O universo da oftalmologia está a viver tempos transformadores. Depois dos Blindsight, os implantes criados pela Neuralink, a empresa de Elon Musk, que prometem restaurar da visão e até permitir uma resolução superior à da visão humana normal, eis que o uso de células estaminais abre caminho a novas possibilidades para recuperar a visão.
Pela primeira vez, um grupo de cientistas conseguiu fazer com que pacientes com danos severos na córnea (a parte transparente do olho que cobre a pupila) tivessem a visão restaurada com a ajuda de um transplante de células estaminais reprogramadas para tratar córneas danificadas. Os resultados desta investigação sobre o uso de células estaminais foram publicados na revista científica “The Lancet”, a 16 de novembro.
A partir de células do sangue de um doador saudável, foi possível reprogramá-las para um estado embrionário, altura em que foram transformadas numa camada fina e transparente de células do revestimento da córnea, que foi transplantada nos pacientes. Das quatro pessoas que se submeteram ao procedimento, três apresentaram uma melhoria significativa e duradoura, enquanto o paciente com o quadro mais grave teve uma leve reversão decorrido um ano.
A investigação é fruto de uma descoberta que valeu, em 2012, o Prémio Nobel da Medicina ao japonês Shinya Yamanaka e ao britânico John Gurdon. Em causa está a reprogramação destas células estaminais adultas para um estado embrionário, quando atingem o seu máximo poder de transformação.
O que está em causa
“O futuro da medicina de oftalmologia começa aqui”, acredita Ricardo Portugal, médico oftalmologista do Hospital Trofa Saúde Gaia. Ainda assim, nota dois caminhos diferentes: “o de Elon Musk e aquele que vai ser possível com a ajuda das células estaminais”.
No caso do fundador da Tesla, “já mudou o mundo de várias formas, primeiro com os veículos elétricos, depois com as viagens ao espaço com a SpaceX e agora com a empresa Neuralink, que já tem a aprovação da FDA (Food and Drug Administration) para os primeiros implantes cerebrais de chips, os Blindsight, cuja função é quase substituir o olho”, explica.
Se alguém perdeu a visão e o problema está no olho, este implante substitui todos os tecidos oculares e envia informação ao cérebro sobre aquilo que está a ver. “Numa fase inicial, a qualidade da imagem não vai ser boa, quase como as primeiras imagens captadas pelos telemóveis, mas rapidamente vão melhorar”, acredita o médico oftalmologista.
Outro caminho que se avizinha promissor envolve o tratamento com células estaminais. “Tudo começou com um Prémio Nobel da Medicina, em 2012, em que dois investigadores descobriram que as nossas células adultas, já especializadas num órgão, podem ser reprogramadas para retroceder e ficar com características das células estaminais, que depois pode dar origem a qualquer tecido”.
Os primeiros resultados destas pesquisas foram publicados em 2006. “Na altura pensávamos que as células, à medida que se especializavam, tinham um caminho único. Contudo, os cientistas descobriram que era possível retroceder, porque as células não precisam estar presas ao seu estado de especialização”.
Uma janela de novas oportunidades
A terapia celular abriu um leque de possibilidades. “Podemos pegar numa célula adulta, transformá-la numa célula estaminal e fazer novas células num órgão que esteja comprometido, como um problema no coração, por exemplo”, explica.
O estudo agora publicado dá uma nova esperança para pessoas que tenham sofrido “traumatismos químicos ou físicos, que tenham lesionado células à volta da córnea, onde existem naturalmente células estaminais. Se estas ficaram danificadas, começam a ficar turvas”. O que os cientistas conseguiram foi “recuperar a transparência da córnea através da introdução de células estaminais em doentes com lesões”.
Para o universo da medicina, esta descoberta é a aplicação, na prática, de um estudo distinguido com o Prémio Nobel, em 2012. “Os primeiros passos da teoria daquele ano estão a ser dados agora. E, no futuro, podemos pensar em reparar, com células estaminais, qualquer tecido”, assegura Ricardo Portugal.