Todos temos o pensamento generalizado de que os nutricionistas sempre comeram de forma saudável, como se nem tivessem passado pela fase da adolescência, ou nunca tenham tido maus hábitos alimentares. Mas não é assim. “Nem sempre comi saudável. É verdade”, confessa à NiT a nutricionista Sónia Marcelo.
A especialista cresceu literalmente no meio de comida. Os pais tinham um restaurante na Amadora desde que se lembra e a maioria das suas refeições eram lá. Sem a noção atual do que é uma alimentação saudável, comia de tudo.
Chocolates, gelados e bolos eram apenas três das várias gulodices a que a nutricionista tinha facilmente acesso. Recorda-se de que comia um bolo todas as semanas. Às vezes um croissant, outras um pão de leite e também adorava o bolo de arroz e o queque. Agora, há mais de um ano que não toca num pão de leite, por exemplo.
Foi o curso que tirou que mudou a sua vida, o seu corpo e a forma como se alimenta. Mas foi inesperado. No ensino secundário, seguiu a área de Ciências e Tecnologias com a ambição de tirar biologia mais tarde, sendo que ser bancária também era uma opção que tinha em cima da mesa. Mas não tinha bem a certeza do que queria.
Cerca de um mês antes da candidatura ao ensino superior, uma vizinha disse à sua mãe que tinha aberto um curso de dietética na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL). E, assim, de repente, o destino de Sónia Marcelo estava prestes a mudar.
“Antes de tirar a licenciatura tinha os conhecimentos básicos e os pensamentos como a maioria das pessoas tem: ‘É só um bocadinho’, ‘é só hoje’ ou ‘isto não deve fazer assim tão mal’. Com a aprendizagem que fiz para ajudar as outras pessoas (adoro ajudar), fez todo o sentido começar por me ajudar a mim”, diz à NiT.
Entre as principais mudanças, destaca o equilíbrio das doses de comida que colocava no prato, a preocupação em ler os rótulos de tudo e, sobretudo, a consciência de que pode comer tudo, mas que comer de forma saudável é muito melhor.
No fundo, começou por colocar em prática o que aprendia na universidade e rapidamente ficou com uma composição física muito melhor. “Menos peso, menos volume, número abaixo de calças… Sentia-me lindamente e a energia que ganhei foi imensa. A pele, o cabelo, tudo melhorou.”
Os olhares e palavras constrangedoras desde que se tornou nutricionista
“Nunca pensei foi que a sociedade não estivesse preparada para quem come saudável e faz disso o seu estilo de vida. Porque existem muitos olhares e senti-me muitas vezes apelidada como a ‘esquisita’”, revela a também autora do blogue “Dicas de Uma Dietista“.
Recorda-se perfeitamente das inúmeras vezes em que estava a almoçar no restaurante dos pais e ao lado estavam pessoas a olhar para o seu prato. Os olhares vinham acompanhados de comentários como “estás a ver, por isso é que é assim magrinha, só come aquilo” ou “só vai comer isso, Sónia? Ai, coitadinha, que vai ficar cheia de fome”.
“No início confesso que me fazia imensa impressão estar a comer com pessoas a comentar (não gosto de ser o centro das atenções), mas depois comecei a desvalorizar.”
As festas de anos, confessa à NiT, eram outro “tormento”. Recorda que as pessoas estavam à espera de ver o que ia tirar da mesa e, por isso, sentia-se super observada. “Ora porque criticavam se comia um doce ou algo mais calórico. Muitas vezes expliquei que comer um alimento mais calórico é também saudável, desde que seja numa quantidade moderada e feito de forma consciente.”
Mas não ficou por aqui. Quando ia a casa de alguém comer, o cenário repetia-se. Sónia dizia que não queria mais ou que não lhe apetecia a sobremesa e imediatamente surgiam os olhares e comentários: “Mas não comes porquê? Não me digas que queres emagrecer mais ou que tens medo de engordar”, dizia alguém. Do outro lado ouvia-se: “Só este bocadinho não te vai fazer mal.”
Durante alguns anos, a nutricionista de 34 anos sentiu-se como a “diferente”, a que “tem a mania que é saudável”, “a que não come nada”.
“Se isso me incomodou? Sim, bastante. Não percebia como as pessoas conseguiam comentar tanto as escolhas alimentares dos outros (quase sempre de forma depreciativa) e pouco olhavam para si mesmas e para as suas opções. Se hoje em dia me incomoda? Não. Olho, faço um sorriso, digo obrigada e continuo a comer a minha salada ou a comer a minha sobremesa, sem qualquer intimidação”, garante à NiT.
E continua: “Percebi que estou confiante das minhas escolhas e tenho imensos ganhos e prazer com elas. As outras pessoas… Nem por isso. Não há certo, nem errado. Existe o querermos ser mais saudáveis ou não, e o respeitarmos as opções dos outros, mesmo que sejam diferentes das nossas.”
O dia a dia alimentar da nutricionista
Atualmente, começa o dia com algo que adora desde miúda: pão. Porém, privilegia a versão de centeio integral, à qual junta guacamole (pasta de abacate) ou manteiga de amendoim, que acompanha com café longo e uma peça de fruta. Há outros dias em que escolhe para o pequeno-almoço panquecas, omelete ou ovos mexidos.
A meio da manhã, normalmente, costuma comer um iogurte com sementes ou frutos secos. Ao almoço aposta em carne, peixe ou leguminosas, como feijão ou grão. E garante ser “impensável fazer uma refeição sem legumes”. Também consome quinoa, arroz basmati, cuscuz e batata doce.
O primeiro lanche da tarde inclui novamente um iogurte grego com sementes ou frutos secos. Já o segundo é uma peça de fruta e um ovo cozido. O jantar começa sempre com sopa de legumes e sem batata — só não inclui um prato de sopa ao almoço por uma questão de logística —, normalmente seguida de uma porção mais pequena da mesma refeição que preparou para o almoço.
A alimentação que pratica é aquela que os restantes membros lá de casa seguem. “Aquilo que como é a minha filosofia e é o que eu passo para os meus filhos, Dinis (quatro anos) e Lourenço (dois anos). Dou-lhes iogurtes com pouco açúcar, bolachas de milho ou arroz, papas de aveia e muita fruta, por exemplo. Cá em casa mantemos uma alimentação que dá para todos. O meu marido também comia super mal, que incluía imensos chocolates e zero legumes, e agora é super saudável também”, diz à NiT.