Se há pessoa que gosta de fazer zapping sou eu. Agora, Sá Pessoa que cozinha bem, é o chef Henrique. Eu cozinho muito pouco, mas zapping faço muito. O bom do zapping é poder navegar tranquilamente entre canais sem nunca ficar preso a nenhum. É uma atividade relaxante que recomendo a toda a gente porque funciona quase como uma meditação. Claro que algumas distrações podem interromper o processo. No meu caso são apenas duas: quando passo pelo TLC e quando está a dar “O Preço Certo”, na RTP1.
O TLC é tramado. Bastam poucos segundos para captar a nossa atenção e o cérebro ludibria-nos a acreditar que pode ser realmente muito interessante ficar a ver o casamento entre um cavalo anão e uma senhora de 70 anos com síndrome de Lobisomem. Por acaso até acabou por ser uma história bonita porque o cavalo era de uma família super conservadora e no final mostrou que o amor prevalece. Já “O Preço Certo” é um género de guisado no forno que comemos em casa da nossa mãe e que só ela sabe fazer daquela maneira. Não conseguimos dizer não e no final ficamos sempre aconchegados.
Em Portugal, o programa estreou em 1990 e, por isso, de lá para cá, a principal diferença é que o preço era calculado em escudos. Nessa altura a montra final não custava o mesmo que encher o depósito de gasolina em 2021. Aliás, hoje em dia uma pessoa ganha o carro na montra final e tem de vender todos os outros prémios para abastecer o veículo que ganhou.
Em 2003, Fernando Mendes pegou nos comandos d’“O Preço Certo” e desde aí que o formato se confunde com o carismático apresentador que deve ser das pessoas mais consensuais da televisão portuguesa, o que só por si é um feito. Mendes é transparente. É um daqueles seres humanos que se vê a léguas que é boa gente e isso é um dos segredos do sucesso deste formato popular, líder absoluto de audiências. “O Preço Certo” é um programa de televisão, mas tem a energia de uma peça de teatro bem encenada onde todas as personagens têm uma participação indispensável, inclusive o público.
De segunda a sexta-feira, camionetas de idosos estacionam à porta da RTP com sacos e sacos de oferendas que as câmaras municipais e pastelarias locais enviam, para entregar ao senhor Fernando. Discute-se muito qual a melhor solução para acabar com a fome no mundo, mas eu desconfio que bastava recolher as caixas de bolos e enchidos que as velhotas levam para “O Preço Certo” e a coisa resolvia-se. É óbvio que o Fernando Mendes teve problemas de excesso de peso. Era o mesmo que colocarem o João Rendeiro a guardar o cofre do Banco de Portugal, ou fechar o Chicão numa loja de gomas — nenhum conseguiria resistir.
Quanto mais castiço for o concorrente, melhor, porque serve de combustível para ativar os trocadilhos de Fernando Mendes e disparar o seu clássico “xétááááculo!” (que eu adorava que fosse o som da minha buzina). Tudo isto é sempre acompanhado pela voz peculiar de Miguel Vital, um homem que está há mais tempo n’”O Preço Certo” do que o próprio Fernando Mendes e que, basicamente, tem um trabalho de sonho.
Não consigo imaginar melhor ocupação do que ser voz-off d’“O Preço Certo”. Como é que se arranja um tacho destes? Imagino que a entrevista de emprego tenha sido algo do género: “Consegue ler nomes como Gaudêncio ao microfone; sabe disparar efeitos sonoros como, por exemplo, campainhas irritantes; importa-se de comer três caixas de pastéis de Tentúgal no final de cada programa? Está contratado!”
A equipa não estaria completa sem o trio de assistentes, composto por Lenka da Silva — um nome tipicamente ribatejano — Mário Andrade e Teresa Medeiros, que dão festinhas a eletrodomésticos como ninguém. Além disso são o arquétipo de beleza e elegância e qualquer torradeira ao lado deles fica com o magnetismo de um Patek Philippe de 18 quilates. Às vezes, penso que se fizesse menos zapping e fosse mais vezes ao ginásio podia ter o bom aspeto do Mário Andrade, mas depois dou uma trinca num pastel de Tentúgal e sigo viagem, de regresso ao TLC.