Em diversas culturas, o hábito de comer carne crua faz parte das tradições gastronómicas — tal como no Japão se tornou usual consumir peixe crú, o famoso sushi que hoje é apreciado em todo o mundo. Com a crescente procura por opções saudáveis para incluir no estilo de vida, muitos estão a adotar esta prática antiga, ignorando os avisos sobre os perigos que o comportamento acarreta.
O fenómeno tem vindo a ganhar destaque nas redes sociais, sobretudo no TikTok, com vídeos que atingem milhares de visualizações, onde os utilizadores filmam as suas experiências a provar carne crua e partilham os efeitos que notaram a nível de saúde.
Além de quem opta apenas por não cozinhar a carne, existe também os que escolhem fermentá-la em casa — para isso, os cortes são deixados dentro de um contentor de vidro durante vários dias, à temperatura ambiente. Os entusiastas do processo alegam que este faz com que o alimento seja mais fácil de digerir, deixando os nutrientes mais acessíveis para que o corpo os absorva.
@agirleatingsteak How I made it: On a clean cutting board, I cubed a lean piece of meat into very small pieces (lean because fat ferment slower than muscle meat), then I added the meat to a clean jar and stored it on my counter. I opened the jar and let some oxygen get to the meat every other day… What are the benefits?: Digestion: The fermentation process breaks down the proteins and fats into simpler compounds, making the meat easier to digest > the bacteria, enzymes and probiotics support health > because the guts and brain are connected high meet may actually improve your mood and reduce anxiety > also because the nutrients are readily available, they can be used quick quicker, so the bio availability increases #rawprimaldiet #rawprimal #rottenmeat #fermented #fermentedmeat #fermentation #highmeat
Existem benefícios em comer carne crua?
Não submeter a carne ao calor pode preservar as vitaminas termossensíveis, nomeadamente as do complexo B, e algumas enzimas naturais, explica à NiT a nutricionista Lia Faria. “No entanto, é crucial ponderar os potenciais benefícios nutricionais com os riscos microbiológicos e parasitários associados”, ressalva.
Para garantir que existe segurança ao consumir este alimento, é imperativo que a carne seja proveniente de fontes certificadas, onde é submetida a rigorosos controlos de qualidade e mantida sob condições adequadas de refrigeração. Além disso, devem ainda ser escolhidos cortes certificados para este fim, no sentido de minimizar o risco de contaminação.
Existem riscos em consumir carne crua?
Segundo a profissional, o consumo de carne crua “acarreta riscos significativos, devido à potencial presença de bactérias patogénicas, como Salmonella spp., Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Campylobacter spp. e Clostridium perfringens, bem como parasitas como Toxoplasma gondii e Trichinella spiralis”.
Estes agentes acarretam infeções e intoxicações, com sintomas como náuseas, vómitos, diarreia e febre. São particularmente perigosos para grupos vulneráveis, como grávidas, crianças e imunodeprimidos.
A nutricionista adianta ainda que a maior parte da carne crua contém microrganismos patogénicos que podem causar doenças graves, incluindo infeções gastrointestinais e hepatite A.
Nem todas as carnes têm os mesmos riscos — as aves apresentam maior prevalência de agentes como Salmonella e Campylobacter. Também a carne de porco contém elevada probabilidade de infeção por parasitas como o Trichinella spiralis, cuja ingestão causa Triquinelose, uma doença que se desenvolve à medida que o microorganismo se reproduz. Em casos graves, por levar a complicações cardíacas, neurológicas e até à morte.
Já a carne bovina e ovina tendem a apresentar menor probabilidade de contaminações, quando obtidas em locais que asseguram condições específicas.
Como funciona o processo de fermentação da carne?
Este processo é controlado e acontece quando “microrganismos benéficos, principalmente bactérias ácido-láticas, promovem a acidificação do produto”, começa por explicar Lia Faria. Este processo “reduz o pH, inibindo o crescimento de organismos patogénicos, melhorando a segurança alimentar e prolongando a durabilidade do alimento”. A fermentação provoca também o desenvolvimento de aromas e texturas diferentes.
Este método é utilizado há séculos, mas exige um controlo rigoroso, já que “a linha entre fermentação segura e apodrecimento pode ser ténue”. É necessário garantir condições adequadas, e ter os conhecimentos necessários para distinguir fermentação de decomposição.
O processo modifica significativamente o perfil nutricional da carne, “aumentando a biodisponibilidade de determinados nutrientes, como péptidos bioativos e ácidos gordos de cadeia curta, que podem ter benefícios metabólicos e anti-inflamatórios”.
Promove ainda o desenvolvimento de diferentes compostos bioativos, como antioxidantes naturais, que ajudam a preservar o alimento, e que podem ter um efeito positivo na flora intestinal.
Apesar destes benefícios, a fermentação pode também causar a degradação de algumas vitaminas sensíveis ao ambiente ácido que é formado, como a vitamina B1. Além disso, podem desenvolver-se compostos de risco.
Pode mesmo criar bolor
Quando a carne é submetida a processos de maturação prolongados, a temperatura e a humidade favorecem o crescimento de fungos na sua superfície. Esta reação pode fazer parte do processo e contribuir para a preservação do alimento, prevenindo o crescimento de microrganismos indesejáveis.
Contudo, nem todos os fungos são iguais. Quando não é controlado adequadamente, podem surgir organismos tóxicos. Assim, “a presença de bolor inesperado, especialmente se apresentar coloração esverdeada, preta ou textura viscosa, pode indicar deterioração e contaminação do produto, devendo este ser descartado para evitar riscos para a saúde”.