Argumentista, locutor, documentarista, o protagonista de hoje é alguém que conheço há (pasme-se) quase 44 anos. Autor e show-runner de “A Rede”, escreveu para projetos como “Equador”, “Zapping”, “Ninguém Como Tu”, “Mal-Amanhados” ou “Na Corda Bamba” e encontra-se presentemente envolvido em coisas… de que ainda não se pode falar (mas vá, uma delas envolve uma plataforma de streaming).
Enquanto não há luz verde sobre esse assunto, podem lê-lo todas as semanas no “Observador” ou recordar o belíssimo “A Ilha dos Gigantes”, um documentário feito com Nuno Sá e Pepe Brix acerca das aparições cada vez mais frequentes, mas ainda algo misteriosas, de tubarões-baleia em volta da ilha de Santa Maria.
Espero que já me tenha perdoado o pormenor de, aos 17 anos, lhe ter invadido a privacidade do quarto para tentar perceber que papéis eram aqueles que guardava na escrivaninha. Enviei-os para o único semanário açoriano de então, e foi assim que Alexandre Borges, 14 anos, começou a colaborar com a imprensa. Um dinheirinho semanal que poupou durante anos a fio, revelando uma disciplina que o seu mano mais velho nunca teve.
E já que falo do meu irmão, com o mesmo orgulho e espanto de quando li aqueles textos escondidos há 30 anos, recomendo vivamente a segunda edição do seu livro “Atenção ao Intervalo entre o Caos e o Comboio”. Vamos então à entrevista, onde um licenciado em Direito e outro em Filosofia continuam sem pedir perdão aos pais por se terem borrifado nos cursos superiores.
Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida, mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar… ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
A única hipótese de a minha história de vida dar um filme do Spielberg seria na qualidade de vítima dum tubarão ou acaso a minha nave se perdesse e despenhasse num planeta onde me achassem uma criatura exótica e ternurenta.
O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e porquê?
Os primeiros dias são sempre qualquer coisa. O primeiro dia em que subi ao palco como ator, ainda nos Açores, no Teatro Angrense. O dia em que vi o meu primeiro artigo impresso numa folha de jornal; o dia em que fiz a minha primeira página enquanto editor, n’ “A Capital”; o dia em que saiu o número um de um novo jornal, o “i”, e o gosto de fazer parte dele; o dia em que estreia um programa nosso na televisão… Nos últimos anos, o dia da estreia de “A Rede”, na RTP2, por exemplo, foi um dia feliz. Dispara uma hormona boa qualquer sempre que vemos materializada uma coisa que, até ali, era só uma ideia na nossa cabeça. Mas, desejavelmente, vamos progredindo. O dia profissionalmente mais feliz da nossa vida é sempre o da próxima coisa boa que andávamos a sonhar e conseguimos levar, pela primeira vez, ao público.
O que poderia aprender Portugal Continental com os Açores?
A relativizar. Stressar menos com filas de trânsito, bichas para as finanças e encostos na discoteca. Tremores de terra, tempestades tropicais, ondas de muitos metros ou a sombra do Pico ajudam-nos a reduzir as coisas à sua importância.
De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo?
Agora que perguntas: pode muito bem ter influenciado o lugar onde sinto que me coloco sempre em qualquer processo criativo, o do observador. O de quem não está verdadeiramente a viver a situação, mas um passo afastado a contemplá-la e à procura do que nela haja de poético ou irónico. É bem possível que tenha a ver com o facto de ser ilhéu, de ter caído à nascença na poção mágica da insularidade, do isolamento (que não é necessariamente solitário), de podermos observar muitos acontecimentos com pelo menos uma hora de antecedência e 1500 quilómetros de distância.
O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Que algumas pessoas continuem a achar que fomos “colonizados” e lhes seja permitido votar causa-me certo enjoo. Que outras ainda se manifestem surpreendidas por não haver metro já dispõe melhor.
Que crime cometerias se não houvesse castigo?
A minha consciência é uma colega de casa terrível. Ia perseguir-me até ao fim dos meus dias com insónias e ataques de ansiedade. Não vale a pena. Sou um cidadão muito cumpridor não porque seja uma excelente pessoa, mas porque preciso mesmo de dormir em paz.
Como reage a tua família reage à tua profissão?
Julgo que pensam: olha, antes escrever que andar metido na droga. O que é curioso, porque o que não falta é gente que escreve e… Bom, fiquemos por aqui. A mãe vai ler isto.
Aquele sonho por realizar é?
Escrever um filme, para o Spielberg ou não, sobre vidas mais interessantes do que a minha, que toque vidas mais necessitadas do que a minha.
Qual é o sentido da vida?
Procurá-lo.
Restaurante?
Há pessoas que têm o coração dividido, eu tenho o estômago. Mais concretamente entre a Taberna Roberto, o Caneta, o Rocha de São Sebastião, o Boca Negra, o Beira-Mar de São Mateus, o Galanta’s, a Galinha do Diniz, a Casa da Galinha da Vila Nova, o Canadinha, a Tasca das Tias, o Q.B., o Ti Chôa, o Élio’s e a Taberna do Teatro. Todos, imparcialmente, na minha Ilha Terceira. (pronto, e o Ancoradouro e O Cinco no Pico, A Tasca e o Bar da Caloura em São Miguel).
Vista?
Da baía da Horta para o Pico; do alto da Lagoa do Fogo; embrenhado no Poço da Ribeira do Ferreiro. Todas imparcialmente escolhidas noutras ilhas.
Banhos/Zona balnear?
Atualmente, ando encantado com os calhaus e o azulinho da água nas Quatro Ribeiras.
Ritual/Tradição?
No primeiro dia nas ilhas, ir ver o mar, não importa o estado do tempo. Como quem vai ver o avô.
Artista referência ou que admires (nas ilhas, vivo ou morto)?
Podia e talvez devesse dizer o Zeca Medeiros, o Vitorino Nemésio, o Pedro da Silveira, o João de Melo ou o Martins Garcia, mas está-me aqui a latejar uma veia (lá está o estupor da consciência) que não vai parar se eu não disser isto: há um orgulho qualquer que se enche sempre que vejo o Nuno Bettencourt a partir a loiça toda na guitarra.
Obrigatório de visitar (museu, associação, teatro, bar, whatever)?
As festas de Santo António, em São Mateus, Terceira, no verão. Em que a rainha chega de traineira e o padre tira imperiais no bar da paróquia.
Fale comigo
Tem dicas sobre spots açorianos que merecem atenção? Vistas deslumbrantes e menos conhecidas? Pessoas que vale a pena conhecer? Gostava de sugerir uma história à Embaixada dos Açores ou contar um episódio hilariante sobre malta de fora que tentou apanhar o metro, achou que tinha de nadar até à próxima caixa multibanco ou estava convencida de existir um rio em São Miguel? Envia um email para embaixadadosacores@nullnit.pt