De todos os quatro estilos de natação, a mariposa é o que mais dores de cabeça dá aos nadadores, seja pelos movimentos exigentes e complexos, pela coordenação corporal ou elevado gasto energético. Ainda assim, Vicente Pereira não tem dúvidas em afirmar que é o seu estilo preferido.
Com apenas 19 anos, o jovem atleta tem feito história na natação adaptada e já conquistou um palmarés invejável entre os nadadores com síndrome de Down. É campeão do mundo e recordista mundial dos 100 e 50 metros livres, assim como 100 e 50 metros mariposa. E este mês de novembro, na sua mais recente competição, surpreendeu tudo e todos ao participar em duas provas internacionais, em Inglaterra e nos Estados Unidos – Down Syndrome Swimming Great Britain e USA Down Syndrome Swimming and Athletes Without Limits – nas quais voltou a conquistar várias medalhas de ouro.
Só em Londres, bateu três recordes do mundo, enquanto na prova realizada em Orlando, nos Estados Unidos, conquistou oito recordes mundiais, entre os quais nos 100 metros estilos. “Foi algo inédito numa competição de natação, como disse um dos treinadores americanos”, explica com orgulho Nelson Pereira, pai de Vicente.
Feitas as contas, em duas semanas, Vicente “bateu ao todo 11 recordes do mundo”, revela. “Não só é o nadador mais rápido, como o melhor do mundo com síndrome de Down. Nos dois campeonatos da Europa e nos dois campeonatos do mundo que fez, desde 2021, foi sempre considerado o melhor nadador”, revela Nelson. “Se juntarmos a estas provas que fez agora em Orlando e Londres, até a nós nos surpreendeu”.
“Sinto-me muito feliz por ser o melhor nadador do mundo e agradeço a ajuda do meu pai e do meu treinador”, diz Vicente, que começou a dar as primeiras braçadas ainda antes dos cinco anos. A fama de craque da natação já vem de longe. Em 2021, já a NiT relatava o seu percurso, depois de vencer cada uma das 12 provas em que competiu na sua primeira competição internacional. Feitas as contas, na estreia bateu três recordes mundiais; trouxe para casa o troféu de melhor nadador masculino; e ajudou Portugal a conquistar um segundo lugar na classificação geral da competição. Portugal trouxe ao todo 31 medalhas dos Europeus de piscina curta para pessoas com Síndrome de Down que decorreu de 4 a 11 de outubro em Ferrara, Itália.
Vicente aprendeu a nadar quando tinha apenas quatro anos, mas foi só quando passou a ser treinado por Rui Gama, na equipa adaptada do Sporting, que a mariposa passou a ser o seu estilo de eleição.
Após um ano e meio a aperfeiçoar a técnica, a partir dos 13 anos começou a participar em competições nacionais e a atingir bons resultados. Além de treinar diariamente, por vezes duas vezes por dia, Vicente ainda treina no ginásio duas vezes por semana, “musculação e resistência, com exercícios adaptados à natação, para complementar o que é o treino dentro de água”, explica.
Além de praticar desporto, Vicente terminou recentemente o 12.º ano, incluído num curso profissional de culinária e pastelaria, e vai começar a estagiar na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. A cozinha é a sua outra paixão e já consegue ser autónomo na preparação do próprio pequeno-almoço e lanches, ainda que confesse que a sua especialidade são os doces, em particular “os pasteis de nata”, comenta entre risos.
Além de ser feliz a nadar, a modalidade permitiu-lhe fazer novos amigos, tanto no Sporting, como no estrangeiro. “Quando estou a nadar o mundo fica diferente, é outro mundo que existe dentro de mim”, partilha.
Mas o seu maior sonho continua por concretizar: “ir aos Jogos Paralímpicos. É muito difícil, mas vou continuar a lutar com a ajuda de todos”. A questão é que não depende apenas de Vicente, uma vez que não existe uma categoria de síndrome de Down nesta competição. “É uma luta muito antiga para se criar um grupo só com atletas com síndrome de Down”, refere o pai.
Após ter apresentado uma candidatura para fazer parte dos Heróis Betano — uma iniciativa que apoia histórias inspiradoras de atletas amadores ou profissionais que tenham superado desafios ou contribuído de forma especial para a comunidade através do desporto — foi aceite entre 400 candidaturas apresentadas. “Mais do que o Vicente bater recordes, ficámos muito satisfeitos por lhe poder proporcionar esta hipótese de participar em competições no estrangeiro e ajudar a criar mais relevância sobre este tema”, refere Inês Andrade, communication & PR manager na Kaizen Gaming, que detém a Betano.
Um apoio que Nelson Pereira considera de vital importância. “Quando o Vicente vai a campeonatos da Europa ou do Mundo, está integrado na Seleção Nacional através da Federação Portuguesa de Natação e, nas provas nacionais, está incluído na equipa do Sporting. Qualquer prova internacional extra é muito difícil de apoiar, daí a importância do projeto Heróis Betano porque permitiu, pela primeira vez ao Vicente, fazer duas provas internacionais, fora do circuito normal dos europeus e mundiais”.
Para 2025, os objetivos passam por “bater mais recordes” e continuar a praticar desporto, enquanto faz o seu estágio nos períodos em que não está a treinar. “É preciso gostar muito de natação para fazer o que o Vicente faz. Tem essa vontade que o distingue dos outros e nunca lhe dizemos que algo é impossível. Porque ele vai tentar sempre fazer mais do que aquilo que já fez”, o pai com orgulho.
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