Os pratos do dia são cozido à portuguesa e panados com batata frita e arroz branco (o arroz de feijão, uma especialidade, já acabou) por 3,40€. Pedimos também a carta. Em três minutos chega um cesto com dois pães frescos e seis pedaços de broa (10 pontos para Bruno que vemos mais tarde a cortar pão com um saco de plástico na mão) e a ementa. Há doses e meias doses de todas as opções. Os preços começam nos 7€ e terminam nos 18,50€ — melhor do que os 5€ que Stanisic encontrou à chegada.
“A posta à chefe com batata a murro é das mais pedidas”, garante Ana, empregada em part-time desde o verão. Venha ela (8€). Assim como uma dose de panados. A sopa de repolho, mais uma sugestão da funcionária, chega dois minutos depois. O caldo não é grosso mas tem couve suficiente.

Chama-se posta à chefe mas nada herdou de Stanisic.
O prato da carta e a sugestão do dia chegam ao mesmo tempo e em poucos minutos. Os dois têm o mesmo problema: demasiada gordura. Nos panados ainda é visível o óleo e os grelos estão afogados no mesmo azeite da posta — ela vem mal passada (embora Ana não tenha perguntado em que ponto queríamos a carne) e é saborosa. Mais tarde chega uma mulher com uma caixa de cartão: são outras postas frescas, de um fornecedor local, assegura Bruno.
Numa das paredes, uma ilustração que quase parece feita a giz recria uma mesa posta, com prato, talheres, guardanapo e copo. Do outro lado há cestos e xailes, vestígios dos 25 anos que Bruno passou num rancho folclórico. O papel de parede que cobria a única parede danificada foi substituído por outro, castanho e brilhante, agora praticamente todo descolado. Colocado à pressa ou não, a verdade é que houve outro bocado de parede esquecido pelas obras da Shine Iberia, um pilar junto ao acesso às casas de banho que é a única memória do branco que um dia ali morou.
Ao fundo da sala, os antigos espelhos foram pintados de amarelo e passaram a ter copos e pratos amarelos pendurados. Existe ainda um projetor bem no centro na parede, enquadrada por uma moldura, e onde passam programas de televisão.
Nessa zona está um grupo de clientes conhecidos a quem Bruno mostra o teaser de “Pesadelo na Cozinha”. Contudo, não está contente com a promo. Susana, a cozinheira e sócia, ficou tão traumatizada com as gravações que não quer ver mais câmaras à frente, recusa-se a falar com a NiT e não nos quer dentro da cozinha. Nos únicos dois segundos em que os nossos olhares se cruzam, fulmina-me de alto a baixo deixando bem claro que ninguém é bem-vindo no território dela.
Bruno diz “poder fechar a casa três meses e mesmo assim conseguir pagar os ordenados”. Uma versão diferente do programa
Em Braga, Ljubomir Stanisic não fez amigos, nem sequer na cozinha, onde as mulheres costumam adorá-lo sempre que o programa chega ao fim. “A Susana tinha dois câmaras, dois homens com cabos e o chef em cima dela na cozinha. Ela não conseguia trabalhar e bloqueou, nem estava a ouvir o que ele [Stanisic] lhe dizia. ‘Não me queres aqui, vou-me embora’, disse-lhe o chef.”
O chef do 100 Maneiras abandonou o restaurante a meio do serviço durante o dia da reinauguração. Susana foi atrás dele mas “porque quis”, garante Bruno, que acusa Stanisic de ser uma pessoa “distante” que “não gosta de lidar com homens”.
“Porque é que ele não chega e se senta à mesa com as pessoas para perceber o que está mal e onde é que é preciso ajuda?”, questiona o proprietário do Ninho de Sabores.
Ljubomir Stanisic revelou uma versão diferente no programa. “Foi seguramente um dos desafios mais difíceis da minha visa”, disse. Tudo porque na cozinha ninguém parecia ouvi-lo e o chef disse várias vezes que se estava a sentir “frustrado”.
Nem tudo são queixas, porque nem tudo foi mau
Apesar de tudo, Bruno Martinho não tem apenas queixas e confirma que há pelo menos um membro da produção da Shine Iberia que lhe liga com regularidade para saber como estão as coisas.
A entrada ficou por arranjar, é verdade, mas a porta do forno foi reparada, a cozinha recebeu frigideiras novas e uma disposição mais funcional. Na sala os candeeiros antigos deram lugar a abat-jours em verga e a equipa recebeu fardas e aventais.
Durante as gravações, a equipa também foi levada ao fumeiro de Arganil para conhecer a produção. De lá não trouxeram nada: “Disseram que tinham um cabaz para nós mas nem o vimos. Também não tivemos direito a ir ao Continente abastecer o restaurante como em muitos programas”.
Ainda assim, Bruno lucrou a longo prazo. Criou uma empatia tão grande com António Soares, do fumeiro, que cada vez que a distribuição é feita na zona de Braga, há paragem obrigatória na Travessa Conselheiro Lobato. A chouriça assada que faz parte das sugestões de entradas vem toda de Arganil.
Nesta fase, não quero saber disso, já só penso em sobremesas. As opções debitadas por Ana são tantas que é impossível decorá-las mas há bolo de chocolate e amêndoa, tarte de laranja, mousse de chocolate e os dois que escolhemos: mousse de Oreo (1€) e molotof (2,50€) — preço final da refeição paea duas pessoas: 19,20€. Nota-se que são frescos e o molotof é fofo. Por esta altura apareceu uma formiga em cima da mesa para nos fazer companhia. Ao menos não trouxe companhia, como os bichos que durante o programa Susana esborrachou no pão de uma francesinha que foi diretamente para as mãos de um miúdo.

O molotof é uma das especialidades.
Aos 40 anos e apenas há quatro na restauração, Bruno orgulha-se de “poder fechar a casa durante três meses e mesmo assim conseguir pagar os ordenados”. Uma versão bem diferente daquela contada pelo próprio em “Pesadelo na Cozinha”. “Como isto está, não dá para sustentar a casa”, confessou nas gravações.
Agora a faturação ronda os 10 ou 15 mil euros mensais, assegura o proprietário, e os fornecedores são pagos no ato da entrega. “No programa disseram que estava a pagar com dinheiro de caixa mas não é verdade. E já disse aos meus fornecedores que, no dia em que chegarem aqui e eu não tiver para lhes pagar, podem ir primeiro à concorrência.”
Se fosse hoje, Bruno Martinho não voltaria a inscrever-se em “Pesadelo na Cozinha”, apesar de saber que a partir desta terça-feira — porque à segunda é dia de folga e as portas mantêm-se fechadas sem exceção — terá mais clientes do que nunca.
Há outra garantia: tudo o que sobra na mesa é reaproveitado — mas não para outros clientes.
“Mesmo que volte para a cozinha uma travessa de arroz na qual ninguém tocou, vai fora, é uma ordem da casa. As pessoas falam por cima dos pratos, espirram, não é higiénico”, diz Bruno.
Os restos das refeições vão para os animais. “Os meus pais têm galinhas. São alimentadas com o que sobra daqui e, depois, fazemos com elas uma galinha no forno, por exemplo. É caseirinho, fica muito bom.”
Bruno deixa um aviso final para os futuros participantes do “Pesadelo” que vão à procura das sugestões implementadas por Ljubomir: “Aquilo que se come aqui já era nosso antes, não foi deixado por ninguém.”