É uma das provas mais duras do mundo. Quase quatro quilómetros a nadar, 180 em cima de uma bicicleta e uma maratona completa. Tudo para fazer sem pausas, de uma só vez. É uma prova de vida para qualquer homem ou mulher — quanto mais para um jovem com síndrome de Down.
Chris Nikic sabia bem o que tinha pela frente e, mesmo assim, aguentou a dor durante 16 horas e 46 minutos — abaixo do limite máximo de 17 horas —, para fazer o impensável: tornar-se no primeiro atleta com síndrome de Down a completar uma prova Ironman.
A proeza aconteceu na praia de Panama City, no estado norte-americano da Florida, a 7 de novembro. “Para o Chris, esta corrida foi muito mais do que uma meta e uma celebração. O Ironman serviu de plataforma para ele dar mais um passo rumo ao seu objetivo de viver uma vida de inclusão, normalidade e de liderança. De dar o exemplo a outros miúdos e famílias que enfrentem desafios semelhantes, de provar que não há sonhos ou objetivos demasiado ambiciosos. Se o Chris consegue fazer um Ironman, ele consegue fazer qualquer coisa”, explicou o pai, Nik Nikic.

Da parte da organização, nenhuma regra foi adaptada e não houve qualquer modificação nos regulamentos. “Não mudamos nada por ninguém no que toca aos elementos essenciais da prova”, explicou o CEO do Ironman Group antes da corrida.
A jornada rumo à vitória começou há três anos, com treinos diários e exigentes. Foi o pai quem sempre motivou Chris para atingir o seu grande objetivo.
“O meu pai diz que se ficares sentado a jogar videojogos, nunca vais concretizar os teus sonhos”, confessou o jovem à “Runner’s World”. As duas últimas décadas não foram fáceis para Chris, que foi operado ao coração com apenas cinco meses. Só aos quatro começou a andar. Até aos 17, foi submetido a pelo menos quatro operações aos ouvidos.
Estas são apenas algumas as dificuldades que a condição genética coloca à partida ao jovem norte-americano. Muitas das barreiras são também meramente psicológicas, explica o pai: “Fui influenciado por muitas perceções negativas e conselhos negativos durante estes 18 anos da vida do Chris, por todos os profissionais. Acho que todos os pais como eu, quando o seu filho é diagnosticado com síndrome de Down, são sujeitos a uma avalanche de todo o tipo de informações negativas. Sobre o que os seus filhos nunca vão poder fazer. Nunca fala connosco sobre o que é que eles podem fazer quando se focam num objetivo”.
Já Chris sabe bem o que quer: “O meu sonho é comprar uma casa, ter o meu carro e arranjar uma loiraça jeitosa do Minnesota”.

Assim que Chris começou a treinar para o triatlo paralímpico e conseguiu nadar um quilómetro em águas livres, o pai percebeu que tinha potencial para ir mais além. E começou a pensar em que modalidade é que o filho poderia brilhar, até descobrir que nenhuma pessoa com Down tinha completado o Ironman.
Os treinos foram duros. Fazia exercício durante pelo menos 30 horas por semana, atividade que tinha que equilibrar com as aulas e os trabalhos de casa. Certos dias acordava às cinco da madrugada para correr antes das aulas. O esforço compensou.
Sempre acompanhado de perto pelo seu guia, Nikic correu, pedalou e nadou através de cada um dos quilómetros exigidos. No final, já na linha da meta, o relógio revelou que estava bem a tempo. Terminou a prova dentro dos limites e abaixo das 17 horas. Dois meses antes de cruzar a meta, Chris anteviu o significado de uma eventual vitória: “[Chegar ao fim] significa que sou capaz de concretizar os meus sonhos e de tomar conta de mim mesmo. E também significa que sou capaz de inspirar os outros a, tal como eu, irem atrás dos seus sonhos”.