“A altitude está a começar a fazer efeito, tanto em nós como noutros atletas”, conta à NiT José Maria Garcia, de 27 anos. Ao seu lado, tem o primo António Vasconcellos, de 26, numa aventura a dois que está apenas a começar. Estão, neste momento, nos Himalaias, a caminho do Everest Base Camp, para correrem a maratona mais alta do mundo.
O “efeito” de que José fala é conhecido como “doença da altitude” e pode acontecer quando se está em locais onde a concentração de oxigénio é inferior à do local onde se vive. Os sintomas são semelhantes aos de uma ressaca: vómitos, tonturas, enjoo. Nada que não estivessem à espera.
A preparação para a 20.ª edição da Everest Marathon, que acontece a 29 de maio, começou há muito tempo e sabiam os riscos que corriam. José Maria Garcia corre desde “2018 ou 2019” e foi fazendo provas um pouco por toda a Europa. António Vasconcellos “sempre acompanhou para dar apoio e também pelas viagens em si”. “Entretanto fui conseguindo enganá-lo”, brinca José, e António lá começou a correr também, até que “ganhou gosto”.
José revela que sempre quis ir ao Nepal. Quando descobriu que havia possibilidade de fazer uma maratona no Evereste soube que apenas uma pessoa “seria louca suficiente para aceitar”. Falou com António, inscreveram-se e começaram os treinos mais intensos no final de 2024, tudo pelo “desafio”.
Em Portugal, o ponto mais alto onde é possível treinar é a Serra da Estrela. António foi até lá, mas são só “cerca de dois mil metros”, o que é “bastante limitado”. Por comparação, na prova em que vão agora participar, vão “estar quase ao triplo dessa altitude”, revela.
Já José escolheu a Serra Nevada para treinar. São quase quatro mil metros de altitude, mas nem assim chegava perto do que estão a enfrentar por estes dias. O percurso começa a 5350 metros de altitude e termina a 3446.
Usaram “máscaras que tiram oxigénio” para conseguirem treinar ao máximo o corpo para as condições nos Himalaias. Apenas dois portugueses conseguiram terminar esta prova, que atravessa 42 quilómetros marcados por trilhos de montanha, pedras, neve, gelo e forte declive: João Neto, em 2022 e Pedro Queirós, em 2023.
A Everest Marathon realiza-se todos os anos a dia 29 de maio, como homenagem à primeira ascensão ao Evereste por Tenzing Norgay e Edmund Hillary, em 1953.
Os dois portugueses começaram, no passado domingo, 18 de maio, um percurso de trekking de 11 dias até ao ponto de partida da prova. A organização da maratona recomenda que os participantes façam esse caminho para que o corpo esteja familiarizado com as condições antes da corrida começar.

Este ano, há 220 participantes de 35 nacionalidades diferentes — o número reduzido é uma forma de garantir a conservação ambiental do parque de Sagarmatha, por onde passa o percurso.
“Acabar já é uma grande conquista”, consideram. António, que corre há menos tempo, nem fala em tempos, o único objetivo é passar a meta, “provar que tudo é possível”. José diz que, se em Portugal “faria 4 horas”, ali “se fizer 6, 7 já fica bastante satisfeito”.
“Mas posso chegar lá e mudar completamente de ideias, estar esgotado ou a sentir-me mal. Vamos ver”. Os primos estão entusiasmados para ver até onde conseguem “esticar” o corpo. O recorde da maratona foi atingido pelo nepalês Deepak Rai em 2006: 3 horas, 28 minutos e 27 segundos.
A família, dizem, só quer que cheguem “a Lisboa inteiros”. Vivem na capital portuguesa e o desporto não é ocupação principal de nenhum. José trabalha no bar de um hotel e António trabalhou em produção de eventos, mas quando regressar quer pôr em prática as formações que tem feito em cibersegurança.
O percurso que estão a fazer
Chegaram a Katmandu, capital do Nepal, no dia 16 de maio. Estiveram por lá três dias, antes de começar o percurso até ao Everest Base Camp. “Para treinar lá foi um desafio grande devido ao caos, as ruas, o trânsito, pessoas, animais, macacos, vacas” — “faz parte da aventura”, relativizam.
Daí partiram para Lukla, uma cidade situada a quase três mil metros de altitude. “É considerado o aeroporto mais perigoso do mundo”, sublinham. Foram numa “avioneta bi-motor”, “dava para 15 pessoas, ia carregada de malas”. “E ainda tinha espaço para uma hospedeira de bordo”, dizem, entre risos. “A aterragem foi surreal”, numa pista com “cerca de 200 metros”. Através do Instagram, José partilhou um vídeo dos primeiros dias do percurso.
“Tem sido espetacular”, contam, o grupo “é muito heterogéneo e muito resiliente”. “Vai ajudar imenso nos momentos mais difíceis daqui para a frente, que certamente vão surgir”.
No segundo dia de caminhada começaram a sentir-se mais ofegantes, “basta subir umas escadas” para ficarem cansados. “Parece que nunca treinamos”, dizem. Com acesso limitado à Internet, nesta segunda-feira, 19 de maio, contaram à NiT que a partir de quarta, dia 21, acabavam as florestas e toda a vegetação que tem marcado a paisagem nos últimos dias.
Começaria então o percurso mais “bruto”, “com neve, gelo, glaciares, rochas, e cada vez mais alto”. A comunicação com o mundo torna-se cada vez mais difícil. Devem chegar ao Everest Base Camp no dia 28 de maio, um dia antes da prova. Depois, são 42 quilómetros que esperam acabar. “Estamos confiantes”, rematam.
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