Saúde

De parteira a neurocientista. A jornada de uma mãe em busca da cura do filho

Aos 49 anos, inscreveu-se num doutoramento em neurologia para tentar encontrar respostas para a doença rara do filho.
Terry Jo Bichell com o filho Lou

A visão de um bebé a sorrir é sempre um momento marcante para os pais. Contudo, no caso de Terry Jo Bichell, foi o sorriso precoce do seu filho, e não o seu choro, que a levou a suspeitar de algo anormal. Geralmente, os bebés começam a sorrir entre os dois e três meses, mas Lou começou a esboçar sorrisos com apenas um mês, chegando a dar gargalhadas inexplicáveis.

Ter um filho demasiado risonho pode não parecer estranho, mas Lou dormia mal e os seus olhos azuis, diferentes dos olhos castanhos dos pais, eram estranhamente baços e mal seguiam o olhar da mãe. Terry sentia que havia algo de errado com o bebé, mas o marido, cardiologista infantil, desvalorizou as suas preocupações. “Todos pensaram que estava louca, incluindo o meu marido”, recordou numa entrevista ao jornal “El País”. 

Além de ser parteira e de ter muita experiência com bebés, Terry, que vivia com a família em Nashville, nos EUA, tinha também quatro filhas e experiência com miúdos não lhe faltava. No entanto, a lista de peculiaridades do filho não parava de crescer, tal como as suas inquietações. Quando Lou completou um ano, era impossível ficar indiferente aos sintomas que manifestava: além de não ter quaisquer contactos sociais, tinha um ligeiro, mas constante tremor. E não conseguia ficar quieto.

Tudo isto aconteceu no final da década de 1990, numa altura em que o acesso à Internet era mais limitado. Isso levou Terry a procurar informação num manual de doenças genéticas que tinha em casa. “Sempre que nos deparávamos com a página sobre a Síndrome de Angelman, uma das 400 páginas do livro, pensava: ‘Parece-se mesmo com estes miúdos’”, recorda.

O que é a Síndrome de Angelman

Trata-se de uma perturbação do desenvolvimento caracterizada por uma função motora deficiente, discurso limitado, convulsões, dificuldades para dormir e um riso constante e inusitado, que é uma das poucas formas que têm de se comunicar. O diagnóstico pode ser confirmado por meio de exames genéticos, sendo frequentemente confundida com outras condições, como o autismo ou a paralisia cerebral.

Colin Farrell conhece bem os sintomas, já que o seu filho James, atualmente com 20 anos, foi diagnosticado com a doença rara quando tinha apenas dois anos e meio. A descoberta levou o ator a criar uma associação para apoiar pessoas com o mesmo problema e que enfrentam desafios semelhantes.

Estima-se que a Síndrome de Angelman, para a qual ainda não existe uma cura conhecida, afete um em cada 15 mil a 20 mil miúdos. No final dos anos 90, os cientistas identificaram a origem do problema: uma mutação no gene UBE3A, localizado no cromossoma 15. Terry conseguiu obter o diagnóstico do seu filho graças a um teste genético. “O meu marido reagiu muito mal, mas, para mim, foi um alívio. Agora que sabia o que se passava, podia começar a trabalhar e a aprender”, recorda.

Terry Jo Bichell
Terry Jo Bichell continua à procura de cura para a síndrome de Angelman.

Após diversas pesquisas na Internet sem resultados satisfatórios, aos 49 anos, Terry decidiu voltar à universidade e inscreveu-se num doutoramento em neurociências na Universidade de Vanderbilt (em Nashville, Tennessee, nos EUA) com o intuito de participar em ensaios clínicos para encontrar uma cura para a Síndrome de Angelman. 

Além de ter conseguido fundos para financiar projetos de investigação, criou uma base de dados com informação que recolheu junto de famílias de miúdos com o mesmo problema. Nesta altura, era estudante, investigadora e mãe a tempo inteiro, lutando para equilibrar todas as responsabilidades com o trabalho no laboratório.

Terry começou a suspeitar que a doença poderia estar relacionada com os ritmos circadianos, ou seja, os ciclos naturais que regulam funções biológicas como sono, temperatura corporal e produção hormonal. No entanto, a investigação desta hipótese ainda não produziu resultados conclusivos.

Em 2015, com 55 anos, conseguiu obter o doutoramento na Universidade de Vanderbilt, onde é professora no curso de neurociência translacional. Também fundou a Combined Brain, uma organização sem fins lucrativos que faz a ponte entre grupos de doentes e médicos, investigadores e empresas farmacêuticas. 

Quanto a Lou, agora com 25 anos, apenas consegue pronunciar as palavras “mãe”, “pai” e “iPad”, a ferramenta que utiliza para se comunicar com o mundo. “Quando concluí o doutoramento, ele tinha 17 anos. Nessa altura, provavelmente, já não havia solução. Mas talvez seja esse o seu legado, talvez seja o meu também. Pode ser demasiado tarde para ele, mas não para outros”.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT