Não foi fácil e não é fácil. Sónia Marcelo é nutricionista e mãe de dois rapazes, o Dinis, que tem quatro anos, e o Lourenço, com dois. Tendo total noção dos perigos do açúcar, a especialista escolhe uma alimentação saudável para os filhos, mas confessa que nem sempre é fácil lidar com os olhares e comentários que a julgam.
“É o comprar papas mais saudáveis, sem açúcar, e ser criticada; chegar a casa de amigos ou familiares que lhes querem dar algo mais açucarado porque têm pena, já que os meninos nunca comem aquelas coisas. E na escola do meu filho mais velho era vista como a ‘estranha’ por não querer que comesse o lanche da escola e mandar o lanche de casa”, desabafa à NiT a nutricionista de 33 anos.
Sónia sente que passa por estranha quando, pelo contrário, ela promove comer bem e de forma equilibrada. Contudo, não se vê como fundamentalista.
“Eu também gosto de alimentos calóricos e, claro, os meus filhos quando comem alimentos mais doces também gostam. Acho que não há ninguém que não goste. No entanto, se não estivermos expostos ao açúcar diariamente não iremos precisar dele — e não nos fará diferença comer algo menos doce, já que é aquilo a que estamos habituados.”
A nutricionista sempre teve imenso cuidado com a alimentação dos dois filhos e se a sua definição de ser saudável é comer de forma equilibrada e sem açúcares, não há motivos para lhes dar alimentos processados, gorduras em excesso. “Porque é que vou dar aos meus filhos alimentos diferentes que vão contra o que acredito e defendo?”
Os episódios mais marcantes que viveu
“Já estou tão cansada deste assunto que chega a um ponto em que uma pessoa até responde de forma menos diplomata. Ou acabo por ceder: ‘Então, vá, só este bocadinho, porque eles vão acabar por conhecer o alimento’. A minha ideia não é colocá-los num castelo em que nunca na vida vão comer bolachas Maria, chocolates ou outra coisa. É realmente evitar que eles tenham um contacto constante com este tipo de alimentos, porque certamente vão comer estas coisas.”
A nutricionista revelou à NiT que o filho mais velho mudou de escola e que uma das razões foi precisamente a alimentação. Sónia dizia para não lhe darem uma determinada coisa e descobria que tinham feito o oposto.
“Uma vez cheguei à porta da escola e o Dinis estava a dizer para a educadora: ‘Não me vai dar as gomas?’ E eu perguntei: ‘Gomas, porquê?’ A educadora muito rapidamente disse que ele se tinha portado muito bem e que as gomas eram a recompensa. Disse-lhe que não se recompensa uma criança de três anos com gomas, com açúcar.”
“O que é vai ficar no cérebro dele? ‘Ok, se eu me portar bem, se eu fizer as coisas bem feitas, aquilo que estão à espera de mim, vou ser recompensado com alimentos doces, com açúcar’. E isto vai gerar consequências graves para a vida, por isso é que as pessoas mais tarde, quando o dia não lhes corre bem, pensam que naquele dia merecem mesmo um chocolate ou um gelado. Foram habituadas desde crianças a serem recompensadas, seja pelos seus feitos positivos ou menos positivos, com alimentos doces”, explica à NiT, acrescentando que este episódio a marcou imenso.
A especialista recorda que há recetores cerebrais que vão induzir uma sensação de prazer, bem-estar, relaxamento.
Entretanto, colocou os dois filhos numa nova escola. “A educadora disse que o Lourenço estava a ver os outros meninos a comer uma bolacha Maria, que ele lhe pediu e que acabou por dar. Da primeira vez que me disse isso, não disse nada porque quis ter uma postura diferente. Porém, no dia seguinte, quando o deixei, expliquei que sou nutricionista e a favor de uma alimentação saudável, e que não quero que seja algo recorrente. Até disse que podia mandar uma das bolachas que lhe dou em casa para a escola. E ficou por aí. Acho que o meu pedido foi atendido”, desabafa a também autora do blogue “Dicas de Uma Dietista“.
Como aprendeu a lidar com as tentativas de boicote
No início, quando o filho mais velho começou a diversificação alimentar, a nutricionista sentiu-se sozinha. À NiT recorda que parecia estar numa guerra em que já tinha o rótulo de perdedora. “Isto porque as pessoas continuam a insistir, insistem e insistem até quase teres vontade de dizer ‘ok, podes dar-lhe essas bolachas’”.
E continua: “É preciso acreditar mesmo muito que este é o caminho certo. No entanto, depois do nascimento do meu segundo filho (talvez por ser o segundo) já não senti tantos olhares estranhos. Ou talvez até tenham existido, mas eu esteja mais confiante e menos incomodada com o que dizem ou comentam.”
Sónia Marcelo aprendeu que é ela a mãe e quem sabe o que é melhor para os seus filhos. Sendo formada em nutrição, sabe efetivamente o que é melhor. “Permito que eles provem alimentos menos saudáveis e os comam de vez em quando, mas não lhes vou dar um gelado todos os dias só porque são férias”, explica.
Segundo a especialista, são crianças que raramente ficam doentes, super inteligentes e cheias de energia. E são muito felizes a comerem o seu pão de centeio, os iogurtes sem corantes, as bolachas caseiras ou as de milho/arroz. “”Não, os meus filhos não são coitadinhos por não comerem bolachas Maria.”
“Se muitos pais soubessem o mal que estão a fazer aos seus filhos ao lhes darem sumos, gomas, chocolates, bolachas de forma diária, tenho a certeza de que não o faziam”, alerta Sónia.
Entre os vários perigos do açúcar, a especialista relembra que este alimento atua nos mesmos recetores das drogas, a nível cerebral, o que quer dizer que vicia. Além disso, causa habituação e a necessidade de doses cada vez maiores.
“As pessoas aprendem a lidar com as suas emoções, frustrações, sentimentos, ansiedades e alegria com alimentos doces. O açúcar causa obesidade, diabetes mellitus tipo 2, cáries, alteração da flora gastrointestinal, pode estar ligado a neoplasias (pois as células tumorais alimentam-se de açúcar), doenças cardiovasculares, entre outras.”