Teatro e exposições

Tiago Dores: “Sempre me considerei de esquerda. Hoje, vejo-me como de direita”

A NiT entrevistou o fundador dos Gato Fedorento sobre o novo projeto, "Política Para Quem Não Tem Pachorra para Política".
Tiago Dores tem um novo projeto digital.

Com Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela e Miguel Góis, Tiago Dores fundou Gato Fedorento em 2003. Ao longo de vários programas e formatos, o quarteto teve um sucesso explosivo nos anos que se seguiram.

Depois de algum tempo afastados do espaço público, Ricardo Araújo Pereira foi o que se manteve mais ativo nesse domínio. Nos mais recentes programas do humorista, “Gente que Não Sabe Estar” e “Isto é Gozar Com Quem Trabalha”, Miguel Góis e José Diogo Quintela tornaram-se parte da equipa de guionistas.

Tiago Dores fez um percurso paralelo. A partir de 2015 começou a interessar-se cada vez mais por política e, uns anos depois, regressou ao ativo em colaboração com o jornal “Observador”. Além de escrever crónicas, teve a rubrica “De Maneira Que No Fundo É Muito Isto” na rádio. Faz ainda o podcast “Comité Central” com Alberto Gonçalves e Carlos Guimarães Pinto.

O passo natural depois destes anos a escrever e a comentar sobre política tornou-se criar uma rubrica digital — em vídeo e podcast — chamada “Política Para Quem Não Tem Pachorra para Política”. Começou esta sexta-feira, 11 de março, e terá uma periodicidade semanal. Leia a entrevista da NiT com Tiago Dores a propósito deste novo projeto.

Como pensou em criar este projeto?
Tenho feito coisas em torno da atualidade e especificamente da política. Além dos formatos que faço no “Observador” há mais de três anos e do podcast “Comité Central”, apeteceu-me fazer uma coisa num formato mais curto, em vídeo. Com uma perspetiva didático-parva sobre questões de política que podem ter a ver com a atualidade ou partir de questões da atualidade para falar de temas intemporais e genéricos. Servi-me um pouco do trabalho que tenho feito para tentar aprender um bocadinho mais sobre esses assuntos. Não sei muito bem o que é que vai ser, não sei se já deu para perceber.

Descreveria este projeto como uma espécie de podcast? Ou não gosta do termo, ou não se aplica propriamente?
Gosto, gosto. É o formato a que, como ouvinte, mais recorro. Apesar de à partida serem coisas muito curtinhas, o formato de podcast é muito bom e acho que é uma forma prática de ouvir este género de conteúdos. O nome do “Política Para Quem Não tem Pachorra para Política” é um bocadinho denotativo. Quando normalmente se fala em política, na generalidade das pessoas há uma retração quase instintiva. Porque, quando usamos o termo política, remete-nos para o dia a dia da política partidária, das intrigas parlamentares. Há coisas muito giras, mas normalmente não é muito interessante e está cheio de episódios aborrecidos e chatos. De uma maneira geral, é uma coisa que acho que cansa um bocadinho as pessoas. O sentido em que vou falar de política é, desejavelmente, não só nesse sentido mais estrito, mas se calhar num sentido mais abrangente. Basicamente a forma que arranjámos de nos organizarmos enquanto sociedade.

Têm uma duração fixa, estes episódios?
Não têm, mas embora eu seja muitíssimo inexperiente nestas coisas das redes sociais, percebo que o tempo de atenção das pessoas é bastante curto. Por isso, e porque também não conseguia fazer uma coisa minimamente longa, será uma coisa bastante curta. O primeiro teve dois minutos e qualquer coisa. Talvez mais para a frente consiga fazer mais do que uma emissão por semana. Vamos deixar a coisa rolar: primeiro, perceber se há alguém interessado em ver isto. Havendo, pensar de que forma é que pode evoluir.

Quando é que o Tiago se começou a interessar por política, de facto?
Sempre me interessei por política e me considerei uma pessoa informada. Mas ter informação ou conhecimento sobre determinado assunto não significa perceber alguma coisa desse assunto. Era um bocadinho esse o meu caso. Até por necessidade profissional em muitos projetos do Gato Fedorento, estava bastante informado, nomeadamente sobre aquela espuma do dia da política. Mas comecei a interessar-me mais talvez em 2015, altura que marcou um ponto de rotura na política em Portugal. Quando o PSD ganha as eleições mas o PS forma a geringonça com os partidos comunistas. Mais ou menos nessa altura, conheci algumas pessoas que abordam questões sobre política de pontos de vista diferentes daquele com o qual eu tinha até aqui abordado estas questões. Comecei a pensar sobre isso, a ouvir opiniões diferentes que me chamaram a atenção para um conjunto de questões que percebi que não tinha pensado devidamente. É isso que tenho tentado fazer de lá para cá: entender outros pontos de vista e encontrar respostas que me pareçam um pouco mais convincentes. E mais de acordo com aquilo que acho que é o ponto fulcral das nossas sociedades como as conhecemos — e esperamos não as conhecer de forma radicalmente diferente — que é a questão da liberdade de expressão. E como é que diferentes abordagens políticas veem a questão da liberdade de expressão. 

Quer dar alguns exemplos de pessoas que começou a ouvir ou a ler nessa altura? E que são, de alguma forma, referências?
Há um momento que para mim foi bastante marcante, do qual tive conhecimento em 2015: uma entrevista dada à BBC por um psicólogo canadiano chamado Jordan Peterson. Na altura era conhecido, hoje é bastante mais. A entrevista não era sobre isso, mas acaba por ser sobre a liberdade de expressão. O Jordan Peterson apresenta a questão de uma forma tão convincente que deixa a jornalista completamente sem palavras. Ela perguntava-lhe se ele achava que tinha o direito de usar a sua liberdade de expressão sabendo que poderia estar a atentar em eventuais liberdades dos outros. E ele disse qualquer coisa como: para discutirmos ideias, é absolutamente inevitável correr o risco de ofender alguém. Só o simples facto de debatermos assuntos sérios, sobre os quais as pessoas têm posições muito firmes e sólidas — seja política ou religião —, só o facto de mencionarmos o nosso ponto de vista já é passível de ofender alguém. Mas não há outra forma de ter discussões sobre assuntos importantes se não fizermos isso. É inevitável. A entrevista estava a ser extremamente desagradável, ela estava a ser bastante agressiva. E ele disse: você está a ter a liberdade, e acho muito bem que a tenha, de fazer as perguntas que acha que tem a fazer e de ser desagradável comigo. Mas é a única maneira de debatermos ideias. Esse ponto foi muito importante para mim e foi através do Jordan Peterson que comecei a ouvir outras pessoas, como o economista americano Thomas Sowell. São pessoas que têm uma perspetiva um pouco distinta daquela que costumamos ouvir nos media mais tradicionais. O mundo dos podcasts, lá está, é extremamente fértil em conteúdos alternativos. E foi a partir daí que comecei a querer aprender mais ao ouvir opiniões divergentes do que para mim era a norma.

O Tiago tem exercido a sua liberdade de expressão no “Observador” para abordar alguns destes temas. Obviamente, qualquer pessoa que escreva ou fale sobre atualidade política, gera reações, especialmente quando temos redes sociais e essas reações são imediatas. É diferente de, por exemplo, quando os Gato Fedorento começaram e a plataforma era a televisão. Obviamente haverá pessoas que concordam, outras que discordam, algumas que poderão mostrar desagrado até com insultos. Como lida com isso?
Vou ser muito sincero. Por norma, agradeço às pessoas que comentam, não costumo ler muitos comentários — mais por uma questão de falta de tempo. Há os comentários normais das pessoas que não são radicais, que não têm ideologias extremistas, e depois há as opiniões disparatadas de quem tem essas perspetivas extremistas de um lado ou de outro. Não é nada muito extraordinariamente surpreendente. Mas é possível que as pessoas mais extremistas tenham mais tendência para comentar.

O Tiago estudou Economia.
É verdade. Quer dizer, estudar, enfim… Arrastei-me um bocadinho pelo curso de Economia, sem grande perspetiva do que queria fazer, talvez um pouco imaturo. Foi pena, porque desperdicei ali algumas coisas que poderia ter aprendido e que me passaram um bocadinho ao lado. 

Economia tem obviamente uma grande ligação à política nalgumas vertentes. Na altura também estava desperto para as diferentes perspetivas económicas relacionadas com as ideologias políticas?
Não, esse é o principal motivo pelo qual digo que infelizmente desperdicei esses anos do curso [risos]. Teria sido bom ter estado com atenção e um bocadinho mais alerta para estas questões, porque teria sido muito proveitoso. Não estava de facto muito alerta para essa questão. Não estava, em particular, muito alerta para essa interligação entre economia e política e como é que diferentes ideologias compreendem a economia e a nossa sociedade em geral. Como é que isso se interliga com o que falávamos há pouco da liberdade de expressão. Enfim, é um trabalho que tento fazer agora e a vantagem hoje em dia é que a profusão de conteúdos permite, de facto, selecionar um conjunto de fontes que são muito boas.

Como diz, hoje há muitas fontes de informação e a desvantagem é que pode ser difícil filtrar o que interessa. Mas também existe o risco de as pessoas, quando consomem informação, criarem uma bolha de ler ou ouvir pessoas que têm sempre a sua perspetiva, que reforçam as suas ideias, e depois tendem a não prestar atenção a perspetivas diferentes.
Sim, é a tal polarização a que os algoritmos das redes sociais podem conduzir, porque nos fornecem aquilo que percebem de que gostamos. Tem-se falado muito disso, de puxar algumas pessoas mais jovens para extremismos, porque começam a consumir determinado conteúdo que depois os leva a serem bombardeados com mais conteúdos que reforçam essas ideias. Admito que seja uma possibilidade. Há muitas questões na nossa vida em que ou não há uma solução ou — e este são quase todos os casos — não há uma solução que seja perfeita. Qualquer coisa que façamos poderá resolver aquele problema, mas criar outros. Ou seja, a liberdade de expressão e o facto de as pessoas poderem publicar nas redes sociais tudo o que quiserem traz um problema óbvio: há coisas publicadas que são muito desagradáveis. A questão do discurso de ódio. Embora em Portugal e noutros países europeus esteja legislada, há coisas que de facto são puníveis criminalmente ao serem ditas. Nos EUA, a lei é muito menos restritiva. Mas apesar de haver essas leis, haverá sempre discursos que são ofensivos para alguém. A única solução para garantir que nenhum discurso é ofensivo para ninguém em nenhuma altura é ninguém dizer nada. Não há outra maneira. Não sendo possível fazer essa lei, o melhor é não fazer lei nenhuma. Percebermos que a liberdade de expressão traz algumas questões que podem não ser positivas. A questão é que todas as alternativas são piores.

Mas o que existe hoje em Portugal e noutros países europeus, de algumas leis que definem alguns limites, o Tiago acredita que não deveriam existir?
É difícil. Definimos um conjunto de coisas como discurso de ódio. O perigo disso é que estamos a delegar em alguém, nomeadamente políticos, a definição do que é discurso de ódio. Imaginemos a hipótese de um governo numa pandemia, que invoca estados de emergência, que defina que as coisas que se dizem e que vão contra o que o governo diz que tem de ser feito passam a ser discurso de ódio e passam a ser proibidos. O meu ponto é que dar esse poder a alguém, e a história mostrou-nos isso muitas vezes, não dá bons resultados. Quem tem poder tem tendência a querer mais poder e a abusar desse poder. De repente estamos numa situação em que o que se pode ou não dizer responde a interesses políticos específicos de um grupo. Sei que a questão é muito delicada, e por exemplo nos EUA a definição de liberdade de expressão é bastante mais abrangente. Há uma história de uma localidade nos EUA após a Segunda Guerra Mundial, um caso muito conhecido que gerou uma grande polémica. Numa pequena cidade americana que tinha uma grande comunidade de judeus, logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, um grupo neo-nazi promoveu uma manifestação que pretendia percorrer toda essa localidade. Isto gerou uma polémica gigantesca porque era a coisa mais horrorosa que alguém se podia lembrar de fazer. E os tribunais americanos decidiram que os neo-nazis tinham direito a fazer a manifestação. É bonito? Não, é horroroso. Mas entendeu-se, e tendo a achar que bem, que o perigo de estabelecer os limites da liberdade de expressão é o perigo de permitirmos a quem está no poder, de acordo com os seus interesses, definir que certas coisas que podem ir contra os seus interesses, são proibidas de ser ditas. E isso é muitíssimo perigoso. É ainda mais perigoso do que permitir manifestações do mais puro ódio, das coisas mais repugnantes que se podem imaginar.

Mesmo quando o direito à manifestação pode incluir incitamento à violência e ao ódio, que também é um crime nos EUA? Também pode haver uma linha ténue entre incitamento à violência e discurso de ódio.
É. E o perigo dessa linha ser ténue é que ela pode ser mexida por interesses políticos dúbios. E de repente pode ser muito puxada para situações que tenderíamos a achar que não são assim tão extremas. Por causa da pandemia e agora da Rússia, temos falado imenso de desinformação. O que é desinformação, quem define o que é desinformação? Se de alguma forma é proibida, como em Portugal tivemos a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital, o governo ou alguma instituição nomeada tem a capacidade de definir o que pode ou não ser dito, por exemplo, nas redes sociais. Isso é um perigo incomensuravelmente maior do que qualquer outro inerente à liberdade de expressão.

Como é que se define ideologicamente?
Sempre me considerei de esquerda. No entanto, e à medida que nos últimos anos comecei a ouvir opiniões diferentes, hoje vejo-me como de direita — no sentido em que o que mais valorizo em termos políticos é a liberdade individual. São um bocadinho os preceitos da fundação dos EUA: a liberdade e perseguir a felicidade. Acho que o estado tem um papel fundamental na economia e na vida em geral. Para já, de regular as relações económicas, o que é fundamental. Acho também que atingimos um nível de desenvolvimento no mundo ocidental que nos obriga moralmente a que o estado forneça uma rede de segurança para as pessoas em dificuldade. Essa rede deve estar presente na saúde e educação. Além disso, acho que o estado deve ter um peso muito menor do que tem — reportando-me ao caso português — na economia. O estado deve intervir em áreas que os privados não conseguem dar resposta. E obviamente o estado deve ter o monopólio da defesa, da justiça e por aí fora. 

Diria que é um liberal, ou não gosta do termo?
Pois, o próprio termo tem conotações muito distintas. Acho que um liberal clássico nos EUA, sim. Mas hoje o termo liberal, mesmo nos EUA, foi apropriado um bocadinho pela esquerda progressista. No panorama americano considerar-me-ia mais um conservador, porque acho que estão a querer conservar aquilo que a nossa sociedade construiu, com grande ênfase para a liberdade de expressão. Muito mais preocupados com isso do que os próprios liberais. Em Portugal, a Iniciativa Liberal do ponto de vista económico tem um programa com o qual me identifico em absoluto. Do ponto de vista social nem tanto, acho que a IL tem um programa mais progressista. Mas no essencial, sim, poder-me-ia considerar um liberal. Mas há algumas questões sociais que me levantam muitas dúvidas, mesmo sobre as quais sempre me senti bastante liberal, como a questão do aborto. Comecei a olhar de forma um bocadinho diferente, é um trabalho em progresso, não consigo responder a essa pergunta. Mas devíamos caminhar para um modelo em que o estado tem um peso muito menor na vida das pessoas. O estado é extremamente ineficaz a gerir os nossos impostos. Acho que devia dar liberdade às pessoas para decidirem as escolas onde os filhos andam, os hospitais onde se vão tratar. Não significa que o estado não providencie uma rede para quem precisa — não só para quem já nasce em circunstâncias que são propícias a não estarem minimamente em pé de igualdade com os restantes, mas também para quem cai nessas situações ao longo da vida. Acho que o estado se deve preocupar em criar condições de partida iguais.

Igualdade de oportunidades?
Exatamente. Acho que o estado deve estar fora do negócio de criar igualdade de resultados. Porque um estado assim está destinado a criar sociedades que fracassam, como todos os sistemas socialistas e comunistas demonstraram ao longo dos últimos 100 anos. E uma sociedade que pretende igualar os seus cidadãos é uma sociedade que está a desperdiçar um conjunto de recursos inimaginável. Porque não permite que cada pessoa possa fazer da sua liberdade aquilo que pretender — e que não ponha ao serviço da sociedade essas capacidades. Quando ninguém tem nenhum incentivo a fazer mais e diferente, toda a gente acaba a não querer fazer nada. E esse é o resultado que um modelo socialista, com uma utopia comunista, produz.

Quando disse que se considerava anteriormente uma pessoa de esquerda, assumindo que manteve a maior parte das posições — apesar de ser normal mudarmos de opiniões ao longo da vida…
O Churchill dizia que não ser socialista aos 20 anos é não ter coração. Não ser conservador aos 40 é não ter cérebro. 

O que é que mudou na perspetiva do Tiago? Ou tem a ver com as alterações no contexto político português?
São as duas coisas. O contexto político português potenciou um bocadinho esta questão, aconteceram mais ou menos em simultâneo. Qualquer pessoa da minha geração, nasci em 1975, numa altura em que era “proibido” ser de direita em Portugal — e foi durante bastante tempo. Hoje continua, embora tendencialmente cada vez menos. 

Tem a ver com o conservadorismo que existiu durante muito tempo na ditadura.
Exatamente, foi uma reação aos quase 50 anos de ditadura conservadora. Mas mesmo nessa altura, o movimento socialista e comunista que tomou conta do País acusava de direita um liberal europeu democrático normalíssimo, do centro e norte da Europa. Mesmo o CDS, um partido conservador cristão, dizia-se de centro. Cresço nesse contexto em que não há propriamente direita em Portugal e todo o enquadramento é esse pós-ditadura de direita. Foi preciso algum tempo para fazer esse caminho: que outras hipóteses é que há? O que há no resto da Europa? Em 2015 esse processo tem um empurrão pelo facto de o PS ter quebrado aquela barreira histórica, que basicamente tinha servido para definir o que era o PS. No pós-25 de Abril, é o partido que permite que Portugal não siga um rumo que nos teria levado a ser um país satélite da União Soviética. O PS define uma barreira intransponível entre o socialismo democrático e o comunismo. Em 2015, ao fazer acordos com dois partidos comunistas, essa barreira é estraçalhada por António Costa. Isso mudou a forma como olhava para a vida do país desde o 25 de Abril. O meu percurso é este e acho que é o de muita gente na minha geração. E, obviamente, o facto de ser mais velho. O conservadorismo tem muito a ver com a perspetiva de ter uma ideia a médio e longo prazo da vida. Uma pessoa quando tem filhos passa a ter uma perspetiva de maior prazo. Isso leva-te a estar menos recetivo a mudanças revolucionárias. E raramente as ideias revolucionárias trouxeram alguma coisa de bom. São um virar a mesa e trazer tudo de novo sem guardar nada do que houvesse de bom. Não acho nada boa ideia. E acho que muita gente, principalmente mais nova, vê o mundo em que vivemos como algo garantido e que a liberdade é garantida. Não têm noção de que estas circunstâncias — e antes da guerra na Ucrânia isso era ainda mais evidente — do mundo ocidental pós-Segunda Guerra Mundial são únicas em termos de paz e prosperidade. Gostava que conservássemos algumas coisas dessas e que fôssemos aprimorando outras também.

Essa oposição ao conceito de ideia de revolução, do “virar a mesa” e alterar as coisas de forma repentina, também se aplica ao caso do 25 de Abril?
Não… Aplica-se em regimes democráticos. O único país europeu que não teve uma revolução digna desse nome foi o Reino Unido. E por algum motivo se tornou no país democrático que se tornou, com instituições tão fortes, um bocadinho à conta disso. As revoluções como o 25 de Abril são contra um modelo… Imagine que hoje há uma revolução na Coreia do Norte. Há regimes que não são passíveis de ser melhorados. É preciso virar a mesa quando não há nada num sistema que favoreça a vida das pessoas. Referia-me à revolução em relação à necessidade de partidos progressistas hoje em dia de desejarem revoluções em sociedades que atingiram um nível de bem-estar do qual só não tem noção quem não tem a mínima perspetiva histórica do que é a vida dos seres humanos ao longo dos últimos séculos.

Mudando de tema, os Gato Fedorento tiveram um sucesso explosivo durante muitos anos. Depois, afastaram-se do espaço público — só o Ricardo Araújo Pereira permaneceu mais ativo. Eventualmente o Miguel Góis e o José Diogo Quintela tornaram-se também parte da equipa de “Gente que Não Sabe Estar” e de “Isto é Gozar Com Quem Trabalha” quando esses programas foram criados. O Tiago manteve-se mais afastado por alguma razão?
Em 2015, depois de estarmos cerca de seis anos sem fazermos nenhum programa, dá-se a hipótese de voltarmos com um formato do género de “Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios” na TVI. Não estive presente por questões estritamente pessoais, familiares. Não pude de todo juntar-me ao projeto nessa altura. E também por força dessa fase um bocadinho diferente da minha vida, dediquei-me durante dois ou três anos a outras coisas, que não têm nada a ver com aquilo que estive a fazer até essa altura, com programas de televisão ou qualquer outro conteúdo humorístico. Quando decidi retomar, optei por fazê-lo num contexto diferente, um bocadinho também porque coincide com aquela altura em que me comecei a interessar mais por questões políticas. Eles entretanto continuaram com outros formatos, e com enorme sucesso, e quando decidi voltar senti necessidade de fazer uma coisa em meu nome, só. Aí apareceu o “Observador”. E decidi ir por este caminho, independentemente de surgirem hipóteses para voltar a trabalhar em televisão, que é algo que não excluo.

Se daqui a uns anos houver a oportunidade para um regresso dos Gato Fedorento, também é algo que se vê a fazer?
Acho que sim. Não é nada que esteja no horizonte, mas não excluo essa hipótese. O John Cleese há uns anos fez uma digressão — foi só ele, não foram os Monty Python — mas que se chamava “The Alimony Tour”. Não que esteja a contar fazer uma “digressão de pensão de alimentos”, mas pode haver algum motivo de repente que possa despoletar uma situação desse género [risos]. Mas que seja um motivo que permita inventar nomes giros para tournées ou programas de televisão. É uma hipótese que poderá estar sempre em aberto, não sei.

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