O “The Voice Portugal” é sem dúvida um programa pop, de massas. A duas etapas do final desta temporada, Paulo Lapa vai continuando a sua trajetória de sonho, que iniciou sem expetativas mas que o tem tornado num dos grandes valores do programa da RTP1. Não é por acaso. Mesmo que venha da música erudita, nomeadamente da ópera, tem uma enorme experiência, um talento trabalhado e uma carreira estabelecida. Aos 37 anos, é também o mais velho ainda em prova, agora que só restam seis concorrentes. É o último da equipa de Carolina Deslandes — logo, a última oportunidade para a artista se sagrar a mentora vencedora.
Neste domingo, 8 de janeiro, Paulo Lapa cantou “Perfect Symphony”, além de ter partilhado “Bebe um Copo” com Carlão e Sasha Silva. “Foi muito, muito bom [risos]. O circo já começa a apertar… Já ninguém faz nada errado”, reflete sobre a mais recente gala em conversa com a NiT, antes de regressar a casa, ao Porto.
“Quando o talento está lá, o que os concorrentes fazem chega ao coração daqueles que ouvem e a partir daí torna-se muito difícil para quem quer que saia. Muitas vezes, para o ser humano é mais fácil digerir a saída por um erro, mas aqui o erro já quase não está presente e a qualidade é mesmo muito alta. Ontem foi uma noite dessas, acabou por correr muito bem.”
Falta apenas a gala do próximo domingo, 15 de janeiro, e depois vem a final. Paulo Lapa explica que, quando se inscreveu no programa, resolveu ser auto disciplinado para não se deixar desiludir.
“O meu principal objetivo sempre foi chegar à prova cega e virar as cadeiras. A partir daí nunca mais pensei em mais nada. Já tenho alguns anos de carreira e, por gestão de expetativas e de defesa pessoal… Desde o início que a minha lógica de vir aqui foi para dar alguma visibilidade àquilo que já fazia antes, pois já havia uma carreira antes disto. Como costumam dizer, fui fazendo jogo a jogo, a perceber o que poderia funcionar melhor, a ver a reação das pessoas e o caminho foi esse.”
Perguntamos-lhe, agora que está tão próxima, se não almeja estar na derradeira gala desta temporada do “The Voice Portugal”. “A postura do jogo a jogo vai manter-se até ao fim, mas é óbvio que todos nós sentimos que agora está muito próximo. Obviamente que, agora, qualquer um de nós tem como objetivo chegar à final. Mas sou muito sincero: aquilo que mais me apoquenta ou mexe comigo é perceber que, independentemente de chegar ou não à final, a verdadeira tristeza e aquilo que verdadeiramente sinto é que mais ou menos uma semana e isto vai acabar. Está a ser uma viagem absolutamente extraordinária.”
Paulo Lapa tem construído, ao longo dos anos, uma carreira na área da ópera. É cantor, mas também encenador e produtor de espetáculos. Tem uma longa formação, viveu inclusive nos EUA e já gravou e lançou discos. Mas o “The Voice” era terreno novo — e os milhares de espectadores a que se apresentou ao longo dos últimos meses não conheciam, na maioria, o seu trabalho.
“Ter o apoio de milhares de pessoas foi algo que nunca imaginei que viesse a acontecer. As pessoas que nos mandam mensagens diariamente, os amigos que têm apoiado, tudo isto superou qualquer expetativa. As pessoas estão completamente vinculadas. O programa está feito para que as pessoas queiram bastante que consigamos ir mais longe. Isso é muito reconfortante. E há pessoas que não conheço de lado nenhum e que me param na rua e me inundam o Instagram, é muito bom perceber que aquilo que fazemos diariamente e que gostamos de fazer realmente toca a tantas pessoas. Na verdade, foi por isso que escolhi ser músico. Já fazia isto há alguns anos, mas nunca tendo esta reação tão massiva. Isso deixa-me mesmo muito contente.”
A entrada em “The Voice” aconteceu pela conjugação de uma série de fatores. Por um lado, sempre teve pessoas conhecidas e colegas a dizer-lhe que poderia fazer uma carreira no circuito mais popular dos musicais, algo que sempre lhe agradou e para os quais recebia convites. Acima de tudo, Paulo Lapa sempre foi eclético. Cresceu numa família de músicos, cantava baladas e na adolescência chegou a fazer parte de bandas de rock.
“E não é que rejeitasse, mas havia ali qualquer coisa que me dizia que ainda tinha de fazer um caminho dentro da música clássica, talvez para provar a mim mesmo que era possível isso acontecer. Não sei, tive de lutar um bocadinho com os meus demónios para perceber que estava em paz com isso. Cantar determinado papel ia definir se era bom ou não… Isso felizmente hoje já não existe, estou em paz com aquilo que faço dentro da ópera, não é isso que me define. Então deu-me liberdade para fazer algo que não só as pessoas diziam que poderia fazer muito bem, mas também porque adoro fazer e sempre fiz.”
Além disso, quando o seu trabalho ficou em suspenso por causa da pandemia, foi obrigado a parar e teve tempo para pensar e refletir sobre o que é que queria explorar. “Passei muito tempo à guitarra, o meu primeiro instrumento, a tocar canções do Rui Veloso, coisas que ouvia na rádio e todo o tipo de música que sempre ouvi na infância. Quando a pandemia acabou e estava novamente em palco, percebi que afinal havia ali um tempinho que queria reservar todos os dias para me voltar a recriar dessa forma. Bastou parar um bocadinho, pôr os pés no chão e pensar: se ainda estou a reservar tanto tempo e tenho tanta coisa para fazer — entre produzir, encenar, cantar ópera e a família em casa —, e ainda assim estava a tentar reservar umas horas por dia para pegar nisto, é porque realmente o gosto está aqui, as pessoas gostam, não faz sentido não explorar isto.”
Além disso, claro, ser artista em Portugal não é fácil — na área da ópera em particular, uma vez que não é um circuito muito grande. “Por muito bem-sucedidos que sejamos, não é fácil. Não há óperas todos os dias. Então em vez de me chatear com a forma como a cultura e os artistas são tratados em Portugal vou pegar nessa energia — apesar de continuar sempre a lutar — e em vez de carregar uma grande nuvem negativa vou transformar isso em algo positivo em cima do palco. Foi essa a questão. E quando temos filhos, os propósitos na vida mudam um bocadinho. A nossa própria perspetiva muda. E faço muitos discursos em escolas, pego na ópera para desconstruir um bocadinho as escolhas vocacionais que podemos fazer no futuro usando o meu exemplo, aquilo que escolhi, e muitas vezes digo aos alunos que é para fazer aquilo de que gostamos. Os meus filhos começaram a crescer e se chegasse a altura de falar com eles, gostava de falar do exemplo do ‘The Voice’ com um bocadinho de propriedade, para lhes poder dizer: se há alguma coisa de que gostamos de fazer na vida, então temos que arriscar, fazer acontecer e estar em paz e sermos felizes com isso.”
Os filhos têm acompanhado o pai “com muito orgulho”. “A felicidade deles em ver o pai a cantar, não tenho mesmo palavras para descrever isso. É uma felicidade absolutamente fantástica.” Mas o miúdo mais velho, com cinco anos, suspeitou quando o pai se inscreveu no “The Voice”. “Quando fomos fazer a prova cega a Lisboa, ficámos num hotel e no dia anterior, tive de vocalizar, cantar, pôr o instrumento a funcionar, fazer um aquecimento lírico. Aquecer vogais, coisas muito técnicas, sons. Lembro-me de o meu filho dizer… Ele não percebia bem o que era o programa, mas sabia que tinha música mais mainstream e lembro-me da reação dele, com uma cara estranha a olhar para mim: ‘Oh pai, mas tu amanhã não vais cantar isso, pois não?’ [risos].”
Desde a prova cega, onde interpretou “Bring Him Home” e acabou por escolher a mentora Carolina Deslandes por instinto, já apresentou versões de temas como “Come What May”, “Canção de Embalar”, “Cucurrucucú Paloma”, “Hallelujah” ou “The Music of the Night”.
Várias semanas depois, Paulo Lapa está mais perto de encontrar as respostas que procurava quando se inscreveu no concurso. Não pretende “de maneira nenhuma dar uma grande volta” à sua vida profissional. Quer manter a sua “vida estabilizada na música clássica”. Mas deseja, como sempre quis, explorar cruzamentos e sonoridades novas — como no disco que gravou com Júlio Resende onde misturavam fado e jazz.
“Há ali uma mistura muito grande, é uma abordagem diferente e é uma forma de como gosto de estar na música, à procura de experiências novas. Esta ideia de que podemos cantar as canções mais conhecidas, mais pop, mas com outra abordagem, isso era aquilo que procurava saber se teria algum futuro… Se isto podia entrar na minha carreira. E tenho vindo a perceber que há muitas pessoas mesmo felizes com esta faceta. Espero que seja possível conciliar todos estes mundos.”