveza da série de “O Senhor dos Anéis”. O que não quer dizer, claro, que “House of the Dragon” seja perfeita no que diz respeito a esta componente. Por vezes, parece basear-se demasiado nos artifícios da violência explícita para sustentar o desenvolvimento da narrativa.
Curiosamente, ambas padecem do mesmo mal e enfrentam desafios semelhantes. As personagens das prequelas não parecem, a julgar pelos primeiros episódios, tão envolventes e cativantes como as figuras que conquistaram os fãs nas sagas originais. “Os Anéis do Poder” conta com algumas personagens de “O Senhor dos Anéis”, visto que os elfos levam vidas de milhares de anos, mas os papéis não são suficientes para um grande efeito de identificação. E as personagens de “House of the Dragon” parecem ser, apesar de tudo, mais bem construídas.
Ambos os projetos terão também de conseguir encontrar a própria voz — conseguir viver bem na sombra da saga original será sempre um desafio. “House of the Dragon” pode ser mais parecida com “A Guerra dos Tronos”, mas a memória da série mãe também está muito mais presente. Nesse sentido, “Os Anéis do Poder” pode beneficiar de um fôlego maior. Mas a chave está na qualidade do desenvolvimento da narrativa e das personagens. A julgar pelo que já vimos, apostamos as nossas fichas em “House of the Dragon”. Não alimentamos grandes esperanças, mas adorávamos ser surpreendidos por “Os Anéis do Poder”.
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