A par de César Mourão, Rui Unas, Jessica Athayde ou Inês Lopes Gonçalves, Renato Godinho tem sido um dos participantes mais regulares em “Vale Tudo”, o programa da SIC que tem ocupado as noites de domingo e que é apresentado por João Manzarra.
A cada semana, as celebridades têm de participar em desafios inusitados que exigem uma notória capacidade de improviso e, muitas vezes, alguma fisicalidade. Renato Godinho tem-se destacado, sobretudo nos jogos em que tem de interpretar personagens criadas no momento.
A NiT falou com o ator de 41 anos sobre como tem sido a experiência de participar em “Vale Tudo”. Leia a entrevista.
Já participa em “Vale Tudo” há várias semanas. É um desafio que anima o seu domingo depois de uma semana profissional agitada?
Sim… É uma forma desafiante de acabar uma semana com telenovela e espetáculos de teatro. Portanto, domingo culmina com a experiência derradeira da semana, que é exigente do ponto de vista físico; e até do ponto de vista psicológico. O público se calhar não tem muita noção da ginástica mental que exige o “Vale Tudo”. Tem sido desafiante, divertido ao mesmo tempo, e é uma boa forma de acabar a semana.
Para si, qual é o jogo mais desafiante?
Vou ser muito sincero: os jogos que mais pica me dão talvez sejam aqueles que ainda não fiz. E não digo isto de uma forma poética. É mesmo literal. Há jogos que me deixam de água na boca, mas que têm acabado por não me calhar a mim. Os jogos que realmente me fascinam são os do improviso, aqueles que exigem mesmo improviso — o Banda Sonora; no programa de ontem tivemos o Desinformação com o José Milhazes, que eu gostava muito de ter feito; esses são os jogos que verdadeiramente me estimulam como ator. Mais do que as mímicas ou o ABCorpo. De qualquer maneira, tenho sempre conseguido encontrar formas de me divertir. Nuns jogos mais do que noutros, mas isso é a coisa mais natural do mundo.
Existe algum que, por alguma razão, não goste tanto?
O ABCorpo é uma coisa que a mim não me estimula tanto. Aquele jogo em que temos de nos deitar no chão com um parceiro a fazer letras… É talvez o jogo que me estimule menos.
Muitos participantes do “Vale Tudo” têm-nos dito que muitas vezes não parece, mas é preciso ter um grande rigor e capacidade de concentração no momento. É isso que sente que é mais importante, esse foco durante as horas do programa, até porque é transmitido em direto?
Sim, para a coisa funcionar é muito importante este princípio: levar o jogo a sério e não nos levarmos nós a sério. Os jogos obedecem a regras, e é importante não cairmos na tentação de entrar na palhaçada, espreitar as pistas ou… É importante cumprir as regras do jogo para que o espectador em casa sinta que aquilo que está a acontecer na televisão é rigoroso. E isso torna tudo mais engraçado. Porque, se não houver respeito pelas regras, não há aquela componente de “como é que ele é capaz?” ou “como é que ele conseguiu fazer isto?” Essa sensação só aparece se existirem regras a serem cumpridas. Se for só palhaçada, não funciona.
Existe alguma coisa que ajude a entrar no estado de espírito certo para fazer o programa?
Acho que toda a envolvente do programa, desde o momento em que chegamos ao estúdio com algumas horas de antecedência, em que se reúne o elenco, começamos a criar a nossa turminha… O briefing da produção também ajuda… Os convidados mais experientes vão passando… O César [Mourão], que é de longe o mais experiente e talentoso para o improviso, é sem dúvida o mentor do programa e ajuda-nos muito. Portanto, acho que toda a envolvente cria logo essa energia, do que é preciso trazer para que seja uma noite bem passada. Até porque o programa é longo e em direto. Convém mesmo que a malta esteja na vibe certa.
A questão de existirem tantos jogos com esta componente de improvisação também acaba por ser um bom exercício para um ator explorar esse lado?
Sim, se bem que é uma improvisação com algumas nuances diferentes daquilo a que um ator estará habituado. Um ator está mais habituado a improvisar num ambiente mais despido de regras e condicionalismos, que um programa de domingo à noite em direto tem sempre. Há condicionantes que no teatro não existem. Mas se tivermos a sapiência de pô-las a trabalhar a nosso favor, podem ser altamente estimulantes. Esse nervo do direto, de sabermos que estão muitos milhares de pessoas a ver-nos, a imprevisibilidade do que vai acontecer… Porque, quando a produção nos faz o briefing antes do programa, não nos diz quem é que vai jogar que jogo — e que personagens farão parte. Por exemplo, no cenário inclinado não sabemos que personagem vamos fazer segundos antes de entrarmos. É tudo mesmo muito improvisado e em cima do joelho. Convém mesmo ter muita ginástica mental, muita disponibilidade para nos entregarmos àquilo e saber ouvir — talvez seja a maior ferramenta num exercício de improvisação em conjunto.
Este programa deixa-o com mais vontade de participar em experiências de entretenimento?
Depende das experiências. Só tenho memórias de duas que tenha feito: “A Máscara” e agora o “Vale Tudo”. Como são duas experiências de entretenimento com um cariz altamente teatral… Se forem formatos que me estimulem, que ache que possa levar alguma coisa e trazer de lá alguma coisa também, porque não? Divirto-me imenso, gosto imenso, tira-me da minha zona de conforto — o que é sempre bom. Portanto, sim, porque não?
Muitas vezes os atores falam da questão da gestão da própria imagem. Alguns defendem que pode ser benéfico estar algum tempo sem aparecer no ecrã, para depois voltarem a aparecer com mais impacto. Também sente que é preciso equilibrar o seu trabalho enquanto ator com estas participações tendo em conta isso? Ou não é uma preocupação, de todo?
Confesso que não é uma grande preocupação. Se calhar deveria ser. Quando oiço o Denzel Washington dizer que a coisa mais importante que um ator tem que trabalhar é o mistério… O que tenho eu para responder? Se os cachês em Portugal fossem de milhões, como são nos EUA, o mistério seria muito mais fácil de gerir. Não estou a dizer com isto que é só por uma questão de dinheiro. Na verdade gosto muito de trabalhar, sempre gostei. Adoro sentir-me ativo, adoro brincar, fazer coisas, divertir-me. E, sim, confesso que provavelmente deveria ter mais algum engenho na arte de gerir a minha exposição pública, mas assumo que não me preocupo muito com isso.
Também tem a ver, como estava a dizer, com os moldes da indústria em Portugal.
Sim, claro, mas tenho noção de que há atores em Portugal que fazem isso de maneira diferente de mim. Gerem as suas aparições de forma diferente. Mas se calhar geriram os preconceitos de outra forma… Nós temos a tendência para achar, e é normal porque é da natureza humana, que o lugar onde estamos é o centro do mundo. Mas a verdade é que vivemos num pequenino país, com um mercado ainda mais pequenino, com mentalidades pequeninas… Em que há uma necessidade enorme de atribuir lugares às pessoas. E eu tenho noção do lugar que me é atribuído enquanto ator. Mas isso não me define a mim enquanto ator. Define as pessoas que me põem nesse lugar.