Televisão

Como o filho de Boucherie Mendes passou a fazer parte da equipa de “Black Mirror”

Aos 25 anos, o lisboeta tem um currículo invejável. Também participou num filme oscarizado e está a trabalhar na nova produção com Christian Bale e Jake Gyllenhaal.

Quando andava na escola, os verões de Simão Boucherie Mendes eram passados no quarto da casa dos avós com a MTV ligada. Numa tarde de calor, viu um videoclipe que lhe mudou a vida: “Just Dance”, de Lady Gaga. Começou a acompanhar as produções de vídeo da artista e, curiosamente, essa foi a porta para, depois, descobrir o cinema.

“Era um miúdo bastante solitário e adorava ficar a ouvir música. Foi graças às grandes produções dela que depois comecei a ver mais filmes e, posteriormente, séries. Cresci numa altura em que tínhamos as plataformas de streaming a nascer e tive acesso a muito conteúdo”, conta o jovem de 25 anos à NiT, filho de Pedro Boucherie Mendes, figura televisiva e diretor da SIC Radical.

O fascínio que sentiu por Hollywood quando era miúdo não desapareceu e hoje vive e respira no interior da indústria que lhe mudou a vida. O seu trabalho mais recente? “Black Mirror”, uma das suas séries favoritas. “Eu via a série quando era miúdo e o meu sonho era trabalhar nela.”

Simão está creditado no quinto episódio da sétima temporada. “Eulogy” conta a história de um homem que se cruza com um sistema inovador que lhe permite entrar em fotografia — o que desperta fortes emoções.

O lisboeta trabalhou como coordenador de produção do departamento de efeitos visuais, onde “tudo é muito intenso e assoberbante”. “É um mundo gigante que toda a gente que está de fora não sabe bem como funciona”, explica. A principal função era garantir que a sua equipa de artistas completava as tarefas a tempo e que tinham tudo o que era necessário para fazerem o que o cliente (neste caso, a Netflix) queria.  “Passo o dia a falar com os artistas para garantir que as tarefas deles se realizam, como estão, se há problemas e, se for preciso, ajudo-os a resolver qualquer questão. No fundo, tenho de arranjar maneira para que as coisas aconteçam.”

O projeto chegou até à One of Us, a empresa britânica na qual trabalha, em setembro de 2024. Quando ouviu os rumores de que a Netflix estaria interessada, ligou imediatamente ao patrão para dizer “que precisava de trabalhar” no projeto. “Sempre foi algo que quis desde que entrei no cinema.”

O pedido foi aprovado e durante quatro meses trabalhou todos os dias em “Eulogy”, não raras vezes para lá da jornada diária de trabalho. O projeto revelou-se ainda mais especial para Simão porque foi o primeiro no novo cargo. “Tinha acabado de ser promovido e estava muito entusiasmado”, recorda.

Ao longo dos anos, trabalhou para grandes produções, mas nenhuma o deixou com mais orgulho do que “Black Mirror”, até porque lhe permitiu lidar diretamente com Charlie Brooker, o criador da série. “Fazíamos chamadas todas as semanas com ele. Era muito simpático. Falar com uma pessoa real ajudava-nos imenso e não tenho nada de mau a apontar. Normalmente dizem para não conhecermos os nossos ídolos, mas eu não fiquei desiludido.”

Depois de ter estreado na Netflix a 10 de abril, “Eulogy” tornou-se um dos mais elogiados da temporada. A “BBC” afirma que é “o episódio mais devastador da série”. A família de Simão Boucherie também teve apenas coisas boas a dizer. “Quando o meu pai viu o episódio, disse-me que se lembrou das canções que ouvia quando era mais novo. Ele gostou imenso.”

À procura do sonho em Londres

No Instagram, Pedro Boucherie Mendes também destacou o trabalho do filho. “Assim vai a vida do miúdo que foi viver sozinho para Londres com 17 anos”, escreveu numa publicação. Simão, natural de Lisboa, mudou-se para a capital britânica em 2017, após ter terminado o curso de Cinema na António Arroio.

Quando chegou a altura de avaliar as opções do ensino superior, decidiu experimentar algo fora do País porque tinha medo que a licenciatura se tornasse repetitiva e que não fosse aprender nada de novo. “Quis experimentar algo diferente. O cinema português é bom e gosto muito, mas precisava de pessoas novas e sítios diferentes, fora de casa”, recorda.

Quase com um ano de antecedência, começou a candidatar-se a inúmeras universidades no Reino Unido e foi aceite em todas, o que, para Simão, não era bom. “Estava na esperança que todas rejeitassem, menos uma, para não ter de escolher”, brinca.

Entre o rol de opções, acabou por escolher a University of the Arts of London que, após várias pesquisas, lhe pareceu ser a melhor proposta graças à maneira como se promoviam. Na escola, o foco não era o passado do cinema, mas sim o futuro. Depois de uma entrevista — foi um dos 50 escolhidos entre 500 candidatos — ficou com o lugar.

Três anos depois, acabou a universidade com um curso especializado em realização e um mestrado em escrita de argumento. Mas foi no mundo dos efeitos visuais que encontrou a vocação — e tudo graças à dica de uma amiga. “Não sabia nada sobre isto, mas fui aprendendo bastante rápido.”

A primeira grande produção em que teve a oportunidade de participar foi “A Zona de Interesse”, filme realizado por Jonathan Glazer que foi nomeado a cinco Óscares — e venceu na categoria de Melhor Filme Internacional e Melhor Som. Ao longo do processo, esteve muitas vezes com o cineasta que fez questão de ir ao escritório da One Of Us. “Ele era muito simpático e foi interessante interagir com ele e vê-lo a reagir ao nosso trabalho.” Na obra, o trabalho de Simão e da equipa foi apagar as câmaras do plano, porque o filme foi gravado com várias em simultâneo. 

Os próximos tempos vão ser igualmente desafiantes para o português. A 25 de abril, vai estrear “Devastação”, um novo filme de ação com Tom Hardy, na Netflix, onde Simão teve o mesmo papel. “Foi totalmente diferente de ‘Black Mirror’ e mais intenso porque tínhamos menos tempo”, explica.

A nova temporada de “The Witcher” e a sequela de “Silent Hill” também estão a chegar, mas nenhum projeto o deixa mais entusiasmado do que “The Bride”. A obra realizada por Maggie Gyllenhaal tem estreia marcada para 2026 e vai ser protagonizado por Jake Gyllenhaal, Penélope Cruz e Christian Bale. “O filme é completamente louco e mal posso esperar para que o vejam.”

Carregue na galeria e conheça algumas das séries e temporadas que estreiam em abril nas plataformas de streaming e canais de televisão.