Todos os dias surgem novas tendências entre os miúdos — algumas apenas divertidas e inofensivas, outras muito perigosas. Beber dezenas de bebidas energéticas para colecionar as latas coloridas, é a mais recente.
À primeira vista pode parecer inofensiva, mas a moda que nasceu em 2020, durante a pandemia, tem crescido nos últimos meses. Num dos vídeos virais mais recentes, partilhado no TikTok a 12 de agosto, vemos um miúdo norte-americano, Josep Dehler a entrar num carro repleto de latas de bebidas energéticas já abertas. Na legenda, o jovem deixou um ultimato: “Não limparei o carro até que a Monster decida oferecer-me bebidas energéticas grátis para toda a vida”.
A partilha já soma 18,5 milhões de visualizações e 17 mil comentários de utilizadores impressionados (ou perturbados) com a coleção. “Mesmo que a Monster diga que sim, a tua esperança de vida será de quatro dias”, escreveu um dos críticos.
Outros vídeos, igualmente populares, revelam mais fenómenos bizarros envolvendo as latas, mas o mais comum, sobretudo nos mais novos, é empilhá-las nas paredes dos quartos. Porém, o que poderia ser apenas mais uma brincadeira de miúdos levanta questões muito sérias.
Consumo perigoso
A moda do colecionismo, aliada ao efeito estimulante que as bebidas prometem, tem ajudado a multiplicar as vendas— e os miúdos (entre os 12 e 17 anos) são mesmo os principais clientes. Segundo os estudos da “The American Academy of Pediatrics”, nos EUA, 30 a 50 por cento da população desta faixa etária “consome regularmente este tipo de bebidas”.
Porém, “estas bebidas deviam ser proibidas para miúdos para menores de 18 anos”, sublinha o painel de especialistas em pediatria da instituição norte-americana.
Uma das razões apontadas é o facto de “colocarem o organismo em demasiado stress”. “Com o tempo, isso pode afetar o desenvolvimento do cérebro [que só aos 25 está completamente desenvolvido] e do sistema cardiovascular dos mais novos”, explicam os especialistas em pediatria.
“Só em 2011, 1499 adolescentes com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos tiveram de ser vistos nas urgências na sequência de problemas provocados pelo consumo de bebidas energéticas”, revela o Centro de Controlo para Doenças (CDC) dos EUA. Os sintomas variavam entre desidratação e insónia, ansiedade e até complicações cardíacas.
No entanto, os estímulos ao consumo destes produtos não surgem apenas nos feeds das redes sociais. Estas bebidas são apresentadas como “ideais para quem pratica desporto” e são oferecidas em vários torneios nas escolas. O problema é que podem desencadear graves problemas de saúde — aliás, são “desaconselhadas a toda a gente”, alerta a nutricionista Mariana Cortes.
Em Portugal, ainda existem poucos estudos façam um retrato fiel do consumo de bebidas energéticas. A pesquisa mais recente, publicada na revista “Ata Pediátrica Portuguesa” em 2017, foi realizada por especialistas em pediatria do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, e do Centro Hospitalar São João, no Porto.
Reuniram 704 respostas de miúdos entre os 14 e 19 anos e concluíram que 76 por cento já tinham experimentado bebidas energéticas e a primeira vez teria acontecido entre os 12 e 15 anos. Números que serviram de base para alertar para os perigos do consumo deste tipo de produtos.
Afinal o que têm estas latas coloridas?
Estas bebidas surgiram no início do século XX, nos hospitais norte-americanos, para ajudar na recuperação em casos em que a estimulação da mente e do corpo era necessária. Mais tarde, acabaram por ultrapassar as fronteiras das unidades de saúde e chegaram ao mercado. Nos anos 90, o sabor estranho e adocicado, aliado ao efeito excitante quase instantâneo, ajudou a consolidar a popularidade deste tipo de produtos.
As designadas bebidas energéticas são refrigerantes com elevado teor de cafeína a que são adicionados outras substâncias, como a taurina (um aminoácido produzido pelo nosso corpo e essencial para o desenvolvimento e funcionamento dos órgãos); a glucoronolactona (um metabolito natural formado no fígado a partir da glicose para “desintoxicar o organismo”); o guaraná (um poderoso estimulante) e o ginseng (que ajuda na concentração).
Apresentam longas listas de ingredientes e, em média, o teor de cafeína por lata (250 mililitros) equivale aproximadamente ao teor da substância presente em dois cafés expresso.
Um dos pontos diferenciadores que tem deixado os jovens mais fascinados é mesmo a panóplia de cores, que permite montar coleções completamente diferentes. Quanto às variedades, a escolha também é vasta — tanto podem ter um gosto mais frutado, como algo mais bizarro, como “o sabor a remédio”. Para conseguirem chegar a estas opções, as marcas recorrem a fórmulas com extrato de guaraná, limão ou açaí, bem como a diversos corantes e adoçantes artificiais.
O vasto leque de sabores e o lançamento constante de novas opções são dois dos principais fatores que justificam o sucesso. A marca líder de mercado, a Red Bull, vendeu 11,58 mil milhões de latas em todo o mundo em 2022, representando um aumento de 18,1 por cento em relação a 2021. Estes números fazem com que seja a rainha deste segmento, logo seguida pela Monster Energy (criada em 2002) que, embora não tenha partilhado dados oficiais de vendas de períodos mais específicos, adiantou que nos últimos 18 anos, vendeu mais de 22 mil milhões de latas.
A contrário da Red Bull, que se mantém fiel ao sabor original, a Monster distingue-se da concorrente direta pelo portefólio coloridas e com diferentes sabores. Relativamente à cafeína, ambas seguem a mesma receita: cada lata de 250 mililitros de bebida contém 80 miligramas de cafeína.
Mais perigos do que benefícios
A crescente popularidade destas bebidas entre os mais novos levou mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a alertar para os seus efeitos prejudiciais e a recomendar que estas não sejam consumidas por miúdos e adolescentes.
Taquicardia, agitação, cefaleias, insónias, desidratação, tonturas, ansiedade, irritabilidade, tremores, aumento da tensão arterial e distúrbios gastrointestinais são apenas alguns dos efeitos adversos. Com o aumento da dose os sintomas podem ter maior gravidade: convulsões, hemorragias, arritmias ou alucinações, “podendo mesmo levar à morte”, aponta a nutricionista Mariana Cortes.
Podem ainda estar associadas a um maior risco de epilepsia, embora “este efeito ainda não esteja muito documentado”, sublinha a especialista em nutrição. “A cafeína, um estimulante natural, parece apresentar capacidades pró-convulsivas, tanto em doentes saudáveis como em já doentes suscetíveis, quando submetidos a doses mais elevadas da mesma. Já a taurina, um aminoácido essencial, parece apresentar propriedades epileptogénicas por interferir com os recetores do sistema nervoso central”, explica.
“O risco cresce quando as bebidas são associadas ao consumo de álcool, que tem sido um fator para a ocorrência de variados episódios fatais”, alerta Mariana Cortes. “Adicionalmente, sabe-se que a associação do consumo de bebidas energéticas e álcool está relacionada com outros comportamentos de risco, como o tabagismo e consumo de drogas ilícitas”, acrescenta.
O consumo deve, portanto, ser evitado por grupos sensíveis da população (indivíduos com doenças cardiovasculares, gastrointestinais, hipertensão, insónias, transtorno de ansiedade e perturbações psiquiátricas) e grupos de risco como miúdos, mulheres grávidas e lactantes, mais propensos aos efeitos adversos ou tóxicos da cafeína.
@cmp_renee