Ruby Franke sentou-se à frente da câmara e com voz firme, disse aos milhões de seguidores que tinha no YouTube, que o seu filho de seis anos merecia passar vários dias sem comida porque “não demonstrava gratidão suficiente”. O vídeo, publicado no canal “8 Passengers”, foi um dos momentos que levaram os espectadores a questionar até onde iria a disciplina rígida daquela mãe.
No entanto, ninguém imaginava a verdadeira extensão dos abusos que ocorriam quando a câmara se desligava. A influencer norte-americana acabou por ser denunciada pela família em agosto de 2023 e, na altura, a sua história começou a ser falada em todo o mundo. “Até onde está disposta a ir uma mãe para produzir conteúdo à conta dos filhos?”, questionavam aqueles que antes eram seus fãs.
A história mediática da família inspirou “Um Diabo na Família”, a nova série documental da Disney+ que estreou em Portugal a 21 de março. Nos últimos dias, a produção tem subido no top da plataforma em todo o mundo e, atualmente, encontra-se na sétima posição.
Ruby, agora com 43 anos, era a dona do canal de YouTube “8 Passengers”, onde mostrava aos fãs a sua vida ao lado de Kevin, o marido, e dos seis filhos. Com cerca de três milhões de subscritores, os Franke tornaram-se um símbolo de uma vida familiar aparentemente saudável e disciplinada. No entanto, por detrás da aparência cuidadosamente construída, escondia-se uma realidade perturbadora que acabaria por levar à queda dramática de Ruby e à sua prisão.
A jornada da norte-americana para a fama começou em 2015, quando criou a conta no serviço. Desde cedo deixou claro que o seu método de ensino era notoriamente severo e enfatizava a disciplina. Embora alguns admirassem as suas práticas, outros começaram a expressar preocupações sobre o que consideravam ser um estilo parental excessivamente rígido. Episódios como negar comida aos filhos ou obrigá-los a dormir no chão eram frequentemente apresentados no canal e, naturalmente, levantavam dúvidas sobre os limites entre disciplina e abuso.
À medida que a popularidade do canal aumentava, o conteúdo de Ruby tornava-se cada vez mais controverso. A sua colaboração com Jodi Hildebrandt, uma terapeuta que muitas vezes usava a humilhação como estratégia para educar os miúdos, foi criticada pelos fãs, mas a norte-americana não se preocupou. Juntas, produziram conteúdos que abordavam temas como a responsabilidade pessoal e o arrependimento, frequentemente apresentados numa perspetiva extremamente rígida.
A carreira — e a vida — da influencer começou a ruir em agosto de 2023. Chad, o filho de 12 anos, conseguiu fugir da casa de Hildebrandt em Ivins, Utah, e aparentava estar extremamente magro e apresentar feridas abertas. Nos pulsos, também tinha marcas de algemas.
O rapaz pediu ajuda a um vizinho e o seu estado débil levou à intervenção imediata da polícia. Pouco depois, a irmã de dez anos foi encontrada na mesma casa, também desnutrida. Ambos foram rapidamente hospitalizados e as investigações revelaram a gravidade dos abusos que sofreram. As descobertas levaram à detenção de Ruby Franke e Jodi Hildebrandt, acusadas de vários crimes de abuso infantil agravado.
Os processos judiciais que se seguiram expuseram detalhes chocantes sobre os maus-tratos infligidos às crianças. As provas demonstraram que Ruby e Jodi agiram movidas por crenças religiosas extremas, convencidas de que os filhos estavam possuídos por espíritos malignos. Essa convicção levou-as a impor castigos brutais, sob o pretexto de “purificação espiritual”.
Diários escritos por Ruby revelaram práticas chocantes, como obrigar os filhos a suportar dor física e humilhação como formas de castigo após se terem comportado mal. Uma das entradas mais perturbadoras (e que deixou os fãs em choque) descreveria como as mulheres raparam o cabelo dos miúdos e os forçaram a permanecer sob o sol intenso para tentar “expulsar os espíritos malignos dos seus corpos”.
Em dezembro de 2023, ambas se declararam culpadas de quatro crimes de abuso infantil agravado e, em fevereiro de 2024, foram condenadas a cumprir quatro penas consecutivas de um a quinze anos de prisão. Durante a sentença, Ruby garantiu estar arrependida e chorou, entre pedidos de desculpa aos filhos. “Fui enganada”, dizia.
O caso mediático levou à introdução de novas leis no Utah. Em março de 2025, o estado aprovou regulamentações para proteger miúdos que aparecem em conteúdos online. Agora, podem exigir a remoção dos vídeos e publicações ao atingirem a maioridade. Os pais também passaram a ser obrigados a guardar uma percentagem dos lucros obtidos para investir no futuro dos filhos.
Atualmente, Kevin Franke, que não foi acusado de envolvimento nos abusos, detém a custódia dos filhos. Já Ruby, a mãe, está a cumprir uma pena de prisão que pode chegar aos 30 anos, a sentença máxima no Utah. No entanto, a duração exata apenas será conhecida em dezembro de 2026.
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