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Uma Viagem à Atlântida Hoje: relato dos primeiros dias de rodagem por Luís Filipe Borges

Na nova crónica, o realizador conta as aventuras por São Miguel e revela o companheiro de viagem para o arranque da segunda temporada de "Mal Amanhados".

São Miguel, ilha maior, mais de metade da população do arquipélago. Três das seis cidades açorianas e seis dos seus 19 municípios: Ponta Delgada, Ribeira Grande, Povoação, Nordeste, Lagoa e Vila Franca do Campo. Peguemos então o touro pelos cornos (como se poderia dizer na minha Terceira) e arranquemos a aventura no território mais complicado de gerir: pelas distâncias, pelo número de gente, por tanto que há para ver e divulgar.

A segunda temporada dos “Mal Amanhados” começa pela ilha de Antero e Natália, nas primeiras 48 horas ainda sem o coprotagonista. Somos recebidos no simpaticíssimo Neat Hotel Avenida, centro de Ponta Delgada, junto à marginal, e partimos para tudo o que podemos fazer enquanto não chega o António Raminhos.

Prometi ao leitor, há 15 dias, que revelaria aqui o nome do meu companheiro de viagem e, como não sou político, cumpro. Um açoriano mostra o melhor da sua terra ao seu melhor amigo continental. Ansioso para que ele chegue, certo e seguro dos muitos anos que acumulamos de experiências, cumplicidade e química. “Ai, tal disparate!”, como se diz na Terceira, e — embora não pareça ao ouvido continental — diz-se sem carácter pejorativo e com entusiasmo.

No entretanto, vamos às Cerâmicas Vieira, quase 200 anos de história no concelho da Lagoa e ainda em plena laboração, com as técnicas artesanais de sempre. Um negócio familiar que vai na quinta geração. Visitamos Porto Formoso, mais pequeno, mas talvez ainda mais belo do que o Chá Gorreana, únicos locais na Europa onde se planta chá.

Percorremos a majestosa Serra da Tronqueira, no Nordeste; e vamos à procura do priolo, ave endémica da ilha, um tímido espécime que depende da floresta laurissilva e está em pleno processo de recuperação, ao cuidado da Sociedade Portuguesa do Estudo das Aves e dos cientistas que aqui o acarinham — incluindo a madrilena Azucena de La Cruz, que há 18 anos trocou a movida da capital espanhola por um centro de investigação no interior da enorme São Miguel; e pelo reservado e amável Luís, que não se despede de nós sem escrever o nome da sua banda num papel — os Buried By Lava, de heavy-metal. As aparências iludem.

Visitaram vários pontos turísticos.

O nosso drone, conduzido pelo talentoso realizador Diogo Rola, é lançado sempre em busca de ângulos novos, que descortinem os Açores para lá dos habituais bilhetes-postais. Do ilhéu de Vila Franca ao Faial da Terra, das praias da Ribeira Grande ao extraordinário miradouro do Pico do Bode.

O Raminhos chega e mudamos de poiso, desta vez para o épico Caloura Resort Hotel, refúgio sito num promontório onde quase se conseguem avistar fantasmas dos piratas do passado. Começam as conversas com os verdadeiros protagonistas do episódio micaelense: Sidónio Bettencourt, lenda da comunicação, o mais antigo trabalhador da rádio e televisão açorianas, um verdadeiro engenheiro de pontes entre todas as ilhas, a Diáspora e o continente. Luís Banrezes “Kitas”, um transmontano adotado pela ilha desde 2010, alma do Festival Tremor, da Rádio Vaivém, da editora Marca Pistola (que só lança artistas açorianos), da agenda Yuzin, entre muitos outros projetos. Um agente cultural de estalo e ser humano absolutamente encantador.

Eleonora Marino Duarte, poeta e atriz brasileira que trocou o Rio de Janeiro por Ponta Delgada. Sara Massa, jovem cineasta, um futuro brilhante à sua frente. Paula Gouveia, diretora do mais antigo periódico português, o Açoriano Oriental. Hélder Medeiros, o pioneiro da stand-up comedy no arquipélago, mais de 20 anos de percurso na comédia sob o nome HELFIMED. Eugénia Contente e o seu virtuosismo na guitarra em plena Praia Pequena de Água d’Alto, Pedro Almeida Maia e um excerto de “O Barco e o Sonho” dito na Praça do Emigrante — junto ao globo terrestre que é sinal do destino ilhéu, todas as paragens do mundo ao dispor, e a ilha sempre connosco na bagagem.

Amanhã filmaremos Katia Guerreiro, a capella, cantando o “Creio” de Natália Correia. Dádivas divinas.

Hoje à noite — última na ilha — será dia de Zeca Medeiros, o pai de nós todos, a referência máxima de qualquer açoriano interessado nas artes. O realizador, ator, cantor, virá ter connosco ao mais antigo hotel dos Açores, o histórico Terra Nostra, local onde há mais de meio século filmou pela primeira vez. 

Comovo-me com o privilégio, só de conversar ao telefone com ele enquanto combinamos detalhes do que vamos gravar.

Os participantes.

O Zeca é maior do que a vida. E algures no extraordinário Jardim Botânico deste poiso assombroso no Vale das Furnas, realizarei o sonho que trago desde adolescente de contracenar com o Zeca, numa cena escrita, escolhida, trazida pelo próprio. Tremo como varas verdes, mas o que é viver se não passar (ao máximo) por todas as emoções existentes?

Próxima paragem será São Jorge, a ilha Dragão. E daqui a 15 dias prometo muitos detalhes da segunda escala atlântica dos “Mal Amanhados”. Haja saúde.

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Tem dicas sobre spots açorianos que merecem atenção? Vistas deslumbrantes e menos conhecidas? Pessoas que vale a pena conhecer? Gostava de sugerir uma história à Embaixada dos Açores ou contar um episódio hilariante sobre malta de fora que tentou apanhar o metro, achou que tinha de nadar até à próxima caixa multibanco ou estava convencida de existir um rio em São Miguel? Envia um email para embaixadadosacores@nullnit.pt.

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