A utilização do sal na gastronomia nacional usufrui de mais do que um olhar benigno – o excesso é bem-vindo, espalhado por expressões positivas que nos habituamos a ouvir desde pequenos, como “ficou mesmo apuradinho, que delícia”. Por dizer ficam as referências aos riscos tantas vezes letais do consumo deste ingrediente, cujas consequências atingem a população de todo o planeta.
Sal é cloreto de sódio, uma molécula com um átomo de cloro e outro de sódio. Contudo, falar de sal é muito mais do que química ou hábitos culinários que teimam em persistir. É falar também do sal escondido em inúmeros alimentos, como bolachas, aperitivos, cereais de pequeno-almoço, conservas, queijo e fiambre. Aqui, as contas são fáceis de fazer, mas esta facilidade contrasta com aquilo que traduzem: um gigantesco impacto na saúde pública.
A contabilidade é pública, tendo como referência os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta entidade tem recomendações claras sobre o consumo: 2000mg/dia de sódio (equivalente a menos de 5g de sal) como valor máximo. A realidade ultrapassa largamente o aconselhado, porque a média mundial de consumo por pessoa está em 4310mg/dia de sódio (10,78g de sal). Ou seja, mais do dobro do consumo recomendado.
Nesta equação, há outra variável fundamental a ter em conta: vidas humanas. Ainda de acordo com a OMS, estima-se cerca de 1,89 milhões de mortes por ano associadas ao consumo excessivo de sódio, que a medicina já confirmou ser um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares e o principal responsável pela hipertensão arterial. Esta, por sua vez, está associada a dor no peito (a chamada angina), enfarte do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmia e AVC. Doenças às quais se juntam danos renais, que podem mesmo conduzir a uma insuficiência renal.
Reduzir o consumo do sal implica alguns constrangimentos, como refere à NiT Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia. “Não é só o tabaco e o álcool que são aditivos, o sal também é. Portanto, é difícil mudar as quantidades consumidas.” O conceituado cardiologista, porém, sublinha que a mudança de hábitos é fundamental. “Temos que acabar com o saleiro à mesa. Temos que adicionar muito menos sal à comida, até porque os próprios alimentos já têm sal suficiente.”
Com um quadro tão negro, onde à doença e à mortalidade se juntam os custos económicos avassaladores para todos os países, a solução é evidente: reduzir a ingestão de sódio. Aqui, realça a OMS, por cada euro investido na criação de medidas com esse objetivo, espera-se um retorno de pelo menos 12 euros.
As intervenções para diminuir a ingestão de sódio, segundo a organização, dividem-se em quatro partes. Primeiro, a aposta na reformulação dos produtos alimentares, para que contenham menos sal. Ao mesmo tempo, devem definir-se os níveis-limite da quantidade de sal nos alimentos e nas refeições;
Em segundo lugar, o apoio a instituições públicas, como hospitais, escolas, locais de trabalho e lares de idosos, para que possam disponibilizar opções com menor teor de sódio;
Outra etapa fundamental passa pela mudança na rotulagem, para facilitar a sua leitura e permitir a identificação mais rápida dos teores de sal;
Por fim, lançar campanhas eficazes de sensibilização para que cada pessoa altere realmente o seu comportamento alimentar neste ponto.
Em concreto, o que torna o sal um inimigo tão perigoso? Como passou de tempero essencial a grande vilão da saúde? As respostas são dadas pela ciência, cujos avanços têm permitido a descoberta dos efeitos associados ao seu consumo. Trata-se, porém, de uma questão relativamente recente, pois apenas surgiu há cinco décadas. Isso ajuda a justificar por que continuamos a consumir, de forma indiscriminada, os cristais a que recorremos sob a desculpa de darem sabor aos alimentos.
Os impactos do sal na saúde estão amplamente estudados, manifestando-se nas doenças mais penalizadoras das sociedades globais.
Doenças cardiovasculares
A ingestão excessiva de sal tem impacto na pressão arterial. É daqui que vem a associação ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, uma vez que a hipertensão é um dos seus principais fatores de risco.
Com o tempo, a pressão arterial elevada faz com que os vasos sanguíneos trabalhem mais. Para dar resposta a esta situação, as suas paredes ficam mais espessas, reduzindo o espaço interior. Isto faz com que a pressão arterial aumente ainda mais, tornando menor o volume de sangue que chega aos órgãos.
Se pensarmos que o sangue transporta oxigénio e outros nutrientes por todo o corpo, menos sangue no coração pode causar angina ou até enfarte do miocárdio, enquanto a sua diminuição no cérebro pode causar um acidente vascular cerebral.
Doença coronária
É mais uma vez a pressão arterial elevada que se destaca quando se trata da doença coronária, até porque é um importante fator de risco. Com o tempo, a hipertensão arterial não tratada vai sobrecarregar o coração e pode levar ao espessamento do músculo cardíaco. Uma vulnerabilidade com potencial de reduzir a eficácia do trabalho do coração, responsável por bombear o sangue, resultando em enfartes do miocárdio ou insuficiência cardíaca.
Acidente vascular cerebral
O sal é também uma ameaça para o cérebro, danificando os vasos sanguíneos e aumentando a pressão arterial. No fundo, ajuda a criar condições para a ocorrência de um acidente vascular cerebral (AVC). Sabemos ainda que a hipertensão é a maior causa de AVC, responsável por cerca de metade dos AVC isquémicos.
Hipertensão arterial
O sal contém sódio, como já sabemos. Muito sódio no sangue retém a água, pelo que o consumo elevado de sal vai significar mais água nos vasos sanguíneos e, logo, um aumento da pressão.
Doença renal
Os rins desempenham um papel fundamental na remoção de líquidos e resíduos do corpo, assim como no controlo da pressão arterial. É sua tarefa filtrar o excesso de líquido do sangue, que vai acumular-se na bexiga, para ser removido em forma de urina. Uma ingestão aumentada de sal faz crescer a quantidade de sódio no sangue, prejudicando o delicado equilíbrio de sódio e água e danificando os minúsculos vasos sanguíneos dos rins.
Com o tempo, o esforço-extra que os rins são obrigados a realizar pode danificá-los, permitindo que líquidos e resíduos se acumulem no corpo, conduzindo a uma possível insuficiência renal.
Há vários motivos para reduzir o consumo de sal. Tendo em conta o seu impacto na saúde pública em todo o mundo, é um erro absoluto olhar para este produto como mero tempero. A lista de doenças que resultam do seu consumo excessivo deveria, por isso, ser incentivo suficiente para uma mudança de hábitos. É fundamental avançar com intervenções simples, na produção dos alimentos, na política fiscal e nas ações comportamentais. O resultado potencial é salvar milhões de vidas e aliviar o fardo, pessoal e económico, das doenças não transmissíveis.