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“Senna”: uma série tão apaixonada pela velocidade que até se esquece do protagonista

Alguns dos tópicos mais importantes da vida do piloto, como o catolicismo e a filantropia, ficam por explorar na série da Netflix.
Está no top da plataforma.

Ayrton Senna estava habituado a ser desvalorizado. Em 1983, todos os olhos estavam postos em Martin Brundle, o favorito ao troféu no campeonato da Fórmula 3 britânica. Era carismático, rico e estava numa onda de vitórias.

O brasileiro, porém, não se conformava com o segundo lugar que parecia ser o seu destino. Antes da corrida decisiva, os mecânicos colocaram fita adesiva na saída de ar do radiador de óleo do carro. O objetivo era simples: acelerar o aquecimento do motor para alcançar a temperatura ideal de funcionamento logo na primeira volta e, dessa forma, ganhar uma vantagem sobre os adversários. Isso tinha um preço: à medida que o óleo aquecia, a temperatura de água no sistema de refrigeração atingia patamares perigosos.

Já na dianteira, era preciso retirar a fita. Para não perder tempo nas boxes, sem medo, Senna alargou o cinto, empoleirou-se a alta velocidade e tirou a fita com as próprias mãos. A manobra, ainda hoje considerada arriscada e inesperada, rendeu-lhe o primeiro lugar e, acima de tudo, despertou a atenção das equipas de Fórmula 1, para onde passaria no ano seguinte.

Este momento épico da carreira é, também, um dos pontos altos da nova minissérie da Netflix, que estreou a 29 de novembro. A técnica inusitada, a competição intensa contra o britânico Brundle e a forma como a cena foi gravada — alternando entre planos aproximados do rosto de Gabriel Leone, o protagonista, carros a alta velocidade numa pista e pés nos pedais —, é um dos bons motivos para começar a ver a produção.

No entanto, e como se esperava, a narrativa não se desenrola apenas nas pistas. Fora das provas, a história é muitas vezes monótona e Senna surge como um esboço quase perfeito: um herói sem falhas. E se no Brasil, continua a ser um herói pelos feitos conquistados numa altura em que ainda se sentiam as sequelas provocadas pela ditadura que acabou em 1985, também era um ser humano com as suas falhas. A ver a série, ninguém o diria.

Para enaltecer o brasileiro, houve quase um desprezo por muitas das outras personagens. Um Senna rodeado de caricaturas e clichês. Gabriel Leone, de 31 anos, podia ter sido uma das salvações de “Senna”. Vemo-lo como um homem inteligente, juvenil e bonito e é quase como uma personificação do charme. Infelizmente, nunca conseguimos perceber onde nasce o espírito obstinado e indomável do piloto. A personagem chega a tocar no “vazio” que o sucesso na Fórmula 1 preenche, mas que nunca é devidamente explicado ou abordado.

A narrativa começa na infância do atleta passada em São Paulo, um miúdo que era apaixonado por carros e adrenalina. Viaja pelos primórdios no kart, em 1973, e acompanha a transição para Inglaterra, onde competiu na Fórmula Ford. Nesta fase da carreira, começou a destacar-se no Reino Unido. Até chegar, claro, ao trágico acidente que tirou a vida do piloto aos 34 anos, ocorrido a 1 de maio de 1994, na pista de Ímola, em Itália, durante o Grande Prémio de San Marino.

Ao longo dos seis episódios, sente-se pouca evolução na personagem: até ao fim, foi sempre um miúdo apaixonado por velocidade e corridas. O catolicismo, a filantropia e o orgulho que tinha do Brasil são tópicos que ficam inexplicavelmente por explorar.

Os relacionamentos amorosos de Ayrton Senna poderiam ser a oportunidade perfeita para que fosse acrescentado um peso emocional ao protagonista, mas também não há progresso nesse aspeto. Desde a namorada de infância a Xuxa, uma das maiores apresentadoras de televisão do Brasil, as namoradas parecem chegar e desaparecer tão rapidamente quanto os carros deslizam na pista.

Todos estes defeitos quase parecem não importar quando começam as corridas, o ponto alto da minissérie: o jogo de câmaras e edição, que trocam entre planos aproximados do rosto de Gabriel Leone e planos alargados com carros a altas velocidades nas claustrofóbicas pistas de corrida, colocam-nos na pista, que é tudo o que se exige de uma série sobre automobilismo.

“Senna” é fantástica para quem quer sentir a adrenalina da F1, mas pobre para quem quer mergulhar na vida do piloto.

Leia o artigo da NiT e conheça a história do ator Gabriel Leone.

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