Já estamos tão habituados a vê-lo transformar-se que nem nos ocorre que foi quase por acaso que tudo isto começou. Pedro de Matos Fernandes, que conhecemos bem melhor como Pêpê Rapazote, está de volta à televisão nacional na nova produção da TVI, “Bem Me Quer”. Em conversa com a NiT, o ator falou da carreira e de como é filmar em tempos de pandemia. E ainda adiantou que tem um novo projeto em grande pensado para 2021, mas que vai ter que estar atento às eleições nos EUA. É que entre Donald Trump e a pandemia, muito pode ainda acontecer até lá.
Enquanto crescia, conta-nos, ser ator “era profissão de saltimbanco, não havia cá vidas fáceis”. Os pais sempre o alertaram para a importância de estudar e foi isso que fez. “Para mim não era uma carreira séria, daquelas de doutores.” Descobriu a representação já em adulto. “Trabalhava como arquiteto e no meio das voltas da vida tive aulas de teatro com o José Boavida, na junta de freguesia de Benfica, e surgiu a hipótese de ativarmos o teatro da Sociedade Guilherme Cossul.”
Trabalhava e fazia teatro. Certa vez, estava envolvido numa peça de teatro amador, “O Lixo”, de Francisco Nicholson. “Ele foi ver e depois da estreia disse-me: ‘Pêpê, prepara-te que te vou ligar daqui a 15 dias’”. Foi assim que conseguiu o seu primeiro papel numa novela, “Ajuste de Contas”.
“Depois fiz um telefilme francês, um filme espanhol, uma minissérie italiana, mais uma novela e a certa altura, disse: espera aí, é isto que eu quero fazer”, recorda. “Foi uma passagem muito suave.” Quase que ainda não tinha tomado consciência disso mas já era ator profissional. As oportunidades chegavam, estava à vontade com várias línguas, e simplesmente continuou a trabalhar.
Ao longo dos anos temo-lo visto em teatro, novelas, filmes, em séries de grande dimensão internacional (como “Narcos”), ou a emprestar a sua voz a videojogos, como aconteceu com “Death Stranding”. O seu mais recente projeto é “Bem Me Quer”, que estreia esta segunda-feira, 26 de outubro, na TVI.
A novela coloca-nos entre um triângulo amoroso protagonizado por Bárbara Branco, José Condessa e Kelly Bailey. No entanto é a sua personagem, Henrique, que acaba por ser o elo de ligação essencial na trama. É ele o patriarca “de uma família tradicional de Aveiro, ligada à indústria da cerâmica. É uma família abastada em que os filhos não eram educados pelos pais mas pelas amas-secas. E a minha personagem também foi educada assim”, conta-nos.
A personagem de Henrique tem o seu lado de Aveiro, mundo de gente rica, mas também um passado que lhe deu uma outra filha. A novela vai colocar os dois mundos em confronto, com duas das suas filhas a liderarem essas diferenças. “Por um lado temos a menina mimada, abastada, criada na cidade com tudo de bom e do melhor, e outra filha criada com valores tradicionais, de uma humildade muito grande. E, claro, vai haver um choque valente”.
“A história de Henrique”, explica, “é um pouco mais complexa”. “Não posso contar muito mas a minha personagem manda chamar a outra filha, porque está num aperto e precisa dela.” É uma personagem “em que o espectador vai estar sempre na dúvida sobre se gosta mesmo da filha ou se é tudo uma questão de necessidade”.
A novela começou a ser gravada em agosto e teve pela frente este desafio gigante que é a pandemia. Pêpê Rapazote admite que há riscos mas que esses são atenuados “a partir do momento em que os atores são os únicos sem máscara no plateau”. “Somos testados com frequência [para a Covid-19]. As regras da DGS falam em 1,50 metros entre atores, mas se nos aproximarmos mais acho que devíamos ser testados todos os dias.” A pandemia não faz parte da trama mas à sua maneira é natural que se intrometa. Os toques entre personagens são reduzidos mais ao essencial. “E sempre que se justifique haver um beijo [na novela], testa-se antes.”
A pandemia deixa também outras dúvidas para o futuro. À NiT, o ator conta que tem pela frente a possibilidade de filmar já no próximo ano um novo projeto de grande dimensão. Será para gravar “em sete países, em quatro meses e meio”. A dúvida principal é mesmo o presente, de pandemia. “Tudo isto depende da segunda vaga e do plano de contingência que os EUA poderão ter. Se o Trump ganhar as eleições isto ainda continua como está e correm o risco de chegar às 500 mil mortes. Ainda chegamos a janeiro e o país não abre.”
Numa altura em que os números também crescem em Portugal e há cada vez mais dificuldades no setor da cultura, perguntamos ao ator o que está a falhar. “Falta sobretudo política cultural, e não quero dizer aqui um daqueles chavões que se ouvem todos os dias”, afirma. “O que eu acho é que se temos escritores obrigatórios, também devia ser obrigatório levar as escolas ao teatro umas três ou quatro vezes, pelo menos, todos os anos. É assim que se criam novos públicos.” E com novos públicos há um setor que ganha mais força.
Entre tanta coisa diferente que fez, tanta personagem que interpretou, perguntamos se há alguma favorita. A resposta começa num “ah” que não dura mais do que dois segundos mas que parece prolongar-se, como se naquele tempo estivesse a passar na cabeça do ator uma fatia considerável da sua carreira.
“Ah, não”, responde-nos. “Há tantas coisas, é impossível estar a escolher. Há coisas em que uma pessoa se sente mais à vontade mas não quer dizer que sejam as preferidas. São boas surpresas. Mas quando podemos entrar um bocadinho debaixo da pele de uma personagem, independentemente de qual é, é aí que nos sentimos bem.”