Neve é uma mulher negra de classe alta que vive numa pequena cidade suburbana. Tudo parece perfeito: o emprego, a vida amorosa, a felicidade. O cenário muda de figura quando duas personagens misteriosas começam a aparecer por todo o lado.
É este o ponto de partida de “Dois Estranhos”, o filme que chegou à Netflix a 22 de fevereiro e que ascendeu aos primeiros lugares do top dos mais vistos, onde já ocupou o primeiro lugar. Um thriller dramático que promete deixar os telespectadores desconfortáveis.
O filme marca também a estreia de Nathaniel Martello-White, ator que concretiza assim o primeiro filme no papel duplo de argumentista e realizador. No papel de protagonista conta com Ashley Madekwe, atriz que participou em séries como “The Umbrella Academy” ou “Revenge”, apoiada num elenco de nomes pouco conhecidos como Michael Warburton, Caroline Martin e Maria Almeida.
Segundo o criador do filme, as influências são mais do que notórias e vão de “Foge”, de Jordan Peele, a “Brincadeiras Perigosas”, de Michael Haneke. Ainda assim, há outra inspiração menos óbvia, uma história real ouvida por Martello-White da boca da sua própria mãe.
“Era sobre uma mulher que essencialmente negava o facto de ter dois filhos negros. Ela também tinha dois filhos que tinham pele clara, quase que passavam por brancos, e esta mulher era birracial. E eu fiquei preso na complexidade dessa história, no que faria alguém ter essa vontade de apagar o seu passado, de o negar”, contou numa entrevista à “Radio Times”.
A velha história levou-o a sentar-se e falar-com a mãe. “Tive uma interessante conversa com ela sobre trauma geracional e ela falou-me sobre as suas experiências como uma mulher birracial, como foi atravessar diferentes culturas e classes, onde por vezes era percecionada como quase branca, e a forma como era tratada pelas pessoas.”
“Depois havia quase sempre um pequeno lapso e lá surgia uma micro agressão ou algo do género, o que é, na verdade, algo realmente ofensivo ou chocante”, esclarece Martello-White, que cruzou a ideia com o facto de ter visto a obra de Jordan Peele, para decidir fazer disso o seu primeiro grande projeto a solo.
Para a atriz principal, o filme vai mais longe. O thriller que toca no género do terror aborda também o luto, a luta de classes e a maternidade. “O Nathaniel quer que tenhamos uma conversa sobre identidade, raça, cultura, síndrome do impostor, todas essas coisas.”
Apesar do sucesso nas visualizações, “Dois Estranhos” não tem tido vida fácil entre os críticos, profissionais e amadores. Estabelece-se no agregador “Rotten Tomatoes” com uma razoável nota de 71 por cento, mas com uns terríveis 21 por cento atribuídos pelos telespectadores.
A produção britânica é descrita pelo “The Guardian” como responsável por um “intrigante estudo de raça, privilégio e dificuldade na mobilidade social dos negros britânicos”, até que “acaba por desistir” desse intento. Teve direito apenas a duas estrelas em cinco.
Já o crítico do “The Wall Street Journal” elogia a prestação de Madekwe, cuja prestação “domina o filme”. “É sobre o seu rosto eloquentemente expressivo de que depende Martello-White para suportar grande parte deste filme.”