Alimentação Saudável

Rishi Sunak faz jejuns de 36 horas. “Será que devia tomar decisões a morrer de fome?”

Os hábitos do primeiro-ministro estão a dar que falar no Reino Unido. A NiT falou com uma nutricionista para esclarecer a polémica.

Jejum intermitente. Mesmo que não seja uma pessoa especialmente atenta ao mundo da nutrição, provavelmente já se deparou com esta expressão. Para uns, é uma dieta da moda, para outros, é sinónimo de uma enorme e bem-sucedida mudança relativamente à alimentação. Consiste em estar durante um período sem comer ou fazendo uma ingestão muito limitada de líquidos como chá ou café (sem adição de açúcar). 

Várias celebridades do mundo do cinema ou da televisão, como Jennifer Aniston, Gwyneth Paltrow ou até mesmo Cristina Ferreira são fãs deste método. Menos comum é ver um primeiro-ministro admitir que segue este padrão alimentar. Rishi Sunak, chefe do Governo do Reino Unido, jejum 36 horas por semana: entre as 17 horas de domingo e as 5 da manhã de terça-feira não come. Apenas ingere água, chá e café.

“Costumo fazer jejum no início de cada semana. É uma disciplina importante para mim como parte de um estilo de vida equilibrado”, esclareceu Rishi Sunak à BBC. A confirmação surgiu após o jornal “The Sunday Times” ter avançado, a 28 de janeiro, citando fontes próximas do primeiro-ministro, que o chefe do Governo britânico jejua durante 36 horas por semana.

“É realmente notável, visto que ele costuma fazer a preparação do debate semanal [no parlamento britânico] às segundas-feiras. É um verdadeiro testemunho do foco e determinação que coloca em todos os aspetos da sua vida e do seu trabalho”, acrescenta a mesma fonte.

Os pormenores relativos aos hábitos alimentares de Sunak não passaram despercebidos aos restantes meios de comunicação social e geraram um intenso debate no Reino Unido. Muitos questionam se as práticas de Sunal são, de facto, saudáveis. Uma colunista do “The Observer” questiona mesmo: “Admiro a sua disciplina, mas deveria um primeiro-ministro tomar decisões vitais quando está a morrer de fome?”

O estilo de vida de Sunak

Alguns britânicos ficaram chocados com a prática de Rishi Sunak, apesar de não se tratar de uma novidade. Na verdade, o jejum ritual é comum em muitas religiões, do Islão ao catolicismo, passando pelo judaísmo, passando pelo budismo ou hinduísmo. Porém, obedece a diferentes preceitos, dependendo da tradição religiosa em causa (o mais conhecido é, provavelmente, o Ramadão praticado pelos muçulmanos).

Rishi Sunak, de 43 anos, já tinha aludido (brevemente) a esta prática no passado, justificando que era uma parte fundamental da religião hindu, da qual é praticante —, mas os detalhes e a extensão do seu jejum não tinham sido revelados até agora.

Na altura, o governante revelou apenas que a sua rotina matinal consistia em acordar cedo para praticar bicicleta Peloton e não tomava o pequeno-almoço. E, mais tarde [sem especificar exatamente quando], comia um iogurte grego e mirtilos. Mas a polémica não fica por aqui.

O britânico admitiu ter “uma queda por coisas açucaradas”. “Isso significa que posso deliciar-me com todas as guloseimas que gosto pelo resto da semana”, disse. Sunak também já havia confessado o seu vício por Coca-Cola, referindo que prefere a versão mexicana porque “é feita com açúcar de cana em vez de xarope de milho rico em frutose”. 

“Não me parece minimamente saudável”

O jejum intermitente é extremamente popular, mas será totalmente saudável? Primeiro, é importante perceber exatamente em que consite.

“É um intervalo de tempo em que não há ingestão alimentar, ou quando há é realizada com alimentos sem valor energético, como o chá”, explica à NiT Denise Mendes, nutricionista da Women Mental Click. O modelo mais comum de jejum é o 16/8, o que pressupõe 16 horas de jejum, seguidas de refeições numa janela horária de 8 horas. “Por exemplo, consumir as refeições entre as 12 e as 20 horas, jejuando no tempo restante, ou consumir as refeições entre as 8 e as 16 horas e jejuar no tempo restante”, refere a especialista. “Este é o mais indicado segundo a nossa cronobiologia, porque comemos de manhã e isso é importante para termos mais energia durante o dia.”

O Eat Stop Eat é uma prática realizada uma ou duas vezes por semana e “consiste em jejuar entre o jantar de um dia e o jantar do dia seguinte”. Já no modelo 5/2, é feito um jejum parcial em dois dias da semana. “Neste período ingerem-se apenas 25 por cento das calorias habituais (entre 500 e 600) em dois dias da semana”. Existe ainda o Warrior Diet em que “o período de alimentação fica restrito às últimas quatro horas do nosso dia, o que não cumpre com os requisitos do nosso relógio biológico”.

O jejum de 36 horas não é frequente, sublinha a nutricionista. Tudo depende da capacidade e dos objetivos de cada um. No entanto, Denise admite que Rishi Sunak deverá estar “habituado a passar longos períodos sem ingerir alimentos” no contexto da sua vivência da religião hindu, como o próprio aludiu. Ainda assim, a nutricionista sublinha que este tipo de prática é “arriscada e perigosa”.

Os riscos 

“Numa fase inicial, a maioria das pessoas está muito motivada e consegue cumprir o jejum intermitente durante 4 a 8 semanas, mas depois acabam por desistir e voltar à sua rotina alimentar anterior”, explica. 

As consequências a longo prazo podem ser desastrosas. “Durante a realização do jejum, algumas pessoas sentem uma fome exacerbada e quando entram na janela horária em que é permitido comer acabam por ingerir refeições hipercalóricas e alimentos mais doces e/ou salgados, chegando a aumentar o peso”, detalha a especialista em nutrição.

Por outro lado, os efeitos secundários “imediatos”, ou seja, durante o jejum, não são propriamente ligeiros: “Pode causar dores de cabeça, alteração do trânsito intestinal, mais sede, dificuldades de concentração e irritabilidade”, alerta Denise Mendes.

E acrescenta: “Esta prática não é aconselhável a crianças, adolescentes, grávidas, mulheres em fase de amamentação ou qualquer outra pessoa que sofra de distúrbios alimentares ou de enxaquecas e diabéticos”.

Os benefícios 

Mas, será que jejuar durante 36 horas pode ser benéfico? A nutricionista diz que sim: “Pode aumentar a resistência à insulina, capacidade da resistência das células ao stress, melhoria da função cognitiva e memória a longo prazo — quando o corpo começa a adaptar-se à rotina.”

Além disso, como o organismo deixa de recorrer à glicose para obter e passa a utilizar a gordura armazenada. Quando esta alteração se verifica também é possível perder peso (a quantidade depende de vários fatores, nomeadamente a duração do jejum, o metabolismo e a composição corporal de cada um).

“O jejum intermitente pode ser uma estratégia para perder peso, como a dieta low carb ou low fat também podem ser. Contudo, não funciona da mesma forma para todos, porque há pessoas que sentem uma fome excessiva durante os períodos sem comer e, depois, acabam por consumir refeições supercalóricas”, esclarece Denise Mendes, criticando o método adotado por Rishi Sunak, que confessou que após o período de jejum come todos os doces que lhe apetece.

“Não me parece minimamente saudável, porque faz um controlo da gestão calórica através do jejum. Parece-me que durante a semana ingere açúcar e gorduras livremente, sabendo que vai estar 36 horas sem ingerir nada para colmatar os estragos.”

Assim como acontece noutro tipo de dietas, “há uma perda de massa gorda e magra”. Por isso, o melhor é conciliar o jejum intermitente com a prática de exercício físico “para preservar a massa muscular”.

Não existem recomendações absolutas no que toca à duração do jejum. “Depende de cada um, mas todos fazemos um jejum noturno de aproximadamente 12 horas, em que jantamos às 19 ou 20 horas e tomamos o pequeno-almoço às 7 ou 8 horas da manhã seguinte”, recorda.

 De qualquer das formas, tal como em qualquer outra mudança drástica no regime alimentar, quem pensa fazer um jejum intermitente deve procurar o acompanhamento de um nutricionista, alerta Denise Mendes.

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