Thomas Vinterberg esperou quase três décadas pela conquista do Óscar, que chegou finalmente em 2021, graças a “Mais Uma Rodada”, que venceu na categoria de Melhor Filme Internacional. Só que o nome do cineasta sueco era tudo menos desconhecido. Em 2014 deu nas vistas graças a mais um trabalho ao lado de Madds Mikkelsen, “A Caça”. Ciente da dificuldade da conquista, o realizador de 55 anos mantém os pés firmes. “O Óscar não faz de mim um melhor realizador”, contou à NiT numa passagem por Portugal para promover o seu próximo trabalho: uma série de televisão.
O primeiro episódio de “Families Like Ours” vai ser transmitido pelas 22h10 desta terça-feira, 19 de novembro, na TVCine Edition. A obra decorre num futuro próximo e a narrativa arranca quando os habitantes da Dinamarca são forçados a evacuar o país devido ao aumento do nível das águas do mar.
“À medida que as pessoas se dispersam em todas as direções, têm de se despedir daquilo que amam, daquilo que conhecem e daquilo que são. A um ritmo lento mas constante, tudo muda. Todas as propriedades perdem o valor, os destinos mudam e a sorte favorece apenas alguns. Os que podem pagar viajam para países ricos, enquanto os menos favorecidos dependem da relocação financiada pelo governo para destinos mais difíceis. Famílias, amigos e entes queridos separam-se. Alguns deixar-se-ão dominar pelo ódio e pela divisão, enquanto outros irão cultivar o amor e promover novos começos”, lê-se na sinopse.
É neste cenário que surge Laura, uma estudante do liceu apaixonada e que está prestes a terminar o secundário. Quando rebenta a notícia da evacuação, o rumo da sua vida e da família muda para sempre. A jovem vê-se forçada a enfrentar o dilema impossível de escolher entre as três pessoas que mais ama.
Para compor o elenco, Vinterberg optou por juntar novos talentos a atores veteranos com os quais trabalhou em “Mais Uma Rodada”, como Magnus Millang, Thomas Bo Larsen e Albert Rudbeck Lindhardt. “Adoro trabalhar com os meus amigos, particularmente se também forem ótimos atores. Sou muito sortudo porque encontrei pessoas que juntam estes dois lados e isso é incrível. Mas também conheci novos talentos. Há muitos jovens na série e isso também foi fantástico.”
Apesar de ser a primeira série do cineasta, “Families Like Ours” está a ser um sucesso entre os críticos. “Talvez tenha sido bem-sucedido”, brinca. Os episódios serão transmitidos sempre às terças-feiras na TVCine Edition.
Leia agora a nossa entrevista a Thomas Vinterberg — que também falou sobre os remakes de “Mais Uma Rodada”.
“Families Like Ours” é a sua primeira série. É muito diferente fazer uma série e não um filme?
Foi um processo muito demorado. Já não sou novo… Trabalhámos muitos dias. Mas gostei muito do processo criativo e de fazer sempre mais e mais. Gravámos durante 120 dias e não os habituais 30, mas gostei imenso. Fez-me lembrar das gravações de um filme.
Se fizer binge-watching, é como se fosse um filme.
Exato. E é isso que eu sei fazer. Recebi algumas dicas de colegas que fazem séries e que me falaram sobre cliffhangers e coisas desse estilo.
Ligou a alguém para pedir ajuda?
Sim, faço sempre isso.
A quem é que ligou?
Liguei ao Tobias Lindholm, um argumentista com quem já tinha trabalho e a outras pessoas da Dinamarca que não devem conhecer, mas nós conhecemos. Somos como uma pequena comunidade, como aqui em Portugal, que é um país pequeno onde todos se entreajudam.
Como é que surgiu a ideia para esta série?
Estava em trabalho num quarto de um hotel em Paris. Era um domingo e não conseguia ir para casa e estava com saudades da minha família. Nessa altura não estava interessado em Paris e Paris não estava interessada em mim.
Porque não?
Bem, ia a um café local todos os dias e nunca se lembravam de mim. Paris é assim para quem não fala francês. Eu era como um peixe fora de água. Comecei a pensar no que aconteceria se tudo aquilo de que eu gosto me fosse tirado de um momento para o outro. E o que me poderia ter sido tirado, como a minha família, foi tirada a milhões de refugiados. E se nós nos tornássemos nos refugiados? Começou a aparecer uma série de drama na minha cabeça. Isto foi há sete anos, numa altura em que o mundo estava muito diferente e não havia guerra na Ucrânia, não tinha havido uma pandemia, havia menos água nos campos da Europa. Era uma ideia mais futurista e experimentalista, muito mais do que aquilo que é agora. A vida apoderou-se do nosso projeto de uma forma assustadora.
É como se tivesse escrito aquilo que aconteceria no futuro.
Talvez seja um profeta (risos). Acho que percebi o que estava para vir e é como se a pandemia tivesse aberto uma porta entre as origens do projeto e a realidade atual. De repente, durante o processo de escrita, a pandemia aconteceu e nos ecrãs víamos notícias daquilo que tínhamos estado a escrever, como pessoas desesperadas a comprarem papel higiénico como se não houvesse amanhã. Tive de tirar esses momentos da história.
Esta série explora lugares mais obscuros da nossa mente.
Sim, explora elementos muito negros da humanidade. Como é que reagimos durante uma crise? Mas na segunda metade também explora a forma como nos conseguimos reinventar e reerguer após as dificuldades. Sou muito otimista sobre isso.
Também é uma série mais otimista e com histórias e personagens bastante humanas. Há alguma personagem com a qual tenha criado uma ligação mais forte?
Isso muda todos os dias. Acho que me conectei mais com os homens porque é o que eu sou. Mas também me identifiquei com os miúdos, como o Elias que é muito parecido comigo quando era mais novo. E o pai dele é muito semelhante àquilo que eu sou atualmente, admito. Talvez esses dois. Não me identifico muito com o casal homossexual porque eles são personagens bastante ricas emocionalmente e muito diferentes de mim. Mas mesmo assim decidi criá-los e, por isso, são uma parte de mim.
E quanto ao elenco, como é que foi juntar muitos dos atores com os quais trabalhou em “Mais Uma Rodada”?
Adoro trabalhar com os meus amigos, particularmente se também forem ótimos atores. Sou muito sortudo porque encontrei pessoas que juntam estes dois lados e isso é incrível. Mas também conheci novos talentos. Há muitos jovens na série e isso também foi fantástico. Era muito profissionais e estamos a fazer isto juntos há muitos anos porque tivemos os ensaios, as gravações, as edições e a pós-produção. É um processo muito demorado.
Como é que o Thomas mudou enquanto realizador desde os primórdios da sua carreira?
Acho que os humanos mudam muito pouco com o passar do tempo, eu inclusive. Penso nisso quando encontro velhos colegas da escola e percebo que não mudaram e penso que só eu é que evoluí, mas depois paro para pensar e percebo que, se calhar, isso não é verdade e que também não mudei. Este é um pensamento que me tem perseguido. Quando os meus velhos amigos me elogiam, não acredito neles. Mas quanto ao trabalho enquanto realizador, sinto que fiquei mais calmo, o que é sempre um desafio, e deixei de lado a histeria. Sei que o Óscar não faz de mim um melhor realizador, mas certamente que foi uma experiência incrível e deu-me muita exposição. O clima financeiro também melhorou, mas o melhor foi mesmo o Óscar porque foi uma experiência muito emocionante. O Paolo Sorrentino apoiou imenso o meu filme e é assim que funciona no sistema da Academia. Apoiamos os filmes uns dos outros para serem nomeados. É essa a solidariedade que eu aprecio.
É assim que devia ser, certo?
Sim, isso comoveu-me imenso.
Talvez isso tenha sido uma inspiração para a série, porque não faltam momentos de solidariedade entre as personagens.
Sempre fiz filmes que abordam esse tema porque foi assim que cresci. Cresci numa casa enorme cheia de loucos intelectuais, cerveja, pessoas nuas, festas e muita solidariedade. Tive uma infância extraordinária.
Sente-se orgulhoso com o resultado final da série?
Sim, estou muito orgulhoso, mas também estou nervoso. Felizmente, está a ser vista por muitas pessoas e está a ser um sucesso. As críticas têm sido bastante boas e isso é muito positivo porque traz-me esperança. Talvez tenha sido bem-sucedido.
Deseja continuar a fazer séries?
A minha prioridade parte da ideia e se há algo a arder dentro de mim. É como conhecer um namorado ou uma namorada. Nós não pensamos: quero um de Lisboa, porque podemos conhecer alguém do Porto e isso seria completamente diferente daquilo que imaginámos. As ideias que eu tenho vão encontrar o formato ideal para elas. Ofereceram-me trabalho numa série de televisão e, atualmente, estou a trabalhar numa.
E sobre o que é que vai ser?
É um romance que é muito importante na Escandinávia. Pediram para transferi-lo para o idioma inglês e partilhá-la com o mundo. É quase como uma Bíblia para nós. É algo gigantesco e algo que me toca imenso.
E o “Mais Uma Rodada” também vai ter um remake, certo?
Já teve um remake na República Checa com quatro mulheres. Agora também estão a fazer um remake em Hollywood e pediram ao Chris Rock para ser o realizador. Foi o DiCaprio e a empresa dele que compraram os direitos. Estou a tentar não interferir muito. Fiz a minha versão e agora eles vão fazer as versões deles.
Carregue na galeria e conheça outras das séries e temporadas que estreiam em novembro nas plataformas de streaming e canais de televisão.