Parecia um casamento de sonho. De um lado, “The Witcher”, a famosa série de livros de fantasia do polaco Andrzej Sapkowski adaptada numa sequência de videojogos ainda mais bem sucedida. Do outro, Henry Cavill, 40 anos, ator britânico em ascensão e assumido fã incondicional da saga. Juntaram-se numa adaptação da Netflix que se tornou numa das séries mais vistas de sempre na plataforma.
Apesar da temporada de estreia ter sido arrasada pela crítica, começou a entrar nos eixos e tudo indicava que Cavill iria encarnar Geralt de Rivia, o protagonista, para todo o sempre. No entanto, a terceira temporada de “The Witcher” é a última com o ator. Dividida em duas partes, a primeira (com cinco episódios) estreou a 29 de junho, ao passo que a segunda só sai a 27 de julho (com mais três episódios).
O anúncio da saída de Cavill de “The Witcher” foi feito em outubro de 2022, com Liam Hemsworth a ser chamado para substituí-lo. “A minha jornada como Geralt foi preenchida com monstros e aventuras e, portanto, irei agora pousar o meu medalhão e as minhas espadas para a quarta temporada”, escreveu na nota de despedida. “No meu lugar, ficará o fantástico Liam Hemsworth (…) Tal com as maiores personagens literárias, passo a tocha com reverência pelo tempo que passei a encarnar Geralt, e com entusiasmo por ver o Liam abraçar este homem fascinante e recheado de nuances.”
A troca, porém, nunca foi bem explicada. Especulava-se que se devia ao compromisso de Cavill em continuar a ser o Super-Homem da DC ou porque teria sido escolhido para ser o próximo James Bond. Todavia, volvidos oito meses, ainda nada foi dito quanto às aventuras de 007 e o britânico informou que ia deixar de interpretar o super-herói. Terá sido um timing azarado, ou houve outras razões para abandonar um dos seus maiores papéis?
Entre desavenças e rumores
Se não é assim tão comum um ator deixar um papel ao qual ficou intrinsecamente ligado, no caso de Cavill a situação é ainda mais estranha. O ator, que se assume como um enorme nerd, referiu múltiplas vezes que interpretar Geralt era um sonho tornado realidade, dado que é um fã incondicional da saga “The Witcher”, tanto dos jogos como dos livros de Andrzej Sapkowski.
Cavill fez tudo para ficar com o papel — todos os dias ligava ao agente para saber se o seu casting tinha sido aprovado. O ator contactou mesmo a Netflix assim que soube que o projeto ia avançar, numa fase em que o guião não estava sequer escrito. Apesar de terem feito 207 audições antes da sua, mas o britânico foi o escolhido para o papel. Interpretando um caçador de monstros num mundo de fantasia, atirou-se de cabeça ao papel, treinando intensamente as cenas de luta — inclusive com espada.
Apesar da má receção da primeira temporada, Cavill assumiu o compromisso de fazer pelo menos sete. Facto que torna ainda mais incompreensível a saída, que nunca foi verdadeiramente explicada. Sem uma justificação oficial, começaram a surgir os rumores. O mais notório e que mais títulos gerou foi espalhado pelo podcast de mexericos “Deux U”. De acordo com um “documento anónimo”, Cavill foi despedido por estar sistematicamente em desacordo com a produtora executiva da série, Lauren Hissrich.
No documento é mencionado que “todos os chefes de departamento começaram a queixar-se” de Cavill e que este começou a ter comportamentos inapropriados durante as filmagens. “Começou a fazer comentários. Não era algo sexual, não agarrou ninguém ou a ser obsceno, mas era desrespeitoso e tóxico”. Além disso, era mencionado que a sua conhecida paixão por videojogos começou a tornar-se num vício incontrolável.
Em sentido inverso, foi promovida a ideia de que o ator começou a ficar desgostoso com o rumo da série, que começou a desviar-se do ambiente de que foi adaptada. Beau DeMayo, antigo produtor e guionista de “The Witcher”, alegou, sem mencionar nomes, que “alguns dos argumentistas não gostavam dos livros e dos jogos (chegando mesmo a gozar com o material original). É uma receita para o desastre e para a desmoralização. Tens de respeitar o trabalho antes de poderes acrescentar-lhe algo”, afirmou.
O próprio ator disse em entrevistas que o mais difícil para si no decurso das gravações foi “encontrar o equilíbrio entre a visão dos produtores e o meu amor pelos livros, e entrar trazer-lhes esse Geralt. É uma linha ténue”. “Não queria necessariamente mais diálogo. Queria trazer um Geralt mais próximo dos livros para o ecrã. Todos os meus pedidos foram no sentido de sermos mais fieis ao material original”, mencionou.
Não foi o que aconteceu, por exemplo, no final da segunda temporada, que se desviou bastante da história contada nos livros. É aqui que regressamos ao compromisso de fazer sete temporadas assumido pelo ator. Cavill tinha feito desde logo uma ressalva: apenas manter-se-ia Geralt “enquanto continuarmos a contar ótimas histórias que honrem o trabalho de Sapkowski”. Perante esta promessa, parece fazer mais sentido a ideia de que decidiu sair quanto deixou de se rever no trabalho.
Hissrich — que já trabalhou em projetos como “Daredevil”, “The Umbrella Academy”, “Power” e “Os Homens do Presidente” — também revelou pouco. Aliás, a produtora foi algo críptica quando confrontada pela revista “NME” sobre a saída de Cavill. “É óbvio que nunca saberemos exatamente porque é que Henry saiu, mas posso dizer que foi uma relação de respeito mútuo”, admitiu. No entanto, nessa mesma conversa, tida em dezembro, pediu para que apenas se voltasse a falar no assunto “daqui a seis meses”. O prazo parece apontar para a estreia desta nova temporada, ou seja, que a verdade só seria conhecida quando os laços com o ator fossem finalmente cortados.

O que se segue para Geralt e Cavill?
No atual ciclo de promoção a “The Witcher” não houve ainda grandes clarificações. O elenco, por um lado, admitiu que só soube da saída de Cavill quando tinham acabado de gravar a terceira temporada e que foi a Hissrich e não o ator a transmitir essa informação. Já a equipa de produção garantiu que a transição entre o britânico e Hemsworth vai ser “perfeita” e que estão a trabalhar numa forma da mudança fazer sentido a nível narrativo. Um dos responsáveis, Steve Gaub, comparou este caso com a rotação de atores que ocorreu ao longo dos anos em sagas como a “James Bond”, “Homem-Aranha” ou “Doctor Who”.
“Henry deu-nos três temporadas incríveis como Geralt, mas há tantas sagas que já tiveram protagonistas muito fortes e eventualmente, seja por razões pessoais ou mesmo pela passagem do tempo, o ator muda”, afirmou à RadioTimes. A grande incógnita de momento é perceber como essa transição ocorrerá. Nos exemplos citados por Gaub, a mudança de ator não ocorreu na mesma linha temporal narrativa. Ou, no caso de “Doctor Who”, há uma razão lógica na história para o protagonista tornar-se noutra pessoa — é um extraterrestre que apenas assume um corpo humano e que, quando este se degrada, transforma-se noutro.
Será curioso entender como a Netflix descalça esta bota, já que não há saltos temporais de maior na história apresentada nos livros que servem de base a “The Witcher”. Não há multiversos nem vários personagens chamados Geralt de Rivia para justificar o aparecimento de uma pessoa diferente. É por isso, que tanto fãs como críticos têm mostrado algum ceticismo relativamente ao futuro com Hemsworth.
Quanto a Henry Cavill, apesar da saída amarga, o ator já tem com que se entreter. Pouco após deixar “The Witcher” e “Super-Homem”, foi anunciado que o britânico com tanto de nerd quanto de imponência física vai dedicar-se a outro universo de fantasia. Cavill vai produzir e protagonizar uma série passada no universo de “Warhammer 40k”, o mais popular jogo de miniatura do mundo. Trata-se de um franchise com dezenas de vídeojogos e livros, milhares de figuras e uma história vertiginosamente complexa que se passa num futuro distópico com uma guerra perpétua entre várias raças espaciais.
“Durante 30 anos sonhei ver o universo de Warhammer realizado. Agora, com 22 anos de experiência nesta indústria, sinto que tenho finalmente as capacidades para materializá-lo”, afirmou. A série vai também ser produzida numa nova casa para o ator, a Amazon.