No início de 2021 a SIC estreou “Amor Amor”, uma novela passada no universo da música popular portuguesa. O protagonista é Romeu Santiago (interpretado por Ricardo Pereira), um cantor romântico. Vamos acompanhando a sua vida pessoal e profissional, os dramas íntimos e familiares que atravessa. A história está desde outubro no volume 2 — que se irá prolongar por 2022.
As gravações terminaram recentemente, perto do início de novembro. Ricardo Pereira está agora a “descansar” e a “recuperar uma série de coisas que se acabam por deixar pendentes quando gravamos 12 horas por dia”. Mas o trabalho nunca pára. Em janeiro, arranca para o Brasil para os ensaios do seu novo projeto na Globo.
Por agora, está a ler inúmeras peças de teatro. O seu objetivo, conta, é produzir teatro em 2022. No mesmo ano estreia o filme “Revolta”, escrito e realizado por Tiago R. Santos, protagonizado por Ricardo Pereira, Margarida Vila-Nova, Teresa Tavares e Cristóvão Campos.
A NiT entrevistou Ricardo Pereira sobre como foi interpretar Romeu Santiago, preparar esta personagem peculiar e sobre o futuro da história. O ator acredita que o volume 2 não ditará o fim da peculiar figura.
Quando lhe foi apresentada a novela — do que é que mais gostou para querer fazer este papel?
O facto de ser diferente. Abordava a tão tradicional música popular portuguesa. As nossas tradições, as festas, os bailaricos. Mergulhar nos bastidores desse universo e poder fazer uma personagem como o Romeu Santiago. Era um super desafio, não só pelo facto de cantar, mas pela fisicalidade que pretendíamos, o poder fazer uma personagem completamente diferente de todas as já que tinha feito e na qual reconhecia um potencial enorme para poder voar em várias direções. E a possibilidade de incorporar várias características que pudessem ser interessantes e que, obviamente, iam tocar o público de forma diferente.
A partir do momento em que recebe o guião e começa a trabalhar no papel, como construiu a personagem? Conseguiu incorporar a sua personalidade no Romeu?
No início do processo criativo, às vezes, estamos muito perdidos em relação ao caminho por onde devemos ir. Tens um texto, ideias discutidas com o diretor artístico, realizadores e equipas de figurino e caracterização, que têm uma ideia da personagem, e depois a partir do que lês começas a imaginar. Procurei muitas referências, tanto em séries como em filmes e documentários, portugueses e estrangeiros. Recolhi informação em muitos lugares sobre este tipo de personagem. Começo a beber um bocadinho disso tudo: a forma como agarras no microfone, como cantas, como te penteias, como andas, e vais experimentando. Passas por momentos em que te achas completamente ridículo, em que pensas que o corpo não acompanha o que ele diz e vice-versa. Há momentos para experimentar e errar. Não podes ter medo do erro, porque só errando muito é que acertas naquilo que de facto vai assentar perfeitamente naquela personagem… Quando já estás a gravar, continuas a experimentar. Há coisas que vais repetindo e outras que deitas fora. Depois, o dia a dia vai-te moldando. Os teus colegas fazem-te criar caminhos para a tua personagem. E isso é belo. É uma profissão que precisa de todos para construirmos algo em conjunto.
Inspirou-se em pessoas específicas para criar o Romeu Santiago?
Vi várias séries para construir este Romeu. Vi tudo o que são documentários sobre cantores mexicanos e espanhóis, desde o Julio Iglesias ao Alejandro Sanz, à Selena, ao Luís Miguel… Vi o “Som de Cristal”, do Bruno Nogueira, que foi ele que me disse para ver. Já tinha uns anos mas foi fundamental. O próprio Tony Carreira e o Toy também me ajudaram bastante. Abriram-me as portas para que pudesse ver como as coisas são feitas… Depois todos os universos de cantores que conheço e com quem partilho momentos — já estive em palco com eles ou fiz videoclipes deles, são amigos. A Carminho, a Mariza, o Matias Damásio, o Tiago Bettencourt… Quis sentir um bocadinho do que é a música, o que é ir para um concerto, estar em cima de um palco, gravar um disco… Quando bebes de tudo isto, acabas por criar o Romeu Santiago, que não é apenas uma referência ou inspiração de uma determinada pessoa. É o resultado de uma série de coisas que fazem com que seja individual e único.
Enquanto filmava e preparava a personagem, também começou a ouvir mais música popular portuguesa?
Muita. Acabámos de gravar o volume 2 há duas ou três semanas e gravei 12 músicas. Ou seja, tenho praticamente um álbum gravado. Jamais na minha vida pensei… Acho fantástico, mas foi um trabalho muito grande também. Quando aceitei a personagem, uma das coisas que quis mesmo foi ter a minha voz nas músicas. Isso exigiu ter aulas com o professor do conservatório João Henriques, que fez um trabalho espetacular quando me deu aulas de canto. Foi fundamental para, em conjunto com o Toy, de todas as vezes que íamos a estúdio, conseguir tirar o melhor partido da minha voz no tempo que tínhamos disponível para a fazer evoluir. Ter a noção do que era cantar, da respiração e tudo o resto, foi um trabalho começado do zero. Tinha determinados vícios a cantar e tive que os limpar, até para trazer o tom romântico e de baladas que queríamos dar ao Romeu. Foi um trabalho exigente. Naturalmente isso fez com que procurasse ouvir muita música portuguesa — e estrangeira, neste registo.
No início de um dia de gravações havia algo específico que o ajudasse a entrar na personagem? Ou, a partir de certo momento, tornou-se muito natural?
É normal que, ao longo do tempo, te comeces a sentir mais dono da personagem. E isso não significa que podes descansar, porque todos os dias tens de sentir aquele nervosismo. É sinal de que te preparaste mas que, ao mesmo tempo, queres continuar a experimentar. Não estás acomodado àquela segurança. Sempre que partia para uma cena era uma aventura nova. Quero questionar-me sempre. Mas todos os dias há um rigor fundamental: alongar bem o corpo. Faço isso desde sempre, do teatro. O organismo tem de estar vivo, quente, pronto e disponível para a criação. Tens de aquecer muito bem a voz. Faço exercícios, não só para cantar, mas para falar. E depois há rituais meus, de proteção, de abençoar o facto de ser mais um dia em que tenho oportunidade de continuar a trabalhar, de fazer aquilo de que gosto e ter alguns amuletos que tenho sempre comigo.
Por outro lado, deve ter sido difícil desligar-se da forma como o Romeu fala, de todos os tiques dele.
Sim, ainda digo “eh pá” 300 vezes. O meu braço, às vezes, fala sozinho. A fisicalidade dele, o olhar, o pescoço de lado… criei uma personagem muito característica. Isso ainda está muito presente em mim, sem dúvida. Agora aos poucos vai saindo, faz parte. Vamo-nos desligando, o cabelo até já está cortado. Mas não tenho pressa. As coisas saem quando têm de sair. Ainda sinto uma saudade quando me vejo como Romeu. Ainda ontem estava a ver (acompanho assiduamente) e tenho uma certa nostalgia. Foi uma personagem que me permitiu explorar e criar muito. E, obviamente, é um mega sucesso. Por isso, a toda a hora há pessoas que vêm ter comigo. É tão bom sentir isso. Fiz uma prova de corrida no domingo e no meio da partida, muita gente veio brincar comigo, com os tiques do cabelo e não sei quê. É fantástico. As pessoas viveram e vivem a história desta novela. E uma das coisas que tenho ouvido muito é que há muitas pessoas que não tinham por hábito acompanhar este tipo de emissão estarem a ver esta e a seguir a história do Romeu. Deixa-me muito feliz.
O que é que pode adiantar sobre os próximos tempos do Romeu?
Vai passar por uma fase muito complicada, que já está no ar. Achavam que tinha morrido — teve um acidente de avião, apanhou uma boleia porque precisava de cuidar do problema da voz. Cai, sobrevive, quando quase toda a gente morre. Vai passar uma fase grande de sufoco ali na Amazónia. Vão ser peripécias e peripécias. É um momento muito bonito da história. E é preciso tirar o chapéu ao trabalho incrível que a direção de arte e decoração fez. Construiu uma selva amazónica em Portugal, com muito realismo. Os câmaras foram fantásticos, as pessoas nem imaginam: estiveram em cima de escadotes, deitados no chão… Foi uma semana dura. Mas o Romeu consegue sair da selva. E a partir daí, há uma grande mudança na história. Ele vai voltar para casa, mas muita coisa nova vai acontecer.
E se houvesse a hipótese de existir um terceiro volume de “Amor Amor”?
Penso que seria uma hipótese viável. Pode nascer um volume três, um spinoff, uma série, um filme… Podem ser várias coisas. Acredito que o Romeu Santiago vai viver para além deste volume dois. Não sei de que forma nem em que formato. E não só o Romeu, mas também outras personagens desta história.Obviamente que isso dependerá muito do apelo do público, daquilo que nós também podemos fazer para surpreender a audiência e continuarmos a contar uma história de tanto gostaram. Se me perguntares, gostaria muito. Ainda há coisas muito boas para fazer. Existem momentos para descansar — a narrativa tem de ser digerida, mas depois pode renascer. Ela vive dentro das pessoas, recebemos diariamente mensagens de jovens vestidos como as personagens. Há “n” crianças vestidas de preto com um fio de prata ou ouro… Vamos ver o que acontece, mas acho que sim, que é possível,
Há algum formato específico que o Ricardo gostasse de explorar com esta personagem?
Achava giro fazermos um filme — e a partir daí fazermos alguns episódios, uma série. Acho que podíamos aprofundar determinadas histórias. Podia ser giro.